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  • Ouvindo Fácil - Noite no Monte Calvo, de Mussorgsky

    Por Rafael Torres Hoje resolvi introduzir uma nova forma de tentar ser solícito em vossa apreciação musical. Não vai funcionar com obras grandes, mas Poemas Sinfônicos, Aberturas e peças individuais para Piano são ideais. Não vou abrir mão de falar sobre a biografia do compositor e de entregar uma pequena contextualização histórica. Mas vocês vão ficar bem. Vai funcionar assim: a postagem vai se parecer com qualquer outra de Análise, vou tentar deixar as coisas claras (do meu jeito estranho) e apresentar compositor, obra (em vídeo) e até gravações recomendadas, no fim. A diferença vai ser a análise em si. Em vez de uma análise detalhada, com diversos parágrafos, vou fazer apenas algumas observações, por vezes indicando a minutagem, de coisas a que vocês devem observar. Vamos começar? Música Russa Se você vem acompanhando a minha série sobre história da música, verá que na Idade Média, na Renascença e no Barroco os compositores russos são inexistentes. Simplesmente não havia tradição musical erudita na Rússia até o Romantismo (século XIX). Mas eis que, em 1804, nasce Mikhail Glinka, o primeiro compositor russo de real importância. Ele escreveu Óperas em língua russa (apontando o caminho para o nacionalismo em todo o mundo), música orquestral, música de câmara e música para piano. A título de contextualização, ele nasceu mais ou menos na mesma época de Hector Berlioz (França), Fanny Mendelssohn-Hensel (Alemanha), Felix Mendelssohn (Alemanha), Robert Schumann (Alemanha), Frédéric Chopin (Polônia), Franz Liszt (Hungria) e Richard Wagner (Alemanha). E parece que um leque se abriu, porque a partir dos anos 1830 começou a aflorar uma talentosa geração de compositores que, anos depois, em 1956, formaria em São Petersburgo o famoso "Grupo dos Cinco": cinco compositores empenhados em criar um estilo de música clássica verdadeiramente russo, dando continuidade ao trabalho de Glinka. Eram eles: Mily Balakirev (o mentor); Cesar Cui (um militar); o nosso Modest Mussorgsky; o talentosíssimo Nilolai Rimsky-Korsakov e Alexander Borodin (o químico). De todos, Balakirev e Rimsky-Korsakov foram os mais ativos e atingiram uma importância capital na vida musical do país. Sem contar que 4 dos 5 se tornariam professores ou influenciadores da brilhante geração de Anatoly Lyadov, Alexander Glazunov, Piotr Tchaikovsky, Sergei Rachmaninoff e até mesmo dos modernos Sergei Prokofiev, Igor Stravinsky e Dmitri Shostakovich. O Grupo dos Cinco Mily Balakirev - O líder do grupo, extremamente talentoso, embora carente de uma série de conhecimentos teórico. Deveria ser mais celebrado, hoje em dia; Cesar Cui - O mais desconhecido, hoje e então. Compunha pouco e era militar de alta patente. Talvez fosse o mais desinteressado; Nikolai Rimsky-Korsakov - Sem dúvida, o mais talentoso, aquele que era capaz de escrever qualquer coisa em música. É considerado o pai da maneira russa de orquestrar, mesmo sendo quase autodidata. Escreveu um importante tratado sobre orquestração (finalizado, após sua morte, pelo seu enteado, Maximilian Steinberg). Tem obras famosíssimas, com a Suíte Sinfônica "Sheherazade", a Suíte Cappricio Espagnol e a Abertura Festival da Páscoa Russa, o Poema Sinfônico "Dubinushka" e mais Sinfonias, Óperas e Concertos; Alexander Borodin - Também muito talentoso, nos deixou uma obra não muito grande, mas admirável (suas duas Sinfonias são amplamente e merecidamente apreciadas, atualmente). Teve, sempre, que dividir a carreira de compositor com a de químico (em que era respeitadíssimo). Modest Mussorgsky - Nosso assunto de hoje. Ironicamente, em alguns aspectos é o mais conhecido, tocado e gravado dos cinco. Ironicamente por que era, dentro do grupo, considerado o mais deficiente, musicalmente. Como o irmão mais novo de alguém. Mas sua fama desproporcional vem graças ao compositor francês Maurice Ravel, que se apaixonou por uma dificílima suíte para piano que ele escrevera, "Quadros de Uma Exposição" (e que Rimsky-Korsakov retocou), e a adaptou para orquestra. E o fez de modo tão perfeito que alçou a peça ao nível de patrimônio cultural e intimidou (mas não impediu) outros compositores de a orquestrarem. Mas e Mussorgsky? Bom, com Mussorgsky a questão é um pouco difícil. Nascido em Karevo, um pequeno vilarejo no noroeste do Império Russo, tinha muito talento musical, mas sua educação formal foi um tanto superficial. Cadete da Escola de Cadetes, mas jamais abandonando a música, conheceu Alexander Borodin, seu futuro colega no "Grupo dos Cinco", em alguma taberna em São Petersburgo. Mussorgsky tinha 17, Borodin, 22. A cumplicidade foi imediata, enobrecida pela paixão de ambos pela música. Um pouco mais tarde, após trocar cartas com Mily Balakirev, foi ter com este. Balakirev imediatamente reconheceu tanto o talento quanto a completa defasagem teórica do rapaz, em certos aspectos. Balakirev fez o que pôde, pois, como costumava dizer, não era um teórico, mas pouco a pouco foi completando as lacunas do treinamento de Mussorgsky. Este, logo largou a Escola de Cadetes e passou a se dedicar inteiramente à música. Em visita a Moscou, ficou cada vez mais convicto de que amava "tudo que fosse russo", sem perceber que a maioria de seus ídolos e modelos musicais eram de fora. O trágico na vida de Mussorgsky veio na forma de um severo alcoolismo, que, eventualmente o levaria à morte. Tendo morrido cedo, aos 42 anos, não nos deixou uma obra expressiva: as Óperas "Khovanshchina" e Boris Godunov, os Quadros de uma Exposição, na versão para piano, e este poema sinfônico, Véspera de São João no Monte Calvo, ou, simplesmente, Noite no Monte Calvo (você vai encontrar no Spotify, Deezer, Apple Music e afins como Night on the Bare Mountain). Última e importantíssima coisa. No Grupo dos Cinco, Balakirev era um pouco ditatorial. Ele não aceitou a versão inicial que Mussorgsky o apresentou e, embora este ainda tenha tentado fazer umas adaptações (incluindo uma com coro), a obra jamais foi executada durante sua vida. Apenas 5 anos após sua morte, Nikolai Rimsky-Korsakov aplicou sua extremamente colorida orquestração e publicou a peça - obviamente atribuindo-a a Modest Mussorgsky - e o sucesso foi imediato, desde sua estreia em São Petersburgo, em 1886. A versão de Rimsky-Korsakov (vou colocar um vídeo no final) atenuou o quanto pôde os lampejos diabólicos e quase insanos da peça original. Tratou de maneira mais elegante a transição entre os Temas e alterou, também, de maneira drástica e descaracterizou o final da peça. A versão de Mussorgsky termina com sons demoníacos, dissonantes e incômodos. Rimsky-Korsakov, compositor mais experiente, sabendo que isso não iria agradar, fez uma espécie de final feliz, em que as bruxas e Satanás são expulsos pelo simples badalo de um sino de igreja, retornando às trevas de onde vieram. Durante décadas, foi a versão de Rimsky-Korsakov que foi continuamente gravada e tocada mundo afora. Aliás, continua sendo. Mas nos últimos anos a versão original de Mussorgsky começou a ressurgir e cair no gosto do público. Em 1940 Walt Disney, o maestro Leopold Stokowski e a Orquestra de Filadélfia lançaram o filme "Fantasia". Uma das peças era uma aterrorizante animação de Noite no Monte Calvo, em uma orquestração de Stokowski baseada na de Rimsky-Korsakov. Nesta versão, destinada ao público infantil, Stokowski tratou de terminar a música de maneira ainda mais suave que a de Rimsky-Korsakov: ele liga o final de Noite no Monte Calvo a uma famosa Ave Maria, de Franz Schubert. Sendo a Arara subversiva e avessa a finais felizes artificiais, é da versão original de Modest Mussorgsky que iremos tratar! A Obra Compositor: Modest Petrovich Mussorgsky, Karevo, Império Russo, 1839-1881; Nome: Véspera de São João no Monte Calvo; Composta: Entre 1860 e 1867; Estreia da versão de Rimsky-Korsakov: Outubro de 1886, em São Petersburgo, com a Orquestra dos Concertos Sinfônicos Russos, regida por Rimsky-Korsakov. No exterior, foi estreada em 1889 durante a Exposição Universal de Paris, com regência de Rimsky-Korsakov e uma orquestra, que ele considerou excelente, formada por músicos de Colônia. Estreia da versão original de Mussorgsky: anos 1920, com a Sociedade Filarmônica de Leningrado sob a regência de Nikolay Malko e em Fevereiro de 1932, também por Malko, na Inglaterra; Duração: Cerca de 12 minutos; Tonalidade: Impossível de definir. Véspera de São João no Monte Calvo, versão de 1867, do próprio punho de Modest Mussorgsky é um Poema Sinfônico pertencente ao que deveria ser uma série (de Poemas Sinfônicos) inspirada em poemas (literários) de Nikolai Gogol. A peça descreve um Sabá, uma reunião de bruxas, na véspera de São João. Mussorgsky escreveu, em carta a seu amigo Vladimir Nikolsky: "se eu me lembro bem, as bruxas se reuniam nessa montanha... ... ficam fofocando, fazendo joguinhos e esperando por seu chefe, Chernobog (Satanás)". Aparentemente, quando o Satanás chega, ele senta em um trono em forma de bebê (!), enquanto elas fazem um círculo em torno dele e entoam cantos. Eventualmente, esses cantos o atiçam e ele declara iniciado o Sabá e escolhe para si as bruxas que mais lhe chamaram a atenção. A montanha em questão é a mística Lysá hora, que se vê abaixo e cujo nome significa exatamente montanha careca. Segundo a lenda, fica perto de Kiev. Mussorgsky continua, na carta, com uma lista: Reunião das bruxas, suas conversas, suas fofocas; A jornada de Chernobog (Satanás); Louvores obscenos a Chernobog; Sabá. E lembrem-se, vocês irão encontrar a música sob os seguintes nomes: Night on Bare Mountain; Night on the Bare Mountain; Night on Bald Mountain; Night on the Bald Mountain. A orquestra da versão de Mussorgsky é a que segue. A de Rimsky-Korsakov é muito parecida, mas retira as Cornetas, acrescenta uma Harpa e um Sino. Madeiras: Flautim, 2 Flautas, 2 Oboés, 2 Clarinetes, 2 Fagotes; Metais: 4 Trompas, 2 Cornetas, 2 Trompetes, 3 Trombones, Tuba; Percussão: Tímpanos, Bombo Sinfônico, Pratos, Pandeirola, Triângulo, Caixa Clara, Gongo (Tam-Tam); Cordas: Violinos I, Violinos II, Violas, Violoncelos, Contrabaixos. A peça dura em torno de 12 minutos. Vamos a ela? Abaixo, temos a interpretação de Claudio Abbado com a Filarmônica de Berlim. Não reparem na imagem ruinzinha. Reunião das bruxas, suas conversas, suas fofocas; A primeira coisa em que você devem reparar é a agressividade da orquestração, inspirada, segundo Rimsky-Korsakov, em um grande sucesso dos anos 1860, a obra Totentanz (Dança dos Mortos), de Franz Liszt; Repare na potência das percussões da Filarmônica de Berlim, já aos 22s; De repente as cordas agudas param com seu ostinato e as Cornetas e os Trombones agudos assumem; Aos 33s os Trombones graves e a Tuba executam o Primeiro Tema; Depois de algumas pausas extremamente dramáticas, a música volta a seu movimento perpétuo; A 1m01s, após uma pausa, a música parece começar do zero; O Primeiro Tema é ouvido novamente aos 1m17s; Repare no Segundo Tema, contrastante, quase burlesco, a 1m58s, nos Oboés, Fagotes e Trompas e logo imitado por Violoncelos e Violas; Esses dois grupos passam a dialogar; Esse trecho nos remete à Música Modal da Idade Média, com seus baixos em quintas paralelas; Ficamos com aparições vagas do Primeiro Tema (2m18s) entrecortadas por sensacionais interrupções da orquestra toda. Surge um trecho quase tonal, quase normal (2m35), mas que logo é respondido pelos ataques violentos das percussões (essa música exige muito dos percussionistas) e também pelo grito inescapável e dissonante dos metais; Cortejo a Chernobog (Satanás); Aos 3m03s tem início a Segunda Parte da peça. De caráter mais brincalhão, mas não menos diabólico, a orquestra brinca e dialoga consigo. A orquestração é magistral. Aos 4m52 os Clarinetes e Fagotes fazem uma simples escala, (é o Terceiro Tema) e na partitura está escrito poco accelerando (acelerando aos poucos, caso a tradução seja necessária), que vai contaminando toda a orquestra, começando com as Flautas e o Flautim; As percussões vão acordando e o Terceiro Tema é ouvido novamente nos Clarinetes (5m08s), em registro bem grave (registro chamado Chalumeau); A partir deste ponto os instrumentos começam a acelerar mais fortemente e a agitação ameaça voltar; Missa Negra; Mas não volta, ainda. Temos ainda algumas espirais e pausas repentinas até que, aos 6m01s, os Oboés iniciam a Terceira Parte (marcada, na partitura, Tranquillo), tocando o Segundo Tema. Repare sempre como o compositor trabalha com interrupções. O Segundo Tema é tocado e interrompido diversas vezes, como se a orquestra estivesse eriçada; Aos 7m22s, o Segundo Tema aparece nas Violas. Conhecidas por seu som tristonho, foram uma excelente opção de Mussorgsky para transformar aquele mesmo tema burlesco em uma coisa mais ameaçadora; O Segundo Tema vai ficando cada vez mais agudo: primeiro (paradoxalmente), nos Violoncelos (7m32s) (devido à elástica extensão dos instrumentos de corda, não é incomum vermos, por exemplo, um Violoncelo tocando acima mesmo de um Violino), logo nos Violinos (7m42s), com uma sutil mas extraordinária modulação; O Segundo Tema fica alternando entre o modo Maior e o Menor (7m49s); Outra coisa em que você precisa atentar é que, ao contrário de Sinfonias e Concertos, que têm uma forma definida (você tem que tocar o Tema A no lugar certo na exposição; o Tema B precisa ser modulado de tal forma na recapitulação...), no Poema Sinfônico a liberdade formal do compositor é muito maior. Isso é bom. Mas não é sempre bom. Você precisa saber o que está fazendo. Essa liberdade não é nem de longe um problema para Mussorgsky, que manipula com extrema destreza todo os elementos musicais: ritmo, melodia, harmonia, estrutura, texturas, timbres... Nos minutos seguintes ele fica brincando com seus temas, especialmente com o Primeiro Tema, tocando rápido, lento, nas madeiras, nas cordas em um tom ou em outro e, aos poucos, a música vai ganhando tensão e dinamismo; Sabá; Aos 12m02s, com uma nota longa e o anúncio dos trompetes, começa o Sabá. Isto é, se seguirmos a divisão que Mussorgsky originalmente tentou; Porque, assim como nas outras partes, os elementos extra-musicais não estão apresentados de maneira tão evidente; Mas voltemos. A música se torna mais dúbia, imprevisível; E, ao mesmo tempo, mais agitada, os pratos golpeando sempre e trazendo um final brilhante. Considerações Finais O Poema Sinfônico de Mussorgsky tenta e consegue ser assustador. Devemos lembrar que ele foi um compositor, digamos, incompleto, e isso se nota na estruturação da obra, que tem momentos aparentemente fora de contexto e um tratamento temático um tanto rude, se bem que muito criativo e efetivo. A versão de Rimsky-Korsakov, a mais tocada, procura resolver esses e outros problemas. Já nos primeiros compassos temos uma progressão, uma subida nos metais, muito mais eficiente e musical que a de Mussorgsky. Mas a verdade é que todo o arrojo e fineza de orquestração de Rimsky-Korsakov não são suficientes para apagar a interessantíssima versão de Mussorgsky. Esta se mantém como a versão crua, nua e, portanto, com vida própria. A versão de Rimsky-Korsakov na interpretação da Orquestra Sinfônica de Jerusalém, sob a regência de Dmitry Yablonsky. Gravações Recomendadas Versão Original, de 1867 (Poema Sinfônico) - Esa-Pekka Salonen regendo a Orquestra Filarmônica de Los Angeles - Esta versão, acompanhada de uma das gravações mais selvagens de "A Sagração da Primavera", de Igor Stravinsky e de uma igualmente furiosa Suíte de "O Mandarim Miraculoso", de Béla Bartók, foi a primeira de Salonen como Diretor Musical da Filarmônica de Los Angeles, realizada em 1992. A orquestra já vinha crescendo desde, pelo menos, os anos 70, mas a contratação da jovem estrela finlandesa (com contrato de 1992 a 2009) foi um marco (assim como a de seu sucessor, o igualmente estelar colombiano Gustavo Dudamel, que já está de saída). Torcemos muito para que a próxima regente seja a também finlandesa Susanna Mälkki, uma virtuose que se dedica, especialmente, ao repertório moderno e contemporâneo. O disco inteiro é considerado um primor, seja de intepretação, da interação entre o maestro e a orquestra, seja do ponto de vista do som. Isso porque é considerado um disco audiófilo. Se você o escutar em um bom fone de ouvido, seu coração vai palpitar e você vai se arrepiar. Só não ligue para as duas últimas faixas, que são de Salonen falando bobagens: "The Rite of Spring is kind of a bible..." - Kirill Karabits, regendo a Orquestra Sinfônica de Bornmouth - A excelente orquestra inglesa, bastante subestimada, talvez por não ser londrina e competir com as 5 grandes da capital inglesa, está fantástica. O entrosamento é absurdo. Karabits exige o máximo que pode da orquestra, com mini e macro crescendos e diminuendos. Sem dúvida, uma das melhores gravações, de 2011. - Eiji Oue, regendo a Orquestra de Minnesota - Às vezes eu acho que sou o único a louvar o mandato de Eiji Oue na Orquestra de Minnesota. Ela vinha com uma linhagem de regentes superlativa, que incluía, sobretudo, o lendário Antal Doráti, seu mais notável titular. Depois dele, Stanisław Skrowaczewski, Neville Marriner e o holandês Edo de Waart assumiram a orquestra, mas sem o mesmo avassalador sucesso de Doráti. A verdade é que foi durante o posto de Oue que a orquestra passou por seus maiores problemas financeiros. Até a presença de público foi afetada, caindo de uma média de 84% para 69%. Nada culpa do japonesinho, que levou a orquestra em sua primeira excursão pela Europa e pelo Japão e gravou profusamente. Um desses discos é Mephisto & Co., que tem uma temática de terror. Noite no Monte Calvo cabe perfeitamente e está tenebrosa. As cordas de Minnesota estão endiabradas e a variação no nível de dinâmica (forte ou fraco) é enorme. É de 1998. - Claudio Abbado, regendo a Orquestra Sinfônica de Londres - Outra gravação elétrica. Abbado era um grande mestre regente. Foi um dos primeiros advogados da versão original de Mussorgsky. Aliás, gravou desse compositor o máximo que pôde. Muitos críticos consideram o trabalho de Abbado em Londres o seu melhor (ele também trabalhou com a Sinfônica de Chicago, a Filarmônica de Viena e a Filarmônica de Berlim, sucedendo Herbert von Karajan). Eu, mais fã que crítico gosto de todas as fases. Inclusive a pós-Filarmônica de Berlim, em que ele regeu conjuntos com menos músicos e se aproximou, mas sem exageros, do exercício de performance de música mais antiga adotando práticas da época (apelidado de HIP, leia aqui), visando a obter um som mais próximo do que o compositor teoricamente teria ouvido. Essa gravação é de 1981. Versão de Rimsky-Korsakov, de 1886 (ele chamou de Fantasia para Orquestra, mas não muda nada, é um Poema Sinfônico) - Daniel Barenboim, regendo a Orquestra Sinfônica de Chicago - Chegamos à célebre versão de Rimsky-Korsakov. Percebam que, no título, vocês verão (Orch. Rimsky-Korsakov), ou seja, Orquestrada por Rimsky-Korsakov. Mas isso não faz justiça ao trabalho que ele fez. Como falei anteriormente, ele aprumou a orquestração, suavizou certas mudanças bruscas de tema, mexeu na estrutura, no final. Não há dúvida que o seu produto final é mais arrojado. Mas às vezes não queremos arrojado. Queremos a crueza da versão original. Quanto a esta versão, a de 1886, feita por Korsakov, existem dezenas, talvez centenas de gravações. Eu começo com essa aqui, de Barenboim em Chicago, pois é apropriadamente selvagem onde precisa e absolutamente polida onde isso cabe. A orquestra está maravilhosa. É de 1977. - Charles Dutoit, regendo a Orquestra Filarmônica de Montreal - Nessa gravação de 1987 a Filarmônica de Montreal estava vivendo seu auge, afiadíssima sob a batuta de Dutoit. A gravação, a engenharia de som, é arrepiante. A atmosfera é um pouco menos tensa do que a de Barenboim, por causa da opção do maestro por apresentar a música um pouco mais fragmentada. Mas vale pela performance da Filarmônica de Montreal, um dos momentos mais belos captados em disco. Sinta-se à vontade para comentar, sugerir sua versão de preferência e tudo mais. Confira as outras postagens da Arara Neon aqui.

  • Barroco - Os Períodos da História da Música III - Parte 2

    Por Rafael Torres Olá, pessoal. Estou de volta após uma doencinha surpreendentemente longeva (quase 5 meses). E até hoje não sei o que foi. Os próprios sintomas são furtivos e maleáveis. Mas estou bem e volto a abastecer a Arara Neon após esse hiato - minha vida é de hiatos. Nesse meio-tempo descobri que nada é o que eu pensava. Minha cabeça girou 90º em torno de si. Mas espero que apreciem ou já tenham apreciado os textos sobre Idade Média, Renascença e Barroco 1. Assim, este aqui fará sentido pleno. Vamos nessa! Resumo A história da música é dividida em: Medieval; Renascentista (essas duas se agrupam na chamada Música Antiga); Barroca (de compositores como JS Bach, Vivaldi e Händel - e aqui eu tive que dividir os textos em mais de uma postagem por limitações próprias do blog); Clássica (de Haydn, Mozart, os filhos de JS Bach e 1/3 do Beethoven); Romântica (com 2/3 do Beethoven, Schubert, Schumann, Chopin, Liszt, Dvořák, Tchaikovsky e muitos outros - essa eu vou dividir em várias partes); Moderna (de Debussy, Ravel, Villa-Lobos, Stravinsky, Prokofiev, Bartók, Shostakovich...); (a maior parte dos compositores brasileiros mais conhecidos está aqui: Francisco Mignone, Mozart Camargo Guarnieri, César Guerra-Peixe, Oscar Lorenzo Fernandez, Cláudio Santoro e muitos outros, que serão devidamente tratados); Contemporânea (compositores da segunda metade do Século XX até hoje - a partir de compositores do pós-2ª-guerra, como Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, Olivier Messiaen - aqui existem vários movimentos e escolas e mais ainda compositores). Retornando ao Período Barroco, os compositores de real influência e relevância são inúmeros. Essa Parte 2 é dedicada a olhar mais de perto para alguns deles. São dos que considero os principais. Vamos direto a eles, em ordem ligeiramente cronológica. Girolamo Frescobaldi (1583-1643) Do Barroco Inicial. Nascido em Ferrara, Itália, Frescobaldi foi um compositor, virtuose do teclado (lembrem-se, nesta época, o termo teclado referia-se especialmente ao eclesiástico Órgão de igreja e ao doméstico Cravo) e cantor. Viveu e trabalhou no fim da Renascença e Início do Barroco. O Fato de sua música ser, em grande parte, instrumental, o aloja tranquilamente no Barroco. Criança prodígio, filho de família rica, seu pai, Filippo, tinha terras e provavelmente era organista. Frescobaldi e seu irmão Cesare estudaram para ser organistas. Chegou ainda jovem a Roma, cidade que o desagradou. Mas lá acabou se casando, em 1613, com Orsola del Pino. O casal teria dois filhos. Depois de experiências contraproducentes com professores de música romanos, acaba se mudando para Florença, em 1628, para trabalhar com o Grão Duque da Toscana, que era um dos Medici, sendo contratado como organista do Batistério de Florença. O contrato durava um ano, mas ele ficou 6 e ganhava muito bem. Após todo esse tempo, foi contratado pelo Cardeal Francesco Barberini. Depois de uma próspera vida, morreu em Roma, em 1643, após uma doença que o atormentou por 10 anos. A obra catalogada de Frescobaldi conta com 1.615 peças. Tem muita obra vocal, sim, até religiosa. Mas seu número é ínfimo frente ao das obras para Cravo. Essas obras são consideradas de difícil execução até hoje. Frescobaldi foi o primeiro compositor a evidenciar o instrumento. Escreveu Tocatas, Partitas, Passacaglias, Chaconas e Variações e Ricercari. Sua última obra foi "Cento Partite Sopra Passacagli" (Cem Variações Sobre Passacaglias), uma peça de cerca de 10-11 minutos que consiste em uma série de variações, ou Partitas (não chega nem perto de 100), elaboradas sobre o a linha do baixo de uma canção preexistente que fica se repetindo. Esta forma em que o compositor trabalha de diferentes maneiras a melodia sobre um baixo que fica se repetindo é a Passacaglia. Guardem bem esses dois termos: Passacaglia e Chacona. Adquirirão uma importância quase mística. Outras peças suas, variadas, incluem: Secondo Libro di Toccate, Il Primo Libro delle Canzoni e Fiori Musicali. Fique com a Tocatta Settima do Segundo Livro de Tocatas, de 1627, na interpretação ao Cravo do talentoso brasileiro Bruno Martins. Heinrich Schütz (1585-1672) O compositor e organista Heinrich Schütz, do Barroco Inicial, nasceu em Bad Köstritz, que, na Alemanha moderna, situa-se no estado da Turíngia. Assim como Frescobaldi, carece de popularidade nos dias de hoje, embora tenha extrema relevância no meio acadêmico e nos países germânicos. Ele é o compositor alemão mais importante a ter surgido antes de J. S. Bach e G. F. Händel e também quem trouxe a Ópera ao seu país. Aos cinco anos mudou-se para Weissenfels (na atual Saxônia-Anhalt) com os pais (seu pai era estalajadeiro de uma pousada na cidade). Nesse mesmo albergue, em 1598, a voz de Heinrich chamou a atenção do landgrave (o portador de um título de nobreza utilizado na Turíngia equivalente a um principado) Maurício de Hessen-Kassel, que implorou a seus pais que o deixassem levá-lo à sua corte, capaz de provê-lo com melhor educação. Eles resistiram, mas um ano e várias correspondências depois, Schütz partiu com o landgrave para Kassel, onde fez parte do coro infantil, sempre chamando atenção com sua maravilhosa voz de soprano-menino. Mais tarde, em 1608, passou a estudar direito na Universidade de Marburgo, mas logo desistiu e partiu, em 1609, para Veneza, com a bênção (e uma bolsa de estudos pagos pelo landgrave). Sua intenção na Itália era ser aluno do grande compositor Giovanni Gabrielli e, de fato, o foi até 1612, com o falecimento do mestre. Gabrielli teve grande influência sobre sua música, especialmente pelo uso do policoral (o emprego de mais de um coro, de modo alternado) e do estilo concertato (em que vários cantores ou instrumentistas se revezam na execução da melodia). O concertato é um estilo do Barroco que caiu em desuso, posteriormente. Mas algo idêntico surgiu no século XX, entre os compositores da Segunda Escola Vienense (Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern). A técnica Klangfarbenmelodie, ou Melodia de Timbres. Organista de grande bela reputação e luterano, Schutz voltou para Kassel, onde trabalhou com o instrumento entre 1613 e 1615. Em 1615 foi, com autorização do landgrave, para Dresden, trabalhar como Kapellmeister, do Príncipe Eleitor da Saxônia. Casou-se, em 1619, com Magdalena Wildeck, com quem teve duas filhas. Em 1719 ele publica sua primeira composição feita em Dresden: seu Opus 2, os Slamos de Davi (Psalmen Davids), que consiste em 26 peças sacras sobre traduções alemãs dos Salmos bíblicos. Nenhuma peça é igual, isto é, algumas podem ser para dois coros SABT (soprano, contralto, baixo e tenor) e acompanhamento instrumental; outros podem pedir apenas 2 coros acappella. É uma peça de valor inestimável, uma das mais respeitadas e gravadas do compositor. Tragicamente, sua jovem esposa Magdalena morreu aos 24 anos, em 1625. Schütz ficou devastado, mas recuperou-se. O eterno andarilho voltou a Veneza, em 1628, para estudar a Ópera de Claudio Monteverdi, possivelmente com o próprio Monteverdi. Ainda foi a Copenhagen para compor música para celebrações nupciais. Voltou a Dresden em 1635, mas em 1640 a devastação causada pela Guerra dos 30 Anos o obrigou a sair da cidade. Trabalhou, ainda, em Hamburgo, Copenhagen novamente, Dresden novamente (onde sofre a morte de sua filha Ephrosyne, aos 32 anos) e Wolfenbütel. Ele se aposentou e voltou para Weissenfels - mas teve que voltar para Dresden várias vezes, chamado pelo Príncipe Eleitor, que não queria se livrar dele. E, em Dresden, morreu em 1672, aos 87 anos. Ele também foi professor de vários compositores bem sucedidos, embora pouco conhecidos, hoje. A música de Heinrich Schütz é grandiosa, empregando grandes coros e orquestras, mas no final se tornou econômica, austera. Isso se deve, em parte, à Guerra dos 30 Anos, que fez escassear o trabalho musical na Alemanha (consequentemente os coros e orquestras). Foi o último compositor a escrever Música Modal, antes da hegemonia da Música Tonal. Entre suas principais obras (no total são mais de 500) estão: A Paixão Segundo São Mateus, A Paixão Segundo São João, A Paixão Segundo São Lucas; Psalmen Davids (um livro em que as letras são salmos); Becker Psalter (salmos em alemão, traduzidos em métrica poética. Ele musicou mais de 250 desses); Geistliche Chormusik (29 motetos); Magnificat Anima Mea; Christ ist erstanden (música coral com acompanhamento instrumental) e As Sete Palavras de Cristo na Cruz (uma cantata para coro e acompanhamento instrumental). Escute, abaixo, o belo Canticum B Simeonis, Musikalische Exequien, uma coleção de Exéquias Fúnebres, textos fúnebres em alemão, composta até 1681, na interpretação fantástica do The Marian Consort. jEAN-bAPTISTE lULLY (1585-1672) Pertenceu ao Médio Barroco. Nascido na Itália, em Florença, em 1632, Lully era um compositor, violonista, violinista e dançarino muito mais associado à música francesa que à italiana. Aos 14 anos foi levado por seu amigo Roger de Lorraine a Paris. Ele queria alguém para conversar em italiano com a Mademoiselle de Montpensier, sua sobrinha, apelidada de Le Grande Mademoiselle. Lully virou seu garçon de chambre, que cuidava de suas roupas, roupas de cama e do seu bem estar geral. Fazendo música com os músicos da casa, em pouco tempo suas habilidades ao Violão, ao Violino e como dançarino começaram a ser faladas, e ele ganhou o apelido de "le grand baladin", o grande artista de rua. Em 1653, finalmente, ele chamou a atenção de Louis XIV, o rei da França, apelidado de Rei Sol. No mesmo ano foi apontado Compositor Real de Música Instrumental, passando a reger a orquestra La Grande Bande. Ao se deparar com a baixa qualidade dos músicos, com autorização do rei, montou a orquestra Petits Violons (Pequenos Violinos). Adquiriu cidadania francesa em 1661. Desde que chegou ao palácio, começou a compor muito, especialmente música de Balé, nas décadas de 1650 e 1660. Nessas obras, tanto Lully quanto Louis XIV brilhavam como bailarinos; passou também a escrever obras que se aproximavam da Ópera: eram os balés-teatros, sobre textos de Molière, de quem era amigo. O interesse do rei pelo balé foi diminuindo, mas isso abriu a oportunidade para Lully se dedicar ao gênero que o imortalizaria, a Ópera. Ele comprou o privilégio (direitos de patente) da Académie d'Opéra de Pierre Perrin e rebatizou-a Académie Royale de Musique, a Companhia de Ópera Real, com cantores solistas, coro e orquestra. E, no embalo, com o consenso do rei, acabou criando um novo privilégio, que o garantia o comando vitalício de toda a música produzida ou apresentada em solo francês. Um pequeno Herbert von Karajan em pleno século XVII. Abaixo você confere uma representação a lápis, aquarela e guache sobre papel, por Gabriel Saint-Aubin, da apresentação da Ópera Armide, de Lully, no seu novo teatro, o Palais-Royal, da Académie d'Opéra. Hoje o esplendoroso edifício ainda abriga a Ópera Francesa. Veja, no site, como é impressionante! Com o Petits Violons ele gradualmente ia abandonando a música polifônica, pois com eles podia experimentar sonoridades novas. Os 24 violinistas estavam nas mãos do compositor, faziam o que ele desejasse. Em 1683 Louis XIV demonstra oposição ao estilo de vida desregrado e à homossexualidade de Lully. Mas não passa disso: uma reprimenda. Em 1687 Lully sofre um acidente. É que ele, por alguma razão estúpida, regia não com uma minúscula e segura batuta. Regia com um grande bastão, golpeando-o no chão para marcar o andamento. Pois Lully errou o chão, tacando o bastão no próprio pé. Foi grave o e mais grave ia ficando. Foi visto e tradado pelos melhores médicos da corte. A ferida infeccionou e, depois, gangrenou. A única solução era amputar, o que ele vetou, pois ainda queria dançar. A gangrena se alastrou pelo seu corpo até que atingiu seu cérebro, levando-o à morte, aos 54 anos. Adaptado à Música Francesa da época, Lully usava baixo contínuo e gostava de movimentos rápidos. Mas são seus movimentos lentos que são cheios de sentimento e expressão. Sua orquestração era rica, utilizando frequentemente instrumentos das madeiras e dos metais, em acréscimo aos de cordas. Ele foi o criador da Ópera Francesa e muitos creditam a ele a invenção da Abertura Francesa, um movimento instrumental que servia de prelúdio à Ópera, em forma A-B-A (ou A-B) que, no Barroco Tardio daria origem às Suítes instrumentais e, mais tarde, à Sinfonia! Suas principais obras incluem: 14 Óperas, dentre as quais, Atys, Psyché, Persée, Phaëton, Armide e Achille et Polyxène; 20 Balés; Grands Motets, como Te Deum, Dies Irae, Exaudiat te Dominus e Notos in Judaea Deus; e muitas outras. Fique com um belo exemplo de sua orquestração, a Marcha Cerimonial Turca, interpretada pela orquestra Les Siècles, regida por François-Xavier Roth. Não posso resistir e deixar de lhes reapresentar, também, esse milagre musical digno de Mozart. Trata-se do trio "Dormons, Dormons Tous", da Ópera Atys. Falei sobre esse trecho maravilhoso nesta postagem, com tradução e tudo. No vídeo, temos a interpretação fantástica do grupo Les Arts Florissants dirigido por William Christie. Perceba as encantadoras flautas doces. Dietrich Buxtehude (1637-1707) A despeito da famosa pintura que vemos ao lado, em que o grande mestre toca Viola da Gamba, Buxtehude era uma lenda na Europa como exímio organista. É célebre a história que conta que Johann Sebastian Bach, aos 20 anos, viajou a pé os 400 km que separavam Arnstadt e Lübeck, ambas na Alemanha, e lá esperou por três meses para conhecer Dietrich Buxtehude, escutar sua série de concertos, conhecida como Abendmusik e ouvi-lo improvisar ao Órgão. Menos comentados e, talvez, mais importantes, são os fatos que cercam a apresentação a Bach do amigo de Buxtehude, Johann Adam Reincken, um compositor cuja obra sobreviveu até nós apenas em fragmentos, mas que seria uma das maiores influências do então jovem compositor. Seria Reincken quem o ensinaria os maiores segredos da arte da Fuga. Buxtehude foi um compositor nascido em Helsingborg, Suécia (mas, à época, parte da Dinamarca) e virtuose do Órgão do Médio Barroco. Seu pai, Johannes Buxtehude, era organista na Catedral de São Olavo, em Helsingør. Foi o único professor de Buxtehude. Em 1658, Dietrich assumiu o cargo do pai. Em 1668, foi para Lübeck, onde trabalhou como Werkmeister e organista da Marienkirche. Ainda em 1668, casou-se com Anna Margaretha Tunder. De acordo com os costumes da época, o novo organista deveria casar com a filha do organista anterior - felizmente, Dietrich deu sorte e o casamento foi feliz e o casal teve sete filhos que chegaram à vida adulta. Esse posto em Lübeck lhe trouxe tranquilidade financeira, fama e a possibilidade de compor sem encomenda, apenas por sua vontade. Homem culto, poliglota, ele foi ganhando fama e prestígio com seu Abendmusik, uma série de concertos noturnos que atraía músicos de toda a Europa (como Georg Friedrich Händel). Em 1707 ele morre, aos 70 anos. Compôs 274 obras, sacras e profanas, entre 112 Cantatas, Música para Órgão (Prelúdios, Tocatas e Canzonetas), 52 Prelúdios Corais (composições corais curtas), Suítes e Variações para Cravo e bastante Música de Câmara. Dentre suas peças principais, encontramos: o ciclo de 7 Cantatas Membra Jesu Nostri; as 19 Suítes para Cravo; Os 18 Prelúdios para Órgão; Os Prelúdios Corais Te Deum Laudamus e Nun Komm, der Helden Helland. Ouça uma Chacona em Mi Menor, interpretada a 4 Flautas Doces pelo Consort Brouillamini. Arcangelo Corelli (1653-1713) Chegamos ao Barroco Tardio. Arcangelo Corelli foi um compositor e violinista italiano. Teve alta importância no desenvolvimento do Concerto, da Sonata e pode-se dizer que foi crucial no estabelecimento da música tonal. Nasceu em 1653 na cidade de Fusignano. A família não era pobre, mas certamente não era rica. Seu pai, Arcangelo, morreu quando ele tinha um mês, delegando-o aos cuidados da mãe, Santa, e de seus 4 irmãos mais velhos. Ele começou a estudar música com um padre na cidade vizinha de Faenza, depois em Lugo e, em 1666, aos 13 anos, em Bolonha. Lá ele estudou Violino com uma série de professores. A cidade tinha uma famosa Escola de Violino. Na sua maturidade, Corelli se tornaria um dos maiores embaixadores do Violino e, especificamente, de uma maneira emergente de tocar: com brilhantismo e virtuosismo, pondo o instrumento em evidência. Entrou para o serviço da ex-Rainha Cristina, da Suécia, começando em 1679. Só largou a corte da rainha em 1684. É possível que, nesse período, tenha estado a serviço do Príncipe Eleitor da Baviera, Maximilian II Emanuel, mas tudo é incerto. Anedotas também o colocam como servo na casa do lendário violinista e compositor Cristiano Farinelli. O que se sabe é que ambos eram amigos. Entre 1682 e 1709 fez parte da Orquestra de São Luiz. O fato é que, a certa altura (não se sabe bem quando), chegou a Roma e fez absoluto sucesso na cidade, onde era chamado de Arcangelo Bolognese. Tocou em vários conjuntos da cidade, de câmera ou maiores, conquistava patronos e patrocinadores e via sua fama se espalhar pelo restante da Europa. Ganhou a amizade e o favor do Cardeal Pietro Ottoboni, vindo, anos depois, em 1708, morar no palácio do cardeal. Por todo o continente era festejado como um dos maiores violinistas vivos. Suas composições, virtuosísticas, mas jamais extravagantes, ecoavam e ainda ecoam no mundo inteiro, ensinando e difundindo a arte do Violino aos amantes da música. Arcangelo Corelli morreu em Roma, em 1713, aos 59 anos. Era muito querido e admirado, tanto como compositor quanto como violinista. Era tímido, sério e servil. Foi o primeiro grande compositor a compor em larga escala peças no formato Concerto Grosso, para mais de um solista e orquestra. Suas principais obras, quase sempre instrumentais, incluem: 48 Trio Sonatas; 12 Sonatas para Violino e Baixo Contínuo; 12 Concertos Grossos e muito mais. Fique com o Concerto Grosso em Fá Maior, Op. 6 Nº 2, para 2 Violinos solistas, Violoncelo solista e orquestra, interpretado pelo grupo Voices of Music. Henry Purcell (1659-1695) Compositor inglês nascido em Londres, Purcell era especialista em Ópera, Música Incidental para Teatro, Canções, Música Sacra e Música Instrumental. Purcell foi o último compositor inglês a ter renome e importância antes de um grande hiato: não há compositores ingleses importantes no Classicismo e em grande parte do Romantismo. Apenas com Edward Elgar, um romântico tardio, o hiato foi terminado. Tinha 2 irmãos, Edward e Daniel. Este último viria a se tornar um fértil compositor. Purcell perdeu o pai aos 5 anos e ficou aos cuidados de se tio, Thomas Purcell, também músico, que o criou com carinho e afeto. Seu pai, mesmo, de nome Henry Purcell, era cantor na Chapel Royal, a Companhia de Ópera da realeza britânica. Enfim, Thomas conseguiu que ele ingressasse no coro da Chapel Royal. E Henry teve seu primeiro professor, Henry Cooke e depois, com seu sucessor, Pelham Humfrey. O garoto foi corista da Chapel Royal até 1673, aos 14 anos, quando sua voz mudou. Sua primeira composição data de 1670 (11 anos) e é uma celebração do aniversário do Rei Charles II. Tornou-se, então, assistente do construtor de Órgãos John Hingston. Quando o professor Humfrey morreu, passou a estudar com John Blow. Em 1676 foi nomeado Copista da Abadia de Westminster, escrevendo cópias das obras musicas requisitadas. Ao mesmo tempo ia estudando em uma escola de ensino regular. Em 1679 colaborou com o livro de canções de John Playford, Choice Ayres, Songs and Dialogues. Começou a escrever Música Incidental para Teatro, compondo sete (obras longas) entre 1680 e 1688. Seu ex-professor John Blow, em 1679, despediu-se do cargo de Organista da Abadia de Westminster para favorecer a sucessão por Purcell. Assumiu o cargo e, depois, em 1682, concomitantemente, o de Organista da Chapel Royal. Nesse período ele se dedicou com afinco à composição de Música Sacra, especialmente Cânons, Hinos e Serviços. Em 1682 casou com Frances Peters, com quem teria 6 filhos, dos quais apenas 2 vingaram: Edward e (filha) Frances. Edward viria a se tornar um renomado organista. Em uma data incerta, entre 1683 e 1688, compôs sua primeira Ópera - "Dido and Aeneas", em 3 atos mais prólogo, com libreto de Nahum Tate e baseada no poema da Roma Antiga Eneida, de Virgílio. É uma de suas composições mais celebradas e um verdadeiro marco na música britânica, sendo considerada a primeira Ópera Inglesa (ou segunda, mas nesse caso, a primeira seria "Venus and Adonis", de John Blow, seu ex-professor, que é composta apenas por recitativos). "Dido and Aeneas", Ópera Trágica é, de fato, sua única Ópera, sendo as outras 6 Semi-Óperas - obras que combinam diálogo falado, Mascarada e dança. Esta sua música para teatro, as Semi-Óperas e sua música sacra o puseram no centro da vida musical inglesa por boa parte de sua curta vida. Purcell morreu em 1695, aos 35 anos, possivelmente de tuberculose. Estava no auge da carreira. A cúpula da Abadia de Westminster aprovou por unanimidade a tomada da responsabilidade pelas despesas do funeral e ainda providenciou que ele fosse enterrado na Abadia, no local mais próximo ao Órgão. Seu legado foi muito representado pelos compositores ingleses pós-hiato. Os do fim do século XIX e século XX: Edward Elgar, Gustav Holst, William Walton, Ralph Vaughan Williams e Benjamin Britten, todos os quais eram admiradores de sua obra. Existem várias Sociedades Purcell pelo mundo, dedicadas a estudar sua obra, analisar cartas e manuscritos de obras e publicar versões atualizadas de suas partituras. Dentre suas obras mais importantes estão: Óperas e Semi-Óperas "Dido and Aeneas", "The Fairy-Queen" e "The Indian Queen"; as Odes, peças sacras em vários movimentos para vozes solistas, coro e orquestra "Hail! Bright Cecilia" e "Come Ye Sons of Art"; 12 Trio Sonatas e 10 Sonatas; e a obra Música para o Funeral da Rainha Mary, para Soprano, Contralto, Tenor, 4 Trompetes e Baixo Contínuo. Ouça o famoso Rondó, da Música Incidental para a peça "Abdelazer", sobre cujo tema Benjamin Britten escreveu seu igualmente famoso Guia da Orquestra para Jovens. A interpretação é do grupo Voices of Music. Domenico Scarlatti (1685-1757) Nascido no mesmo ano que Johann Sebastian Bach e Georg Frederic Händel, Domenico Scarlatti foi crucial no desenvolvimento da técnica dos instrumentos de teclado, sobretudo o Cravo. Filho do também gigante compositor Alessandro Scarlatti (tive que escolher), o italiano de Nápoles Domenico é mais conhecido hoje por suas 555 Sonatas, a maioria para Cravo. São peças em único movimento que, a princípio, têm pouco a ver com o que conhecemos como Sonata, a partir de Joseph Haydn e de Wolfgang Amadeus Mozart, do Classicismo. Muito menos ainda com as de Ludwig van Beethoven, do Romantismo. Enquanto as de Scarlatti duram poucos minutos, as de Mozart duravam cerca de 15, com três movimentos, e as de Beethoven podiam durar 45 minutos, com dois, três ou quatro movimentos. Mas ocorre que as Sonatas de Scarlatti tinham uma forma constante: todas eram escritas no esquema A-B-A ou no A-B, sendo A um primeiro trecho (digamos que seja rápido) e B um trecho contrastante (que podia ser lento). Essas sessões, nas mãos de futuros compositores, foram se dilatando até que se separaram, criando a Sonata Clássica em três movimentos, com um movimento rápido (A), um lento (B) e um rápido (que já não tinha mais a ver com A a não ser pelo fato de quase sempre ser ligeiro). É por isso que Domenico Scarlatti é considerado o compositor Barroco que deu os primeiros passos para o Classicismo. As Sonatas de Scarlatti são obras sensacionais e virtuosísticas. Elas não foram publicadas durante sua vida e sua organização, durante muito tempo, foi complicada. A edição mais usada hoje foi feita pelo cravista Ralph Kirkpatrick, em 1953, e é organizada de forma cronológica. Obviamente nem todas são tocadas com frequência, a não ser por quem queira gravá-las integralmente (geralmente em mais de 35 CD's). Mas existem várias dentre elas que são famosas e tocadas por praticamente todos os cravistas e por quase todos os pianistas. Dos pianistas, eis alguns que gravaram Sonatas esporádicas ou discos inteiros dedicados a elas: Vladimir Horowitz, Martha Argerich, Arturo Benedetti Michelangeli, Emil Gilels, Ivo Pogorelich, András Schiff, Walter Gieseking, Alexandre Tharaud, Marc-André Hamelin e vários outros. Além disso, recitais de piano costumam conter seleções delas e, ainda mais frequentemente, são empregadas como peça para o bis (encore). Domenico foi treinado por Alessandro Scarlatti, seu pai, músico reputadíssimo e Maestro di Cappella da Capela Real de Nápoles. Foi o único treinamento que recebeu. Em 1701, aos meros 16 anos, foi também apontado Organista da Capela Real de Nápoles, quando trabalhou brevemente com sei pai. Em 1703 a família o enviou para Veneza, possivelmente para estudar (é um período obscuro, do qual pouco se sabe) com Gaetano Greco, Bernardo Pasquini e Francesco Gasparini. Este último era aluno do lendário Arcangelo Corelli e o apresentou a Scarlatti. É possível que o contato com Corelli tenha sido decisivo na escolha do Cravo como instrumento principal de Domenico. Mas eis que em 1709 ele vai a Roma, onde trabalha a serviço da Rainha Exilada Marie Casimir, da Polônia. Ela tinha uma pequena Casa de Ópera, privada, para a qual ele escreveu diversas obras. Entre 1715 e 1719 ele foi Maestro di Cappella de nada menos que a Basílica de São Pedro! En Roma teria acontecido um famoso duelo de teclados entre ele e Georg Friedrich Händel. Conta a lenda que houve empate: Händel se deu melhor no Órgão, Scarlatti, no Cravo. Scarlatti jamais esqueceria da sua impressão ao ver Händel tocando órgão, derramando-lhe elogios sempre que falava no assunto. Parte para Lisboa, em 1719, para dar aulas para a princesa Maria Madalena Bárbara de Portugal, mas em 1727 ele volta a Roma, onde casa com Caterina Gentili. Em 1729 ele volta a buscar a princesa Maria Madalena Bárbara, que se instalara em Sevilha, Espanha. Depois, vão para Madri em 1733, onde Maria Madalena se tornaria Rainha da Espanha. Lá, ele viveria seus últimos 25 anos e teria 5 filhos. 4 sobreviveriam, mas nenhum se tornaria músico. Comporia em Madri a maior parte de suas sonatas. Sua esposa faleceu e ele logo casou novamente, desta vez com Anastasia Maxarti Ximenes. É muito raro encontrarmos, nessa época, compositor que, como Scarlatti, tenha se dedicado quase integralmente à música instrumental. Mais ainda, ele praticamente compôs para um instrumento só. Mas quando olhamos para a figura de seu pai começamos a compreender o que se passa. Alessandro Scarlatti, o "Orfeu Italiano", era um pai severo, castrador e um músico genial; compositor de óperas, autor das mais belas cantatas; imensamente mais famoso e respeitado que o filho... Uma figura, portanto, intimidante, para dizer o mínimo. (Mas a posteridade parece ter se afeiçoado mais ao filho. Há um asteroide batizado com seu nome.) É sintomático observarmos que Domenico só casou depois da morte do pai, que ocorreu em 1725. A partir de então, livre dessa figura opressora, vivendo na longínqua Espanha com sua esposa e filhos, ele pôde finalmente construir sua vida, compondo aquilo de que gostava, cercado de pessoas por quem tinha carinho. Dentre eles, a agora Rainha de Espanha Maria Bárbara; o compositor Padre Antônio Soler que, como ele, interessava-se imensamente por escrever música para teclado; e o lendário cantor castrato Farinelli, napolitano como ele, o mais famoso e requisitado cantor de toda a Europa, com quem estabeleceu uma amizade fiel e duradoura. Em vida, não se pode dizer que Scarlatti tenha alcançado fama e dinheiro, mas transitava nas melhores cortes e era imensamente respeitado como compositor e dilatador da técnica dos instrumentos de teclado. Dentre seus admiradores contemporâneos contamos Johann Sebastian Bach e Georg Friedrich Händel. Deve-se ressaltar, também, que desde os primórdios da gravação musical, no início do século XX, ele foi sempre representado, sobretudo pela lendária cravista Wanda Landowska (uma das maiores responsáveis pelo renascimento do Cravo), e pelos pianistas Vladimir Horowitz e até Sergei Rachmaninoff. Considero que seu maior intérprete nos dias de hoje seja o cravista francês Pierre Hantaï. Apenas quando a doença (desconhecida) o abateu, em seus últimos 5 anos de vida, ele tornou-se mais recluso, trancafiado em casa. Morreu a 23 de julho de 1757, aos 71 anos. Domenico Scarlatti pode não ter sido o arquétipo do compositor Barroco bem-sucedido, mas seu legado é tão tangível quanto inevitável. Ainda no século XVIII e, depois, no século XIX, pianistas compositores como Wolfgang Amadeus Mozart, Frédéric Chopin, Franz Liszt e Johannes Brahms já o exaltavam e admiravam. Eles tinham acesso a esporádicos manuscritos e aos seus poucos livros publicados, como "30 Essercizi per Clavicembalo", de 1738. Como disse anteriormente, a obra completa só foi compilada no século XX (em várias tentativas, começando em 1906). Scott Ross e Richard Lester estão entre os músicos que gravaram todas as sonatas (em, respectivamente, 34 e 39 CDs). É comum também encontrarmos álbuns de violão clássico cujo repertório é de sonatas de Scarlatti transpostas para o instrumento. Suas obras principais incluem: (Obviamente) as 555 Sonatas (a maioria para Cravo ou Pianoforte, mas ao menos 4 precisam ser executadas especificamente ao Órgão e 10 são para Violino); as Óperas "Amor D'un'ombra e Gelosia d'un'alma" e "Tolomeu e Alessandro"; as instrumentais "Esercizii per il Gravicembalo", uma coleção de Sonatas para Cravo em homenagem a Dom João V; 17 Sinfonias para orquestra (em um ou mais movimentos); algumas obras sacras de muita importância, como: um Stabat Mater e um Salve Regina, principalmente. O site da Rádio Tcheca (em inglês) (ou theco) disponibiliza gravações de todas elas para desfrute, estudo e download à vontade. Aprecie sua Sonata em Ré Menor, K. 141, tocada, ao piano de maneira magistral por Martha Argerich. Martha não é exatamente uma defensora de Scarlatti. Ela só toca uma sonata - umazinha. A K. 141 é uma peça dificílima, sobretudo ao piano, que é mais pesado que o Cravo. Ela tem que esperar a tecla voltar para tocá-la novamente, já com outro dedo. Esse martelamento na mesma nota é exaustivo. É sempre o bis. E ela é sempre é ovacionada. François Couperin (1668-1733) Sobrinho do também famoso compositor Louis Couperin e filho do organista Charles Couperin, François começou a aprender música com seu pai até a morte deste, em 1679. O organista Jacques Thomelin assumiu a responsabilidade de criar e ensinar órgão ao jovem François, então com 11 anos. Thomelin se tornou seu amigo e segundo pai. Ele era organista da corte do rei Louis XIV. François tinha uma vaga garantida como sucessor de seu pai na Igreja de Saint-Gervais-Saint-Protais, em Paris, onde havia nascido. Bastava que completasse 18 anos. Em 1785 ele assumiu o cargo. Em 1792 tornou-se membro da corte de Louis XIV, substituindo Thomelin. Ficou nos dois cargos e ainda compunha. Em 1789 havia casado com Marie-Anne Ansault. Seus três filhos que sobreviveram foram Marie-Madaleine, que viria a se tornar cravista da corte, Margueritte-Antoinette, que se tornou freira e organista da Abadia de Maubuisson e François-Laurent. Sua música é majoritariamente instrumental e por várias vezes ele registrou sua admiração e gratidão a Arcangelo Corelli - ainda que provavelmente não o tenha conhecido pessoalmente. Isso porque Couperin interessou-se muito pela forma Trio Sonata, trazendo e experimentando com o formato na França. Mas a parcela mais significativa de sua obra é para o Cravo, que em sua época era o instrumento de teclado soberano, tendo suplantado o Clavicórdio. Havia, claro, o Órgão, mas este era fixo, não podia ser transportado e acabava sendo mais utilizado como instrumento eclesiástico. Em 1713 Couperin adquiriu permissão do Rei da França para publicar suas obras. Imediatamente lança seu primeiro livro de Pièces de Clavecin (lançaria, no total, 4 destes livros). Em 1716 publicou l'Art de toucher le Clavecin, uma espécie de manual didático para quem quisesse aprender a tocar Cravo. François era um favorito do Rei Louis XIV e, naturalmente, perdeu espaço na corte após a morte deste, em 1715. Mesmo assim, um grande pico em sua carreira veio em 1717, com a nomeação de Ordinaire de la Musique de la Chambre du Roi pour le Clavecin, um dos mais altos cargos de músico da corte. A partir da década de 1720 sua saúde começou a deteriorar e ele morreu em 1733, em Paris. Além da vasta obra para Cravo (como a de seu tio Louis Couperin), ele deixou obras de câmera e sacras. O fato de ter permanecido décadas como organista não o encorajou a escrever muito para o instrumento. Dentre suas principais obras estão: para Cravo, L'Art de Toucher le Clavecin, 4 Livros de Peças para Cravo; para Conjunto de Câmera, 6 Trio Sonatas, a Sonata e Suíte de Sinfonias "Les Nations" (uma de suas obras mais famosas), que contém os movimentos La Françoise, L'Espagnole, L'Imperiale e La Piémontaise; Les Concerts Royaux, uma série de 4 Suítes de Câmara, "Les Goûts Réunis", série de 10 Suítes de Câmera (que ele chama de Concertos), "L'Apothéose de Lully", um Trio Sonata em homenagem à memória do compositor Jean-Baptiste Lully, "L'Apothéose de Corelli", em homenagem a Arcangelo Corelli, 2 Suítes para Violas da Gamba; peças Sacras, Motetos, Ofertórios, "Leçons de Ténèbres", para 2 Vozes e Baixo Contínuo. Aprecie "Les Barricades Mystérieuses" do "Ordre 6ème de Cavecin", interpretado ao Cravo por Jean Rondeau. Antonio Vivaldi (1678-1741) Nascido em Veneza, Vivaldi foi um padre, virtuose do Violino e compositor que se colocou entre os mais importantes do Barroco. Era especializado em compor Concertos: para Violino, para Flauta, para Oboé, para Fagote, concertos duplos, triplos, concertos grossos... Mas também Música Sacra e Ópera. Era chamado de "O Padre Vermelho", em tese pelo fato de sua família ser ruiva. Filho de Giovanni Battista e Camila Vivaldi, tinha 5 irmãos e irmãs e teve um nascimento difícil, devido à sua saúde frágil. Tão difícil que sua mãe fez uma promessa: se ele vivesse, tornar-se-ia padre. Sua saúde permaneceria assim por toda a vida. Hoje se supõe que ele tinha asma, entre outros males. Com poucos anos de idade, foi ensinado a tocar Violino por seu pai, que logo estava rodando por Veneza a fazer concertos com o pequeno. Compôs suas primeiras obras possivelmente antes de 1705, quando trabalhou no hospício, orfanato e conservatório musical Ospedale della Pietà, logo depois de se ordenar padre, em 1703. Como padre, ele acabou se poupando de celebrar missas, por conta de sua provável asma, o que, segundo a história, fez com que ele fosse excomungado. O orfanato/hospício/conservatório era de alto nível, ao menos na parte do conservatório, e tinha uma excelente orquestra e um excelente coro juvenis. No Ospedale ele foi, primeiro, Mestre do Violino (um cargo de intérprete de música), e depois professor. Em 1716 obteve o cargo de Diretor de todas as Atividades Musicais de lá. Trabalhou lá por 30 anos, sempre compondo paralelamente. Sua relação com a Ópera vem do fato de que era o estilo musical mais admirado na Itália, naquela época. E compor e apresentar Ópera foi muito lucrativo para ele. A sua primeira foi Ottone in Villa, de 1713, seguida por Orlando Finto Pazzo, estreada em 1714. A essa altura ele já tinha se tornado Impresario (aquele encarregado das produções operísticas) do Teatro San Angelo, no qual apresentou a mesma Orlando Finto Passo. Escreveu Música Sacra para o Ospedale, dentre as quais o Oratório Juditha Triumphans e Dixit Dominus, RV 594, uma versão do Salmo 110 em 10 movimentos para 4 cantores solistas, coro duplo e orquestra. Nos anos seguintes ele seguiu compondo Ópera, de modo que, no fim da vida, havia composto o prodigioso número de 46 delas. As que sobreviveram. Em uma carta ele faz menção a 94 Óperas, o que não é impossível. Em 1717 ou 1718, ele obteve a prestigiosa posição de Maestro di Cappella da corte do príncipe Philip de Hasse-Darmstadt, governador da cidade italiana de Mântua, para onde se mudou e trabalhou por 3 anos. Em 1722 ele foi para Milão, e em 1725, para Roma. Mas voltou a Milão no mesmo ano. No período em que esteve em Mântua, ele compôs sua famosa série de 4 Concertos para Violino "As Quatro Estações". Cada concerto reflete, de maneira surpreendentemente descritiva, uma estação do ano. As europeias, que são 4 (aqui no Nordeste nós só temos duas, e são mal classificadas: o calor infernal e as chuvas, que a gente chama de inverno). Cada concerto tem o nome de uma: Primavera, Verão, Outono e Inverno. Eles revolucionaram a matéria da concepção musical. Porque estão entre as primeiras peças descritivas da música, descrevendo com clareza riachos, pássaros a cantar, o chamar dos pastores, cachorros a latir, mosquitos, dançarinos, trovões, paisagens congeladas etc. Representam uma das primeiras aparições da Música Programática, aquela que narra uma história ou cenas (apenas com música, sem letra), o que viria a se tornar um paradigma do Romantismo. Vivaldi fez com que cada concerto fosse acompanhado de um soneto, o que, hoje, não é usado. Ainda em Mântua ele conheceu uma jovem aspirante a cantora, Anna Tessieri Girò, que acabou se tornando sua aluna, protegida e prima donna (cantora do papel principal) favorita. Ela e sua meia-irmã Paolina foram morar com Vivaldi e sempre o acompanhavam em viagens. Muito se especulou a respeito da relação de Vivaldi com Anna, mas as evidências apontam para uma relação profissional e de amizade. Em seus últimos anos, Antonio comporia obras para a nobreza e a realeza. O Imperador do Sacro Império Romano-Germânico Carlos VI tinha particular afinidade pela obra de Antônio. Ele agraciou Vivaldi com o título de Cavalheiro. Mas nessa época ele encontrou dificuldades financeiras, estava sendo esquecido, a Música Barroca evoluindo alucinadamente. Ele precisou vender barato algumas de suas partituras, para conseguir realizar seu plano de se mudar para Viena, Áustria. É provável que ele quisesse isso para se aproximar ainda mais do Imperador Carlos VI e conseguir dele um posto, possivelmente de Compositor da Corte Imperial. No caminho para Viena ele deve ter passado por Graz, onde estava morando sua querida Anna Tessieri Girò, a fim de despedir-se dela. Mas o imperador morreu logo que ele chegou, deixando Vivaldi para morrer na pobreza, aos 63 anos, possivelmente da mesma bronquite asmática que dificultara sua juventude. Anna Tessieri Girò voltou a morar em Veneza até sua morte, em 1750. A música de Vivaldi permaneceria, de fato, esquecida por um longo tempo. Só seria trazida de volta no Século XX e, daí para frente, nunca decresceu em popularidade. Sua obra receberia catalogação definitiva nos anos 70. Johann Sebastian Bach era seu grande admirador, tendo escrito transcrições do seu Concerto para Teclado Solo, 3 Concertos para Órgão e para 4 Cravos. Vários dos manuscritos de Vivaldi foram descobertos apenas recentemente, e acredita-se que muitos outros permanecem por ser descobertos. Entre suas obras principais constam: das 46 Óperas, "L'Olimpiade", "Orlando Furioso" e "Griselda"; música sacra, "Stabat Mater", "Gloria" em Ré Maior; dos cerca de 500 concertos, "Tempesta di Mare", para Flauta e Orquestra, "La Notte", para Flauta e Orquestra, Concerto para Bandolim e Orquestra, Concerto para 2 Trompetes e Orquestra, "L'Estro Armonico", um série de 12 concertos para solistas variados, "As Quatro Estações", com 4 concertos para Violino, "La Cetra", com 11 Concertos para Violino e 1 para 2 Violinos, muitos Concertos para Fagote e Orquestra, muitos Concertos para Oboé e Orquestra, muitos para Violoncelo e Orquestra, alguns para Flauta Doce e Orquestra, e uma infinidade para Violino e para 2 Violinos, além de Sinfonias, Sonatas e Trio Sonatas. Veja a performance do Portland Baroque Orchestra do terceiro movimento do Verão, das 4 Estações. A interpretação poderia ser melhor. Georg Philipp Telemann (1681-1767) Georg Philipp Telemann não é hoje tão conhecido quanto Bach e Händel, mas deveria. É um dos meus compositores Barrocos favoritos. Autodidata em teoria musical e uma porção de instrumentos, sua obra conta com mais de 3000 peças (mas apenas metade sobreviveu), o que o torna um dos compositores mais prolíficos de todos os tempos. Um dos compositores mais famosos em seu tempo, em toda a Europa, começou a ser julgado frívolo e banal por alguns musicólogos do Século XIX e a impressão dura até hoje. Mas sua obra pode ser complexa, com os mais corretos Contrapontos e as mais criativas Harmonias, além de ser dotada de um charme encantador. Ele, como tantos compositores Barrocos, ficou esquecido no Romantismo (Século XIX) e só voltou a ser tocado no Século XX. Telemann nasceu em Magdeburgo, na Alemanha. Seu pai Heinrich, diácono na Igreja do Espírito Santo, morreu quando ele tinha 4 anos. Proibido pela família de estudar música, ele compunha escondido. Compôs uma Ópera aos 12 anos. Aguçou ainda mais o seu talento quando, em 1697, passou a estudar no Gymnasium Andreanum, em Hildesheim. Lá ele era estimulado pelos professores e pelo diretor. Aos 16 anos ele sabia tocar Cravo, Violino, Oboé, Flauta, Chalumeau, Viola da Gamba, Trombone, Contrabaixo e Flauta Doce. Em 1701 graduou-se no Ginásio e foi para Leipzig estudar Direito, mas seu talento o convocou e ele se tornou músico, com ênfase na composição. Nessa época, aos 20 anos, ele conhece, em Halle, Georg Friedrich Händel, com 16. Em 1702 ele se tornou diretor musical do Opernhaus auf dem Brühl (casa de Ópera) e, posteriormente, da Neukirche (igreja). Em 1705 saiu de Leipzig. Tinha recebido um convite para ser Kapellmeister do Conde Erdmann II de Promnitz, em Sorau (que hoje fica na Polônia, o que explica as pitadas de música polonesa na sua). Mas só permaneceu um ano lá, por causa da guerra. Depois de vagar um pouco, foi parar na corte do Duque Johann Wilhelm, em Eisenach, onde se tornaria Kapelllemeister em 1709. Ali ele conhece Johann Sebastian Bach, de quem se torna amigo e padrinho do seu segundo filho, Carl Philipp Emanuel Bach. Em 1709 ele se casa com Amalie Louise Juliane Eberlin, casamento que lhe daria uma filha, em 1711, mas que seria trágico, com Amalie morrendo no mesmo ano. Essa morte o abalou muito. Em 1712 ele foi para Frankfurt, onde se tornaria Kapellmeister de duas igrejas, a Barfüßerkirche e a Igreja de Santa Catarina. Em 1714 casa com Maria Catharina Textor, mulher que o daria muito trabalho. Embora tivessem 9 filhos, ela era viciada em jogos de aposta, bebia copiosamente e ainda tinha um amante. A própria Maria Catharina o abandonou em 1736, deixando-o com as dívidas do jogo (se bem que não com o amante). Em 1721 ele assume o emprego que o sustentaria até o fim de sua vida. Em Hamburgo ele se torna diretor musical das 5 principais igrejas da cidade, posição que lhe conferia muito poder e influência. A partir dos anos 1740 ele passa a compor menos. Em 1755 seu filho mais velho, Andreas, morre, e ele fica com a responsabilidade de criar o neto, Georg Michael Telemann. Até os anos 1760, quando tinha por volta de 80 anos, Telemann ainda compunha, mesmo com a saúde debilitada e a visão comprometida. Em 1767 Telemann morre de uma "doença no peito". Telemann foi, talvez, o compositor mais conhecido de seu tempo. Comandar as 5 igrejas de Hamburgo era um feito maior que qualquer compositor vivo ou do passado. Seu estilo ao compor incorporava elementos do Estilo Galante, um estilo de transição entre o Barroco e o Classicismo. Compôs tanto, especialmente Música Sacra, Ópera, Música Orquestral, Música Concertante, Música de Câmara e Música para Teclado. Entre suas obras mais conhecidas encontramos: das 9 Óperas, "Germanicus", "Der Geduldige Sokrates", "Die Verkehrte Welt" e "Miriways"; música sacra, "A Paixão Segundo São Marcos", "A Paixão Segundo São Lucas", "A Paixão Segundo São Mateus", as cantatas "Harmonischer Gottes-Dienst", "Siehem es hat Überwunden der Löwe" e "Singet dem Herrn ein Neues Lied"; as instrumentais Tafelmusik, 12 Fantasias para Flauta Solo, 12 Fantasias para Violino Solo, 12 Fantasias para Viola da Gamba, Música Aquática. Aprecie a Abertura Suíte em Dó Maior, "Música Aquática" interpretada pela Bremer Barock Orchester, de Bremen, Alemanha. Johann Sebastian Bach (1685-1750) O "pai da música", conhecido e admirado por todos, considerado persistentemente o maior compositor que já existiu, além de cravista, organista, violinista, violista e kapellmeister, Johann Sebastian Bach nasceu em Eisenach, Turíngia, atual Alemanha, de uma família que tinha músicos por toda parte. Suas especialidades eram a Música Sacra para Coro, Solistas e Orquestra e a Música Instrumental, sobretudo para teclado. Seu estilo era tão único, com seu movimento moto-contínuo, que seus contemporâneos não sabiam como classificá-lo, apelando sempre ao adjetivo "ultrapassado". Também, nessa época, o contraponto havia caído em desuso. Eles preferiam a clareza e inteligibilidade da homofonia. Uma melodia só e um acompanhamento. Mas Bach era o rei do contraponto, sua culminância. Então, sua música não era popular, só sendo conhecida por estudiosos e outros músicos, com missas gigantescas, verdadeiros tratados da arte de escrever música, só sendo executadas, às vezes, uma vez durante toda a sua vida. Bach jamais imaginou que, um século e meio depois de morrer, sua música receberia tanta admiração, adoração e veneração. Ele provavelmente iniciou os estudos musicais com seu pai, Johann Ambrosius Bach, quando o menino tinha 8 anos. Seus pais morreram no mesmo ano de 1794. Ele tinha 9 anos. Órfão, foi morar com seu irmão mais velho, Johann Christoph, organista da Igreja de São Miguel, na cidade de Ohrdruf. Lá ele pôde estudar música quase o tempo todo, aprendendo no Clavicórdio com seu irmão. Conheceu a obra de vários compositores alemães, italianos e franceses. Também aprendeu Teologia, Grego e Latim. Em 1700, Bach e seu colega Georg Erdmann conseguiram vaga na Escola de São Miguel, na cidade de Lüneburg. Lá ele cantava no coral e tocava Órgão e Cravo. Ficou dois anos na escola, terminando em 1703. E logo que saiu, conseguiu o posto de Músico da Corte do Duque Johann Ernst II, em Weimar. Nos sete meses em que esteve em Weimar, viu sua fama de excelente tecladista (esta sempre houve) crescer rapidamente. Foi chamado para inspecionar e tocar o concerto inaugural do Órgão da Igreja Nova, em Amstadt, onde em 1703 ele ganharia o emprego de organista. Esse mesmo órgão era afinado com o Temperamento Igual, e pode ter sido o primeiro contato do compositor com um instrumento nessa afinação. Mas o clima em Amstadt foi deteriorando, sobretudo porque Bach ficava reclamando da qualidade do coro. Além disso houve o infame incidente "Geyersbach", em que um estudante de Fagote furioso abordou Bach em uma praça escura e armado de uma vareta. Ele perguntava por que Bach o havia difamado. Pior, difamado seu Fagote. A coisa escalou e ele pegou a vareta e começou a golpear o compositor que, vendo-se sem opções, acabou sacando uma espada de verdade para o fagotista. Em pouco tempo estavam na delegacia, onde o fagotista recebeu uma pena leve e Bach foi aconselhado a ser mais moderado no que diz respeito às qualidades que ele mesmo exigia dos estudantes. Certa vez, em 1705, ele ganhou umas férias de 4 semanas. Posteriormente resolveu aproveitar as férias e vencer os 450 km que separavam onde estava da cidade de Lübeck, onde queria ouvir e conhecer o compositor e organista Dietrich Buxtehude. A pé. Conheceu Buxtehude, ficou impressionado com sua habilidade e provavelmente valeu a pena. Em 1706 ele conseguiu a vaga de organista na Igreja Blasius, em Mühlhausen. Era um emprego bem melhor, com melhor salário e melhores condições. E um coro melhor. Lá ele casou com Maria Barbara Bach, que já tinha esse sobrenome, porque era sua prima em segundo grau. Ele retorna para Weimar em 1708 para assumir os cargos de organista e Konzertmeister (diretor musical) da corte do duque. Nesse ano nasce a primeira filha do casal, Catharina Dorothea. A irmã mais velha de Maria Barbara, Barbara Catherina, vai morar com eles, para ajudar com o bebê. Ela só se desataria do casal com sua morte, em 1729. Em Weimar também nasceram Wilhelm Friedmann, Carl Philipp Emanuel e Johann Gottfried Bernhard. Os dois primeiros se tornaram compositores importantes. Carl Philipp Emanuel, no final da vida do pai, era muito mais respeitado e requisitado que este. O casal teve mais três filhos, mas estes não sobreviveram por nem um ano. Em Weimar Bach comporia música instrumental, para teclado e para orquestra. Ele se tornou um compositor habilidoso, utilizando ritmos mais complexos e harmonias mais elaboradas, influenciados pelo estudo de obras de Antonio Vivaldi e Arcangelo Corelli. Em Weimar ele teve a ideia de compor 24 Peças (cada uma constituída de um prelúdio e uma fuga) E cada Prelúdio e Fuga seria em uma tonalidade diferente, de modo que fechasse os 12 tons maiores e os 12 tons menores. Seria para Cravo, e mais tarde ganharia o nome de "O Cravo Bem Temperado". As peças, com 2 Livros, cada um com 24 Prelúdios e Fugas, só ficaria pronta e publicada em 1722. O posto de Konzertmaster só chegaria em 1714. O cargo em Weimar exigia que ele compusesse Cantatas, então, muitas Cantatas foram feitas. Em 1717 o encanto do Duque por Bach começou a sumir. O temperamental Bach ficou preso por um mês por insubordinação. Ele quis impor à mesa diretora sua própria demissão. Felizmente, em Köthen, havia um príncipe esperando que Bach lhe prestasse seus serviços. Era o príncipe Leopold, de Anhalt-Köthen, que o oferecia o cargo de Kapellmeister (diretor musical) de sua corte. O emprego era bem pago e dava ao compositor grandes oportunidades de compor e de tocar. Além disso, o príncipe era, ele mesmo, músico e admirador de Bach. Pelo fato de Leopold ser Calvinista (Bach, mesmo, era Luterano), ele não usava muito música elaborada e grandiosa (com coro, solistas e orquestra). O resultado é que isso deu a Bach a oportunidade de escrever música instrumental aos borbotões. São dessa época as obras Concertos de Brandemburgo, as Suítes para Violoncelo Solo, as Sonatas e Partitas para Violino Solo, as 4 Suítes Orquestrais, a Fantasia Cromática e Fuga e o Primeiro Livro do Cravo Bem Temperado. Mas certa ocasião, em 1720, ele havia viajado por 2 meses com o príncipe para Karlsbad e, quando voltou, descobriu que sua esposa estava morta. Tinha sido uma doença repentina e rápida. Ele nem pôde se despedir. Acho que sofreu, mas o fato é que um ano e meio depois ele casou de novo, com uma jovem soprano de 20 anos que passou a se chamar Anna Magdalena Bach. Ela era uma cantora que eles chamavam vez por outra para intensificar o coro do príncipe. Este casou pouco depois com Frederica Henriette of Anhalt-Bernburg. E os problemas começaram. Frederica não aprovava a maneira amistosa com que Leopold se relacionava com a criadagem - e músicos eram criadagem. De modo que Bach resolveu partir para Leipzig, onde lhe aguardava o cargo de Thomaskantor (um posto de compositor) da Igreja de São Tomás e da Escola de São Tomás. Essa igreja abastecia de composições musicais outras 4 igrejas da cidade. Bach teve essa sorte porque seu amigo Georg Philipp Telemann cantou para a diretoria que ele estava disposto a se mudar para Leipzig. E nesse cargo ele permaneceria até sua morte, em 1750. Suas obras do período de Leipzig incluem 300 Cantatas, das quais cerca de 200 sobreviveram, a Oferenda Musical, A Arte da Fuga, a Missa em Si Menor, A Paixão Segundo São Mateus, A Paixão Segundo São João, A Paixão Segundo São Marcos, Magnificat, Variações Goldberg e o Oratório de Natal. Ele só não escreveu Ópera. Em 1749 sua visão começou a deteriorar. Ele tentou duas cirurgias com um médico, na verdade, um picareta, John Taylor, que já havia falhado de maneira épica com Georg Friedrich Händel. Os dois ficaram cegos. Quando morreu, em 1750, aos 65 anos, ele nos deixou mais de 1100 composições. Contrapontísticas, bem Ornamentadas, perfeitas em sua estrutura e profundas como antes nunca se viu. A cultura pop conseguiu pinçar algumas peças dele e transformar em produtos pasteurizados, embalados e enviados. E, como geralmente são peças lentas - a Ária na 4ª Corda, da Suíte Orquestral Nº 3, a Ária das Variações Goldberg, o Prelúdio da 1ª Suíte para Violoncelo Solo, o Adagio do Concerto em Ré Menor, baseado em obra de Alessandro Marcello, a Transcrição para Piano do Coral "Jesus, Alegria dos Homens" - fica-se com aquela chatíssima impressão de que a música de Bach, ou a Música Clássica em geral, é para relaxar. Ou para estudar ouvindo. Meus amigos, não há nada que exija mais atenção e concentração do que escutar Bach. É coisa para se separar um tempo, deitar no silêncio e se deixar absorver pela música. Suas principais obras incluem: A Paixão Segundo São Mateus, A Paixão Segundo São João, A Paixão Segundo São Marcos, O Oratório de Natal, O Oratório de Páscoa, O Cravo Bem Temperado, As Suítes Francesas, As Suítes Inglesas, As Partitas, As Variações Goldberg, As Suítes para Violoncelo Solo, as Sonatas e Partitas para Violino Solo, a Fantasia Cromática e Fuga, A Arte da Fuga, Oferenda Musical e os Concertos de Brandemburgo. Aproveite o Credo: Et In Unum Dominum Jesum Christum da Missa em Si Menor, interpretado pelo VOCES8. E também a Sarabanda da Suíte Nº 2 para Violoncelo Solo em Ré Menor, na interpretação de Truls Mørk. E com o Andante da Sonata para Órgão Nº 4, BWV 528, transcrita para piano, na execução de Vikingur Ólafsson. E, por fim, com a Abertura da Suíte Orquestral Nº 1 em Dó Maior, BWV 1066, pela Orquestra de Câmera Norueguesa, regida por François Leleux. Georg Friedrich Händel (1685-1759) Também conhecido como George Frideric Haendel. Considerado, ao lado de Bach, o compositor mais importante do Barroco (os dois são certamente os mais conhecidos) eles seguiram veredas diferentes. Enquanto Bach escrevia Música Sacra e Música Instrumental, Händel dedicou-se a Ópera, Oratórios e Concertos, mas concertos de natureza diferente dos de Bach - Concertos Grossos, para mais de um solista. Ele, pra variar, não foi um dos compositores Barrocos a cair no obscurantismo após a morte - mas também não era nenhum sucesso. O que o impediu de ser esquecido foram alguns de seus Oratórios e de suas Óperas. Particularmente sua Ópera Xerxes (Serse), que contém a sempre popular e belíssima Ária "Ombra Mai Fu", escrita para soprano castrato e orquestra (mas que hoje é cantada por um contratenor ou uma contralto). "Ombra Mai Fu", da Ópera Xerxes, interpretada pelo contratenor Andreas Scholl e a Akademie Alte Musik Berlin. Nascido no mesmo ano em que nasceu Bach, mas em Halle, Alemanha, iniciou sua experiência musical, sob rigorosa oposição de seu pai e sem seu conhecimento (ele tinha o apoio da mãe), em casa, onde descobriu, no sótão, uma Espineta, instrumento de teclado, bem velha. De madrugada ele se trancava lá e dava seus primeiros passos na música. Essa história pode ter sido inventada por ele. Mas um golpe de sorte aconteceu quando, com cerca de 8 anos, ao acompanhar seu pai à cidade de Weissenfels, ele conheceu o Duque Johann Adolf I. Acontece que, nesse dia, ele conseguiu chegar na Capela da do duque e começou a tocar o Órgão com uma habilidade surpreendente. O duque, então, ofereceu sua palavra incontrariável a seu pai: o menino tinha que estudar música. A mudança de atitude de seu pai foi instantânea. Bastou voltarem a Halle que ele buscou pelo padre, a clamar que ele ensinasse música ao jovem. Com o padre ele aprendeu Órgão, Oboé (pelo qual tinha enorme afeição), Cravo, Violino, teoria musical, composição e ainda teve acesso à obra dos maiores compositores da época. Entre eles estava Girolamo Frescobaldi, cuja música ele aprendia copiando, fazendo duplicatas das partituras que o professor oferecia. Este método é o mais eficaz e ensinou a arte da composição a numerosos músicos. Händel começou a compor aos nove anos, mesma época em que passou a tocar Órgão nas missas. Ele também começou a estudar as matérias regulares. Aos onze perdeu o pai. Aos dezessete ele entrou como ouvinte na Faculdade de Direito da Universidade de Halle. Na mesma época ele conheceu Georg Philipp Telemann e adquiriu o cargo de organista da Catedral Calvinista de Halle, mas este era um cargo de estagiário. Quando terminou, um ano depois, ele foi tentar a vida em Hamburgo, onde conseguiu o cargo de violinista e cravista na orquestra da Ópera do Mercado dos Gansos. Lá ele compôs suas 4 primeiras óperas, Almira, Nero, Daphne e Florindo. Em 1706, a convite de Ferdinando de Medici, ele foi para Florença, Itália, onde compôs bastante, desde Oratórios e Cantatas a Óperas e peças instrumentais. Sua Ópera Agrippina foi montada e aplaudida. Em 1710 foi a Hanôver a fim de ser Músico da Corte do Eleitor Georg Ludwig. No mesmo ano foi convidado e aconselhado a ir para Londres, e teve que pedir dispensa ao eleitor. E ele já chegou causando uma boa impressão com sua Ópera Rinaldo, que é muito querida até hoje. Ele permaneceria na Inglaterra pelo resto de sua vida. Aliás, voltou a Hanôver, esperando que seu emprego estivesse lá. Mas pediu nova permissão para viajar a Londres, em 1710. Conseguiu voltar à Inglaterra em 1712, Foi nomeado, em 1717, compositor oficial da mansão rural Cannons, em Middlesex (uma daquelas propriedades nobilíssimas, estilo Dawton Abbey ou as que vemos em romances de Jane Austen). Compôs várias Óperas e sua reputação crescia. Mas ocorre que, desde 1713, havia-se extrapolado o período da licença que o eleitor de Hanôver, agora furioso, o havia cedido. Para que as coisas ficassem mais surreais, em 1727, ele, o eleitor, seu empregador na Alemanha, foi coroado Rei George I da Grã Bretanha. Envergonhado, Händel tentava evitar encontrá-lo. Mas acabou sendo requisitado a compor a música da coroação. Sua peça, Zadok The Priest, um Hino de Coroação, espécie de Cantata, foi bem recebida e passaria a ser usada em todas as coroações da Inglaterra. Ainda assim, era embaraçoso estar na presença do rei. Foi quando um amigo seu, o Barão Kielmansegge, elaborou uma ideia para reaproximá-los. Naquela época, a aristocracia londrina tinha por hábito passear de barco pelo rio Tâmisa, acompanhada por outro barco munido de uma pequena orquestra. O Barão Kielmansegge, em uma noite em que o rei fez o passeio, se certificou que a certificou-se que a música tocada fosse de Händel. O músico compôs sua Música Aquática, uma suíte enorme, hoje dividida em três suítes, apenas para orquestra. Conta-se que em minutos o Tâmisa estava salpicado de barcos curiosos e que pequenas multidões se ajuntavam nas margens para ouvir o concerto. O rei ficou encantado e acabou perdoando Händel. Voltou a pagar-lhe o salário, e em dobro. Em 1719 a aristocracia idealizou uma companhia de Ópera permanente, e tiveram apoio do rei. Nasceu a Royal Academy of Music e o Duque de Chandos chamou Händel para o cargo de Compositor Oficial da Ópera. Nos anos seguintes, todos constatariam que as Óperas de Händel eram as mais lucrativas e aclamadas. Eram peças como Giulio Cesare, Tamernano e Rodelinda. O compositor chegou a investir na Academy, o que não foi um bom negócio, já que a Academy faliu em 1728. Recuperando-se rapidamente do baque, eles logo elegeram uma nova casa: o Queen's Theatre, no Mercado de Feno, onde ele comporia e montaria 25 Óperas! E, a partir de 1729, se tornaria um dos administradores do lugar. Em 1727 o rei George I sofre um ataque cardíaco e morre, sendo substituído por seu filho, que passou a se chamar rei George II. Ele gostou de Händel ainda mais que seu pai e, de cara, o pôs nos cargos de Compositor da Capela Real e Compositor da Corte. Em 1733 seu cargo de administrador venceu e o Queen's Theatre fechou. Mas o obstinado Händel fundou, em 1733, nova companhia no Teatro Real de Covent Garden, que hoje é uma das Casa de Ópera mais importantes da Grã Bretanha e do mundo. Ele compôs Óperas como Terpsicore, Ariodante e Alcina. Em 1737 sua saúde começa a deteriorar, quando ele tem dois ataques cardíacos e episódios de confusão mental. Acaba melhorando e compõe uma de suas Óperas mais famosas. É Xerxes, sua única Ópera Cômica, que contém a Ária "Ombra Mai Fu", que você vê no vídeo acima. As apresentações foram desastrosas. "Ombra Mai Fu" foi a única Ária que se tornou imediatamente popular. Resolveu compor Oratórios, com Saul, Israel no Egito e L'Allegro, Il Penseroso e Il Moderato. Em 1741 é convidado pelo Terceiro Duque de Devonshire a Dublin, no Reino da Irlanda, a fim de tocar concertos beneficentes para hospitais da cidade. Lá ele escreve, em 1742, seu mais famoso Oratório, Messias. De volta a Londres, compõe o Oratório Alexander Balus, montado em 1748, no Covent Garden. Mais Oratórios se seguiram. É o caso de Salomão, Sansão e Jephtha. Em 1749 ele compõe a orquestral Música para os Fogos de Artifício Reais. No ano seguinte, viaja à Alemanha para buscar tratamento ocular com o médico charlatão Chevalier Taylor, o mesmo que "tratou" Bach (que ficou cego). Na volta, no trecho entre A Haia e Haarlem, ambas na Holanda, ele se machuca em um acidente de carruagem. Seus olhos jamais melhoraram. Pelo contrário, deterioraram até que ele ficou completamente cego em 1752. O compositor morreu em 1759, aos 74 anos. Ao seu funeral compareceram milhares de pessoas. Foi enterrado na Abadia de Westminster. Suas posses eram £ 20.000,00 e uma coleção de artes plásticas, com 70 pinturas. Händel tinha como traços a leve obesidade, a generosidade (apoiou instituições de caridade por décadas); uma incurável cabeça quente, era muito inteligente; falava alemão, inglês, francês e italiano; era espirituoso, porém temperamental e era Luterano, podendo ter deslizado para o Anglicanismo, na Inglaterra. Era um organista surpreendentemente habilidoso, especialmente ao improvisar e compunha extremamente rápido, levando, por exemplo, menos de um mês para finalizar o descomunal Oratório Messias. Händel era admirado por Johann Sebastian Bach, Wolfgang Amadeus Mozart e Ludwig van Beethoven, entre outros. Nas suas principais obras estão inclusas: Óperas "Agrippina", "Rinaldo", "Giulio Cesare", "Orlando", "Alcina" e "Xerxes"; Oratórios "A Paixão de Brockes", "Saul", "Israel no Egito" e "Messias"; o hino de coroação "Zadok, the Priest"; Música Orquestral 2 livros de Concertos Grossos, Música Aquática (3 Suítes), Música para os Fogos de Artifício Reais; Música de Câmara e para 1 Instrumento Sonatas para Flauta, Flauta Doce, Oboé, Violino, Viola da Gamba, entre outras; 2 livros de Suítes para Cravo e mais. Assista à sua peça sacra Dixit Dominus, para cantores solistas, coro e orquestra. É interpretada pela orquestra English Baroque Soloists, o coro Monteverdi Choir, regidos pelo maestro e pugilista John Eliot Gardiner. Estilo Galante ou Rococó Vigente entre os anos 1720 e 1770, o Rococó foi um estilo totalmente diverso do Barroco e serviu de transição entre este e o Classicismo. Estilo Galante é o nome da vertente musical do Rococó. Suas características eram, muitas vezes, antagônicas às do Barroco. Essa oposição se manifestava, sobretudo, na forma de uma atitude simplista, sem usar contraponto, com importância dada à clareza melódica e, no acompanhamento, poucos e simples acordes. Nem todos os compositores aderiram, e se o fizeram foi no final ou início da carreira. Dentre estes contamos com Georg Philipp Telemann, Giovanni Battista Sammartini, Guiseppe Tartini, Johann Joachim Quantz, Baldassare Galuppi e os começos das carreiras dos Clássicos Joseph Haydn e de Wolfgang Amadeus Mozart. Veja como é limpa, simples e plana a Sonata Nº 5, em Dó Maior, do compositor italiano Baldassare Galuppi. Ele já escrevia para Piano, mesmo. O intérprete é Vadim Chaimovich. Essa Sonata é sua mais famosa, desde que apareceu no repertório do lendário pianista Arturo Benedetti Michelangeli. Barroco Mineiro O Brasil, bem como Portugal, tem uma representação e enormes contribuições na Música do Barroco. É o Barroco Mineiro - aquele, que tinha como maior representante o escultor e arquiteto Aleijadinho. Anacronicamente, o Barroco Mineiro, música colonial, chegou por aqui meio atrasado. Aconteceu entre o início do Século XVIII e o final do Século XIX, época em que, na Europa, já se vivia o Romantismo. Sua manifestação se deu, sobretudo, na cidade mineira de Ouro Preto, mas se alastrou por diversas outras, que hoje são históricas. A música é, em quase todos os casos, Sacra, porque a igreja era onipresente. Tendo recebido músicos portugueses, Ouro Preto logo se tornou um centro de Música Sacra do Brasil. Era uma profusão de compositores, tanto brasileiros quanto portugueses. Os mais conhecidos (ao menos hoje) são Manoel de Oliveira, Antônio de Souza Lobo, Francisco Gomes da Rocha, Marcos Coelho Neto, Manoel Dias de Oliveira e José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, este último sendo responsável pela criação de músicas importantíssimas (sua obra é estimada em 500 peças), gravadas até hoje, como: a Missa Para Quarta-Feira de Cinzas, Regina Caeli Laetare, Dominica in Paris, Ofício e Missa para Domingo de Ramos, Salve Regina, Beata Mater, Domingo da Ressurreição, Magnificat, Magnificat Alternado e 3 Te Deums. Houve também o carioca José Maurício Nunes Garcia, autor de um Réquiem grandioso. Escute e constate que beleza é o Réquiem de Nunes Garcia, na interpretação de Paul Freeman com a Orquestra Filarmônica de Helsinque e Coro. É arrepiante! A Parte III (final) sai rapidinho, prometo. Mais uma vez o texto ficou muito grande para o hospedador do site. A Lista com as outras postagens agora fica aqui. Deixe seu comentário!

  • Música Clássica é Elitista?

    Tudo bem. Vamos lá. Existem várias maneiras de observar e de responder essa pergunta. E não há resposta simples. Primeiro, quero que imagine que é um compositor em Viena, em 1820. Especialista em Música de Câmera e música para piano. Você é Schubert. Você acha que, quando compõe uma nova sonata, você pensa: "vou escrever isso aqui de modo que só quem é rico possa desfrutar"? Digo isso porque só tem 2 maneiras de alguém ouvir a música: paga um ingresso e assiste àquilo em um teatro (imagino que devia ser caro); ou compra a partitura e toca ou pede para alguém tocar no piano (que também era caro). Eu sinceramente acho que essa questão não passava pela cabeça do compositor. Ele tinha que ganhar a vida, logo, tinha que cobrar ingresso (Schubert foi um mal exemplo que dei, porque ele mal ganhava a vida com composição, mas vamos lá). O piano era o instrumento mais sofisticado, que permitia ao compositor perfilar sua gama de conhecimentos e de estados sentimentais. Era só isso. Todo mundo que ele conhecia tinha um piano. Existiam pessoas pobres na cidade, que mal tinham dinheiro para comprar um pão. Mas, mesmo as pessoas mais pobres, davam um jeito de, uma vez na vida, ver um concerto. As músicas mais populares, geralmente de ópera, eram assoviadas nas vielas da cidade por gente de toda sorte. O pobre era mal-tratado, isso ele era, é e, provavelmente, sempre será. O mundo não é pra ele. Mas vamos lembrar aqui de um exemplo não clássico e mais recente. O Fortal. Para entrar nas cordinhas que cercavam o trio elétrico, lembro bem, nos anos 90, você desembolsava 1.000 reais. Na época equivalia a umas duas ou três mensalidades da escola. Os pobres eram relegados à "pipoca", um grupo que cercava as cordas e era vigiado com dedicação por seguranças armados. Tem coisa mais elitista que isso? Você acha que é mais caro, em São Paulo, por exemplo, ir a um concerto da Sinfônica Estadual ou do Iron Maiden? Respondo: é do Iron Maiden. E eles são elitistas? Meu caro, a sociedade é elitista. A música clássica é reflexo da sociedade. Aliás, pior ainda, é reflexo de uma sociedade de dois, três séculos atrás. Para ser bem claro: se estivermos pensando naquele cidadão que mal tem o que comer, tudo, inclusive a música clássica, a "popular", as roupas, o ar-condicionado, o vocabulário e o bom português lhe são negados. Os livros, a internet. A dependência da música erudita de um piano pode ser encarada como uma pista de que ela se serve ao deleite dos mais abastados. Mas deixa eu contar uma historinha: levei 25 anos para conseguir comprar uma flauta descente. 5 mil reais. Piano, aqui em casa tem quatro: um de armário, um de 1/4 de cauda, e dois digitais. Se eu quiser mais um e souber procurar (que seja usado, mas que ainda esteja bom para tocar), vou acaba achando um por R$ 1.500. Sabe quanto custa uma sanfona? R$ 20.000, uma boa. A mais barata que eu consegui comprar, era R$ 1.500, usada, e isso foi 20 anos atrás. Quando ela foi roubada e eu fui atrás de outra, encontrei o mesmo modelo, usado também, pelo dobro do preço, no mesmo fornecedor. Instrumento "popular" é o violão, não é isso? Verdade, os mais baratos custam até 300 reais. Instrumentos ruins, sem som, sem projeção. Mas que dá pra começar. Mas digo quase o mesmo do piano. E para aprender? Fora aqueles raros casos de músicos autodidatas - que são muito esquisitos, porque o músico que tem um professor às vezes passa tanto tempo estudando sozinho do quanto o autodidata passa em rodas de músicas com seus companheiros, aprendendo e aprendendo - a educação formal é cara. Mas, mais uma vez, não é uma prova de ela ser elitista. Já vi alunos pagando caro para aprender escalas pentatônicas na guitarra! E já vi alunos terem aula de graça de violino e violoncelo. Se você vir um professor entrando numa favela para dar aula de música voluntariamente, provavelmente ele vai ensinar música clássica. Então, esse assunto, considero encerrado. As coisas se equivalem, ir a um show do Roberto Carlos pode ser bem mais caro do que ira a um concerto. Comprar um violoncelo pode ser mais barato que comprar uma sanfona. O mundo não quer que os pobres tenham direito a nada. Ora, se nem à dignidade? Nem entrar numa loja mal vestido você pode... O pobre é tratado como um cachorro, passamos por ele, ele balbucia algo sobre fome e desespero e crianças para criar e você vira a cara. Vira a cara na esperança de que, um dia, o mundo, a esquerda, a direita ou o centrão (tá, não o centrão) vá livrar o mundo daqueles miseráveis. Dar oportunidade a todos ou qualquer coisa assim. Você voluntariamente ignora o fato de que, hoje, a população rica é muito mais rica que outrora e a pobre, muito mais abundante que no passado. E que, no futuro, eles serão ainda mais. Se você tem preguiça de assistir a um concerto, diga isso. Se gosta mesmo é de um funk sobre vaginas encaixando em pênis (sem espaço para interpretação), não vejo problema. Agora, culpar a música? Dizer: "desta coisa elitista não participarei, porque exclui meus amiguinhos pobres", ao se deparar com a música erudita, meu caro, você está fazendo errado. Tudo errado. Comece sabendo que toda orquestra tem séries gratuitas de concertos. Acha que o Safadão separa umas datinhas na agenda dele para fazer shows gratuitos? Acha? Voltaremos ao assunto. Vou tratar da quase ausência de negros nas orquestras. E vou logo admitindo. Isso é um problema da música clássica, sim. Isso, sim, é elitismo. É uma cultura que vem de séculos e que demora para mudar. Mas, como eu disse, outra hora.

  • Beethoven - Sinfonia nº 4 - Análise

    Espremida entre a grandiosa 3ª ("Eroica") e a famosíssima 5ª, a 4ª Sinfonia, em Si Bemol, Op. 60 de Ludwig van Beethoven (1770-1827) é uma obra magna que ficou à sombra dessas duas. Mas não por seu teor musical. Ela pode ser vista como um progresso em relação à 3ª e é, também, um passo em direção à 5ª. Se soubermos olhar da maneira apropriada. Em 1806, Beethoven e seu amigo e mecenas, o Príncipe Lichnowsky estavam passando o verão na casa deste na Silésia (uma região que se distribuía entre o que hoje são Polônia, República Tcheca e Alemanha). Foram visitar um amigo do príncipe, o Conde Franz von Oppersdorff. Esse conde tinha uma orquestra, e Beethoven o apresentou sua 2ª Sinfonia. Admirado, o Conde encomendou uma nova obra ao compositor. Beethoven já estava esboçando a 5ª, mas, em vez de usá-la como a peça encomendada, ele suspendeu o trabalho para compor essa que seria a 4ª. Agora, notem bem: ele não tocou para o Conde a 3ª Sinfonia. Isso se deve, provavelmente, ao fato de que ele tinha consciência de que se tratava de uma obra transgressora e ousada demais para a sua época. Mesmo em Viena ela causara alvoroço. Isso indica que talvez ele soubesse estar na presença de um conservador, o que explica por que ele não o ofereceu a 5ª, que já estava iniciada. Era uma obra emocionalmente carregada, absolutamente Romântica, coisa com que a Europa ainda estava se acostumando. Imagina-se que tenha optado por oferecer um trabalho um pouco mais sutil. Mas isso não significa que ele tenha feito da Quarta uma sinfonia fácil ou modesta. Na verdade, a obra tem vida própria e méritos próprios. Como era uma obra comissionada, teve duas estreias: a privada (surpreendentemente não na casa do Conde que a encomendou, mas na de outro patrono de Beethoven, o Príncipe Lobkowitz), em 1807; e a pública, no Burgtheater de Viena, em abril de 1808. A Obra A 4ª Sinfonia tem 4 movimentos e dura cerca de 33 minutos. É, possivelmente, a mais negligenciada das 9. Mesmo sendo uma obra carismática, cheia de otimismo e de momentos positivos. Parece que seu pecado foi esse. Queriam outra Eroica, retumbante, brilhante, transgressora. Ou gostaram mais da 5º, apresentada meses depois. A quarta é isso, não se sabe o que ela é. E esquecem que um benefício da Música Clássica é justamente a exploração. Essa exploração está no berço do que fazemos aqui: a análise musical. Hoje a peça é mais respeitada e procurada. O distanciamento secular e os esforços de vários regentes, que gravaram as versões mais convincentes, trouxeram luz sobre a peça. Vamos a ela. A orquestra é relativamente modesta, provavelmente correspondendo aos instrumentos que a orquestra do conde possuía. 1 Flauta 2 Clarinetes 2 Oboés 2 Fagotes 2 Trompas 2 Trompetes Tímpanos Violinos 1 Violinos 2 Violas Violoncelos Contrabaixos Abaixo, nosso vídeo guia com a Orquestra Sinfônica da Rádio de Frankfurt (hr-Sinfonieorchester) e o regente Andrés Orozco-Estrada. I. Adagio – Allegro vivace (38s) Introdução A obra começa com uma misteriosa introdução, em tons escuros. Sobre uma nota longa da Flauta, dos Clarinetes, Fagotes e Trompas, as cordas fazem uma melodia de vai-e-volta. Repare que ela começa toda em legato. Mas logo os Violinos continuam numa melodia em staccato (1m02s). Apenas preste atenção nessa seção da música. Ele parece querer descrever o cosmos, o universo. Outra nota longa das madeiras junto com a melodia medonha das cordas (1m28s). Mais staccatos, dessa vez na orquestra inteira (1m51s). Aos 2m18s, mais uma nota longa. Temos ligeiras subidas de dinâmica, com as cordas em pizzicato. Eles começam a crescer de vez, primeiro sobre uma nota só, mas logo depois, há uma explosão de força na orquestra em em tutti. Exposição Quando a música se torna frenética (3m17s), é quando estamos na exposição, em que o compositor vai nos mostrar seus 2 (ou 3) temas principais. A primeira coisa que ouvimos nessa sessão é o Tema A (3m17s). Parece que abandonamos completamente aquele clima soturno da introdução. O Tema A é alegre e saltitante, aparecendo primeiro nos Violinos I, em staccato e piano. No final (3m20s) o Oboé, os Clarinetes e os Fagotes finalizam a frase. Novos acordes da orquestra em duplo forte fazem vir o Tema A (3m25s) em toda a orquestra, com mais firmeza. Aos 3m47s, disfarçado e enrolado em outras melodias, ouvimos o Motivo, que é desimportante demais para ser um tema, mas que terá importância na obra. Logo uma ponte (3m55s) que nos liga ao outro tema. O Tema B é, como sempre, contrastante. Aparece aos 4m08s no Fagote, e é imediatamente respondido pelo Oboé e, depois, pela Flauta, em uma espécie de Cânon. É um tema sossegado e sem conflito. Aos 4m20s começamos uma subida em pianíssimo, depois, crescendo nas cordas, que conduz a um tutti e, então, ao Tema C (4m36s), também em Cânon entre o Clarinete e o Fagote. O Tema C é repetido (4m44s) de imediato, pelos Violinos I e II, com notas dobradas e em Cânon com as Violas, os Violoncelos e os Contrabaixos. Temos, então, mais uma ponte (por volta dos 5m). Está nos levará ao Desenvolvimento. Repetição - Alguns regentes preferem obedecer a instrução de Beethoven e repetir a Exposição. Nesse caso, toda essa sessão é tocada mais uma vez, de maneira idêntica. Mas não é o que ocorre aqui. Desenvolvimento O Desenvolvimento é o momento da música em que o compositor vai mostrar, mesmo que brevemente, suas habilidades de manipulação temática. Ele vai tocar temas em tonalidades diferentes, com ritmos diferentes, vai amarrá-los, pode começar um e terminar outro. O Tema A logo nos é reapresentado (5m24s), tocado pelos Violinos I e com a mesma resposta do Oboé, dos Clarinetes e dos Fagotes. O Tema A é repetido aos 5m31s. Esse início de Desenvolvimento é semelhante à música que ouvimos na Exposição. Aos 6m15s surge o Tema B, no Fagote, perseguido pelo Oboé. Escutamos uma transição que nos põe no Tema C (6m43s). Ele é repetido pelos Violinos I e II, Violas e Flauta. Aos 7m21s temos ecos do Tema A, entrecortado, como se disputado pelos Violinos e Violoncelos. Nesta aparição do Tema A, a orquestra vai perdendo força. Aos 7m44s temos a Flauta, pela primeira vez carregando um tema (Tema A). Aos 7m48s, o Motivo recebe um belo tratamento temático, que alterna notas longas e curtas. Ela passa pelo Violino I, pela Flauta, Clarinete e Fagote, volta nos Violinos, agora, I e II, no Clarinete e, por fim nos Violinos I e II. E o tempo todo ficamos ouvindo pequenas citações ao Tema A. De súbito, aos 8m04s a orquestra toda aparece de uma vez, em duplo forte. E fica repentinamente fraca, com lindas menções ao Tema A, nas cordas em staccato. Daí, a música fica alternando entre o forte e o piano - era uma característica de Beethoven surpreender o público com esses contrastes. Perceba que ele traz motivos e recortes de várias melodias, temas ou não, o tempo todo. Aos 9m04s ocorre uma passagem curiosa. É como se ele estivesse em um quarto escuro, tateando, tentando enxergar. Daí, isso vai crescendo, crescendo e desemboca na luz! Uma luz cintilante e ofuscante, aos 9m21s, com toda a orquestra. É o nosso retorno. Recapitulação Na Recapitulação o compositor reapresenta os temas. Aqui podem ocorrer alterações na orquestração e na parte harmônica, mas a Recapitulação foi concebida para ser similar à Exposição. Aos 9m24s o Tema A é trazido de novo, revigorado, nos Violinos I e II. É repetido pelo Oboé, aos 9m27s. Aos 9m35s ele aparece nos Contrabaixos e vai se desfigurando, através de alterações harmônicas. Aos 8m59s o Tema B surge no Fagote, seguido pelo Clarinete e pelo Oboé. E aos 10m27s vem o Tema C, no Clarinete em Cânon com o Fagote. Nesse trecho, o maestro Andrés Orozco-Estrada resolveu enfatizar as Trompas, que fazem um belo contracanto. Achei uma boa ideia. Não é uma sonoridade que vemos todo dia, mas acho que, por isso mesmo, deve ser oferecida. É repetido aos 10m33s pelos Violinos I e II e pela Flauta. Aos 10m56s temos a frase de finalização. Aos 11m08s chegamos ao Coda. Coda O Coda é a sessão de encerramento. Não tem nenhum compromisso estrutural ou temático. Sua única peculiaridade é o fato de ser barulhento, pois os compositores geralmente querem terminar o movimento de modo positivo. Aqui não adianta descrever. São pancadas dos Tímpanos com os Trompetes e as Trompas, a afirmação da tonalidade da obra e acordes bem assertivos, no final. II. Adagio (12m10s) O movimento lento da obra é aquele em que o compositor nos demonstra sua capacidade melódica. Ele costuma ser sereno e bonito. Aqui, não se aplica a Forma Sonata (a estrutura do primeiro movimento, com Introdução, Exposição, Desenvolvimento, Recapitulação e Coda), e ele pode ter várias formas. O Adagio começa com uma pulsação marcada pelos Violinos II. Essa marcação percorrerá todo o movimento. Logo, aos 12m15s, aparece, nos Violinos I, com belos contracantos das Violas, o Tema A. É uma melodia de notas longas e cantabile. Este tema terá desdobramentos inimagináveis. Aos 12m34s os Violinos I tocam a segunda parte do Tema. Aos 12m56s a Flauta repete o Tema A com o lindo auxílio de Clarinetes, Fagotes e Trompas. Aos 13m34s a pulsação muda, marcada, agora, por ondulações dos Violinos II, Violas e Violoncelos. Nessa parte ouvimos, também, os Tímpanos, com Trombones e Trompa (por algum motivo, entre o Classicismo e o começo do Romantismo, os compositores sempre apoiavam os Tímpanos com instrumentos de metal). A melodia que a Flauta faz aos 13m50s não chega a ser temática. A peça segue com uma orquestração maravilhosa: nítida e transparente. Aos 14m22s o Clarinete nos traz o lírico e alongado Tema B e finalizando em piano. A frase é entrecortada, ele dá umas pausas e vai terminá-la aos 14m38s. Os Violinos ficam fazendo figurações que lembram o primeiro movimento. Esse trecho termina aos 15m03s. Que é quando a orquestra entra, em tutti, para fazer a frase final. Os Violoncelos fazem uma variação sobre o Tema A, aos 15m07s, ajudados pelas Violas e, então, os Violinos II e I. Perceba que a pulsação do começo do movimento voltou de várias formas: em outros instrumentos e com outras notas. Aos 15m34s a harmonia muda para o acorde da dominante. Aos 15m50s ressurge, tranquilo, o Tema A. Aos 16m30s ele faz que vai repetir, mas a astúcia de Beethoven nos traz o Tema A (16m33s) em tom menor, aumentando muito a carga de intensidade do movimento. A orquestração também é exótica, o Tema declarado pelo Trompete. É um trecho tipicamente Beethoveniano, com os Trompetes, os Tímpanos, o acompanhamento pesado, a mudança de tom, acordes dissonantes, a dramaticidade. Aos 16m55s temos uma parada para os Violinos I e II pincelarem um Motivo. Até que, aos 17m25s, o Fagote intervém, com o motivo da pulsação. Ele serve de acompanhamento para a entrada do Clarinete, com o Tema A, mas só parte dele. Mas aos 17m54s Beethoven novamente deixa a Flauta tocar o Tema A de forma variada e, dessa vez, de maneira mais plena. Temos belos momentos de alternância entre o tranquilo e o aflito. O final é bastante Mozartiano, inclusive na orquestração. A peça termina de forma agradável, com acordes firmes ressoando por toda a orquestra. III. Scherzo e Trio: Allegro Molto e vivace (22m05s) Scherzo e Trio é, geralmente, o terceiro movimento de uma obra grande (com muitos movimentos, como uma Sinfonia, uma Sonata, um Concerto, um Quarteto de Cordas). Ele tem uma estrutura semelhante à A-B-A: Scherzo-Trio-Scherzo. Ele veio substituir o Minueto-Trio-Minueto. Beethoven foi o primeiro compositor a usá-lo em larga escala. É uma peça curta, rápida e com um Trio caracteristicamente mais calmo. Scherzo Esse Scherzo, especificamente, é elétrico. Começa com o Tema A, aos 22m06s, com uma série de acordes bárbaros seguidos por um diálogo entre Clarinete e Fagote e as cordas. Ora doce, outras, mais agitado. Esse trecho é repetido (22m18s). Aos 22m30s o Tema A aparece de forma mais burlesca, na Flauta e Violinos I. E, depois de algumas deliberações, ele surge em seu primeiro formato (22m49s). Aos 23m11s o Tema A aparece sendo brincado pela orquestra. Trio Aos 23m52s o Oboé assume o Tema B, ou Tema do Trio. Os Violinos interferem na frase do Oboé, com sutis gracejos. Aos 24m06s o Tema B volta. Aos 24m46s a orquestra quase inteira entra para fazer o final do Tema B, encerrando o Trio. A partir daí, reduzindo a dinâmica (chegando a pianíssimo). Scherzo O novo Scherzo apresenta seu Tema A logo de cara (25m03s). Este trecho é semelhante ao Primeiro Scherzo, com o Tema A aparecendo ora brincante, ora com força. Aos 26m49s temos a finalização do Tema A. E, aos 27m28s temos uma breve Codeta encerrando o movimento com um acorde em tutti e fortissimo. IV. Allegro Ma Non Troppo (27m42s) O Finale, o último movimente, é considerado tão importante quanto o primeiro. Ele é uma síntese, não musical, mas de humores, da peça. Um finale pode ter várias formas, inclusive a forma sonata. Não é o caso, aqui. Começamos o Allegro Ma Non Troppo com um Tema A em pianíssimo ao qual logo seguem acordes em fortissimo. O caráter desse movimento, Beethoven o criou e apelidou de Aufgeknöpft (desabotoado). Aos 28m12s o Oboé anuncia o Tema B. Ele é retomado pelos Violoncelos, aos 28m18s. Mais contrastes. Aos 28m35s temos uma célula de finalização que ainda não havia aparecido em todo o movimento. Ela é repetida aos 28m41s, ligeiramente dissonante e ameaçadora. Mas o que vem dela é uma frase graciosa da Flauta (28m44s). Aos 28m51s a música dá uma endoidada que vai resvalar no Tema A, nos Violinos (29m04s). A música fica brincando com seus temas. É um trecho muito colorido, em que Beethoven flerta com o humor. Temos a aparição de Temas, Motivos, modulações e as mais diversas técnicas de composição para tornar o Finale o mais interessante possível. Vários instrumentos Solo aparecem. A sinfonia se encerra com uma versão de brincadeira do triunfo, aos 33m59s. Os Períodos de Beethoven Vamos lembrar, para facilitar a apreciação, dos três períodos de Beethoven. Tecnicamente ele em si pertence ao período de Transição entre o Classicismo e o Romantismo. Mas isso nos dá uma noção errada, a de que toda a sua obra é transicional. A verdade é que as coisas se dividem mais ou menos assim: Primeiro Período - De 1792, quando abandonou sua cidade de Bonn e foi morar em Viena, até 1802. Podemos chamá-lo de Período Clássico. No começo dele, o compositor ainda era um aprendiz de Joseph Haydn e ganhou muita notoriedade na Áustria como pianista. No final do período ele já estava compondo com confiança, obras até um pouco chocantes, pelo uso das dinâmicas extremas, de texturas orquestrais densas e ritmos surpreendentes. Nessa época ele escreveu os 2 Primeiros Concertos para Piano e Orquestra, os 3 Primeiros Trios para Piano (Op. 1), os primeiros 6 Quartetos de Cordas (que são pilares do repertório), o Septeto, para Clarinete, Fagote, Trompa, Violino, Viola, Violoncelo e Contrabaixo, as Sinfonias Nos. 1 e 2 (que o elevaram o status a maior promessa musical desde Mozart), e as 12 Primeiras Sonatas para Piano. Também começou a ensinar alunos que tornar-se-iam músicos influentes, como Ferdinand Ries e Carl Czerny. Podemos dizer que, aqui, ele era um compositor do Classicismo. Segundo Período - Conhecida como sua Fase Heroica, é marcada por evoluções composicionais de Beethoven. Eu considero essa fase plenamente Romântica. Ela durou de 1802 a 1812 e foi durante ela que Beethoven compreendeu que ficaria surdo, entrando em forte crise. E foi passar um tempo em um lugar mais agradável, sob sugestão do médico de ouvido. Era em Viena, mesmo. Um bairro afastado chamado Heiligenstadt, onde Beethoven permaneceu de abril a outubro de 1802. Lá ele escreveu uma carta para seus 2 irmãos chamada Testamento de Heiligenstadt, mas nunca a enviou, guardando, posteriormente, em seu birô, em Viena, e só seria tornada pública depois de sua morte. Nela ele fala sobre a luta com o ouvido, sobre fortes pensamentos suicidas, mas, sobretudo, da sua vontade de superar tudo isso e poder cumprir seu destino musical. E a primeira obra que completou após escrever o testamento foi a Sinfonia Nº 3 "Eroica". Ela é um marco na história da música. Se existe um ponto em que possamos dizer "aqui, acabou o Classicismo e começou o Romantismo", é esse. Ousada, com sons muito fortes, uma Marcha Fúnebre como segundo movimento, acordes dissonantes, acordes dissonantes destacados, cumprimento exagerado e a jornada emocional, tudo isso a torna uma peça extremamente especial. Outras obras do período incluem: Sinfonias 4, 5, 6, 7, 8; os 3 Últimos Concertos para Piano e Orquestra, os Quartetos Razumovsky (o 7º, o 8º e o 9º), o Concerto para Violino e Orquestra, o Trio Com Piano "Arqueduque", a Missa Solemnis e Sonatas para Piano até a Nº 26 "O Adeus". Foi nesse Segundo Período que Beethoven foi mais famoso, ainda que os problemas de audição tornassem difícil a ele tocar piano em público e até conversar. Aos poucos ele foi se tornando ranzinza e antissocial. Mas foi isso que ocorreu, Beethoven inventou o Romantismo na música. Terceiro Período - Este misterioso e surreal período começou em algum ponto da década de 1810. O recluso Beethoven resolve estudar contraponto Renascentista e Música Barroca, analisando árduos corais de Johann Sebastian Bach e Georg Friedrich Händel e obras de Giovanni Pierluigi da Palestrina. Essas influências se refletiram na sua arte, que passou a incorporar Fugas e Polifonia. Beethoven lutava, desde a morte de seu irmão Kaspar, em 1815, contra a sua cunhada viúva, Johanna van Beethoven, que ele julgava obscena, suja e incapaz de ter custódia do filho do casal, o jovem Karl van Beethoven. Foi uma batalha de anos e ele deve ter odiado a moça, pois, em 1816, conseguiu a custódia do rapaz e jamais deixou que ele a visse. Nas constantes batalhas judiciais que se sucederam, chegou a subornar um juiz e dois membros do tribunal de apelação. Em 1820 as tentativas no tribunal cessaram, pois causavam ao menino um desgaste emocional enorme. Depois que o jovem tentou se matar a custódia foi totalmente garantida a Beethoven. Era uma relação obsessiva, com muito abuso emocional, contratação de amigos de Karl para espioná-lo e tudo mais. Em 1827 Beethoven morreu e Karl só pediu licença do Exército para ir ao funeral, três dias depois. Mas Johanna estava lá, no seu leito de morte. Suas últimas palavras foram "nem mais um fôlego, nem um fôlego mais". Uma autópsia revelou que ele tinha o fígado muito comprometido. Beethoven teve um enterro como Viena jamais testemunhara, com 20.000 (possivelmente muito mais) cidadãos acompanhando a procissão. O compositor Franz Schubert, que jamais tivera coragem de se apresentar a ele, foi um dos carregadores da tocha. Suas obras finais são a Sinfonia Nº 9 "Coral"; A Vitória de Wellington (em comemoração à vitória do Marquês de Wellington contra as forças de Joseph Bonaparte); As Ruínas de Atenas, para orquestra; a Abertura Rei Estêvão; a Cantata Mar Calmo e Viagem Próspera; A Consagração da Casa, para coro e orquestra; os Seis Últimos Quartetos de Cordas; Fuga para Quinteto de Cordas; as últimas 2 Sonatas para Violoncelo e Piano (a 4ª e a 5ª); As Variações Diabelli e suas 6 Últimas Sonatas para Piano Solo. Nesse período o Beethoven Clássico estava distante. Ora, o Beethoven Romântico fora superado. Diz-se que sua música, agora, era Pós Moderna. Nesse período Beethoven falava com o cosmos. Ele esteve parcialmente surdo por toda a sua vida adulta, e completamente surdo nos últimos 12 anos de vida. Ele conseguia compor porque tinha o ouvido interno muito bem treinado e eficiente. Conseguia imaginar todas as notas. Gravações recomendadas É tão fácil ver a 4ª Sinfonia em um CD com apenas uma outra Sinfonia quanto em caixas de 10 CDs com a Integral das Sinfonias. - Herbert Blomstedt, regendo a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig - A gravação mais recente de Blomstedt (de 2014 a 2017) (o maestro tem hoje 96 anos), essa com a Gewandhaus é perfeita. Tenho que ser sincero, perfeita, mesmo. Nas acentuações rítmicas, na precisão com que a orquestra toca notas que são difíceis de sair ao mesmo tempo. E sobretudo o som da Gewandhaus, uma das melhores orquestras para repertório alemão do Romantismo. É uma joia. E está lá no Spotify. - Cyprien Katsaris, piano (versão transcrita por Franz Liszt) - Essa daqui eu incluí como curiosidade. Em 1864, portanto, quase quarenta anos após a morte de Beethoven, o compositor e pianista húngaro Franz Liszt (1811-1886) empreende pegar todas as Sinfonias do mestre e transcrevê-las para piano. O camarada Cyprien Katsaris aqui, um especialista em transcrições, toca da maneira mais sinfônica que eu já vi, preocupando-se com os contrastes e aplicando um som suficientemente gordo onde necessário. As gravações (de todas as sinfonias) foram feitas entre 1982 e 1989. - Paul Kletzki, conduzindo a Orquestra Filarmônica Tcheca - Os registros com a Filarmônica Tcheca são sempre uma excelente escolha. Trata-se de um conjunto que tem todas as qualidade de orquestras como a Filarmônica de Berlim, ou de Viena, só que com um bônus: sua sonoridade peculiar. Deveria ser considerado Patrimônio Cultural da Humanidade. Repare que, embora ela toque afinado e com precisão rítmica, seu som é áspero e sem polimento. Tudo no bom sentido. Essa gravação, de 1965, é altamente recomendável. - Georg Solti, regendo a Orquestra Sinfônica de Chicago - Solti, então regente principal da Sinfônica de Chicago, demorou a gravar sua integral das sinfonias de Beethoven. Mas quando o fez, foi arrasador. Tirava um som ora aveludado ora áspero da orquestra. No final das contas, quase todas as sinfonias foram consideradas superlativas. A quarta é uma das que gosto mais, sendo que eles tocam com mais vigor que outras versões por aqui. A gravação é de 1988. - Mikhail Pletnev, regendo a Orquestra Nacional Russa - A orquestra toca muito e seu som é cristalino, transparente. Parece que tem menos instrumentos, deixando a textura mais limpa. Pletnev sabe fazer os climas e atmosferas de que precisamos. Gravação excepcional, de 2012. - Emmanuel Krivine, regendo La Chambre Philharmonique - Essa é a única gravação com interpretação com instrumentos de época que vou recomendar. É a melhor. Há outras boas: Nikolaus Harnoncourt com o Concentus Musicus Wien (2 vezes), Christopher Hogwood, com a Academy of Ancient Music e John Eliot Gardiner, com a Orchestre Révolutionnaire et Romantique. Mas repito, esta é a melhor. A orquestra é muito afiada e precisa e Krivine tem uma atuação magistral. É de 2009-2010. - Giovanni Antonini, com a Kammerorchester Basel - Essa versão se aproxima um pouco da de Krivine, não que ele use instrumentos de época, mas escolheu uma orquestra de câmara. Com isso, tem menos instrumentos nos naipes de cordas, deixando a sonoridade do conjunto cristalina. A interpretação é muito bem pensada, até os andamentos são escolhidos com sabedoria. - Iván Fischer, com a Orquestra Festival de Budapest - Fischer montou a orquestra que quis, em Budapeste. Recrutou os melhores instrumentistas da Europa e, desde sua estreia, a orquestra foi um sucesso, arrancando críticas positivas por onde passa e a cada CD que lança. Nesta gravação ela se prova muito eficiente. O som gravado é excepcional. A gravação foi lançada em 2010.

  • Sinfônica de Chicago - As Melhores Orquestras do mundo 5

    A melhor orquestra estadunidense, na minha opinião, é a Sinfônica de Chicago. É uma orquestra primorosa, com instrumentistas solistas respeitados e uma linhagem de maestros que permaneceram um bom tempo a liderar o conjunto. A Orquestra de Cleveland, que quase empata com ela, é um pouco mais precisa e leve, mas a de Chicago tem a famosa seção de metais, supostamente, a melhor do mundo. As madeiras, é verdade, embora compostas por virtuoses, têm uma leve dificuldade de afinar. Isso fica evidente nas gravações, mas não incomoda. Como instituição, a Sinfônica de Chicago tem, ainda, o Coro Sinfônico de Chicago e a Orquestra Cívica de Chicago (uma orquestra de aprendizes). Quero lembrar que, entre 1995 e 2004, o oboísta brasileiro Alex Klein foi primeiro oboísta da Sinfônica. Alex saiu do cargo após ser diagnosticado com Distonia Focal. Mas, em 2016, ele retornou à orquestra por mais um ano. A Orquestra Fundada em 1891, em um período em que estavam surgindo várias Orquestras Sinfônicas nos EUA e na Europa, a Sinfônica de Chicago já foi uma das "Big Five"(um grupo selecionado pelos críticos como as maiores orquestra dos EUA, que consistia em Orquestra de Filadélfia, Orquestra de Cleveland, Orquesra Sinfônica de Boston, Orquestra Filarmônica de Nova Iorque e a própria Chicago). Essa denomimação foi abandonada com os anos, pois outras orquestras americanas: Sinfônica de San Francisco, Filarmônica de Los Angeles, Sinfônica de Atlanta, Sinfônica de Pittsburgh, Orquestra de Minnesota e muitas outras, foram aparecendo com níveis excelentes e aí já não cabia mais uma tão americana hierarquização; Mas a verdade é que as "Big Five" permanecem. Talvez a de Filadélfia e a de Nova Iorque tenham enfraquecido. Mas é só. O primeiro concerto da Sinfônica de Chicago foi em 16 de outubro de 1891. Trata-se de um conjunto preciso, afiado, que quando quer tocar forte, a sala treme e tem, como já disse, a melhor sessão de metais dos EUA. Agora veja: Cordas: Robert Chen é seu spalla; na Viola Principal, temos Li-Kuo Chang; o Violoncelo Principal é Jonh Sharp (e também Kenneth Olsen); o Contrabaixo Principal é Alexander Hanna; Lynne Turner fecha a sessão, na Harpa. Metais: na Primeira Trompa temos David Cooper e Daniel Gingrich (eles se alternam); o Primeiro Trompete é Esteban Batallán; o Primeiro Trombone é Jay Friedman e o Trombonista Baixo é Charles Vernon; na Tuba, Gene Pokormy. Agora vamos às Madeiras. Na Primeira Flauta, está Stefán Ragnar Höskuldsson; no Flautim, Jennifer Gunn; o Primeiro Oboé é William Welter; no Corne Inglês temos Scott Hostetler; no Primeiro Clarinete temos Stephen Williamson; alternando no Primeiro Clarinete e também no Clarinete em Mi Bemol, Jonh Bruce Yeh; no Primeiro Fagote alternam-se Keith Buncke e William Buchman e no Contrafagote, Miles Maner. Percussões: nos Tímpanos temos David Herbert e Vadim Karpinos e nas Percussões em geral, temos Cynthia Yeh e Patricia Dash. Um fato que preocupa muito as orquestras (e a mim) é a proporção homens/mulheres. Na Sinfônica de Chicago, de um total de 91 músicos, 36 são do sexo feminino. Pouco mais de um terço. Para falar a verdade, é até uma evolução em relação ao Século XX, em que a Filarmônica de Viena simplesmente vetava mulheres; em que o regente Herbert Karajan, ao tentar emplacar a clarinetista Sabine Meyer na Filarmônica de Berlim, encontrou forte resistência e sofreu irreparável desgaste; em que a reputadíssima trombonista Abbie Conant foi sucessivamente boicotada depois de ter conquistado o papel de Primeira Trombonista da Orquestra Filarmônica de Munique, em uma audição às cegas. Problemas surgiram quando descobriram que a Primeiro Trombonista era mulher. Os outros trombonistas disseram que seu período probatório tinha terminado e a ofereceram a vaga de Segundo Trombone. O maestro Sergiu Celibidache não parava de aborrecer a moça e, dois anos depois, a colocou no cargo de Segundo Trombone (nada contra segundos trombonistas, mas é um cargo subalterno ao primeiro e ganha consideravelmente menos, sem falar que o primeiro de cada naipe tem que ser aquele que toca melhor). E ela passou na vaga de Primeiro Trombone. Na audição às cegas, em que os julgadores não veem o candidato, ela foi aprovada como a "esmagadora primeira opção". Na Sinfônica de Chicago o caso não é tão alarmante, pelo menos não o fato de as mulheres serem minoria. O que preocupa é que nenhuma delas ocupe posição de liderança, sendo sempre relegadas às últimas cadeiras. Isso é um crime e saber que mulheres que tocam melhor que homens estão perdendo vagas para eles é simplesmente frustrante. Voltando ao asssuto, orquestra é famosíssima desde a época de Fritz Reiner (anos 50). A sessão de metais é glorificada (por lá, os admiradores conhecem o nome de cada músico deste naipe), desde os mesmos anos 50. É uma orquestra áspera (em comparação com as européias "de veludo"). Os instrumentistas individualmente são excelentes. Eles têm boas cordas, excelentes metais, percussão igualmente excelente e apenas dois problemas, como já mencionei: as cordas são meio rudes e as madeiras, em conjunto, tendem a desafinar um pouco. No ano 2000 a Sinfônica de Chicago participou, com o maestro James Levine, de quase todo o filme Fantasia 2000, uma espécie de continuação do clássico Fantasia, de Walt Disney, 1940 (na primeira vez, com a Orquestra de Filadélfia, sob a regência de Leopold Stokowski). O Festival de Ravinia A Sinfônica de Chicago participa, anualmente, do Festival de Ravinia, que acontece em Highland Park, a 40 km de Chicago. O festival apresenta cerca de 150 atrações e atrai um público de 600.000 pessoas. Ravinia é o nome do espaço, que contém salas de concerto e recital e muito espaço ao ar livre. O Festival acontece nos verões (várias orquestras têm isso, um lugar que as acolha no verão, já que, no inverno, o grupo volta à sua sede e toca em sua sala de concertos usual) e engloba apresentações de música clássica, jazz e teatro. Fundado em 1904 como um parque de diversões, o local ainda abriga construções da época. O Martin Theatre, um belo teatro de recital, é uma sala mediana, voltada a recitais de piano ou de música de câmera. Abriga 850 pessoas. A orquestra se apresenta em um lugar chamado O Pavilhão, que tem capacidade para 3.350 pessoas e foi todo readequado na parte acústica, iluminação e na estrutura mecânica. E, como podem ver, é um local semiaberto e com sutilezas tropicais. Nos anos 1920 o festival se aventurou pela ópera, mas essas incursões, caríssimas, acabaram por acarretar, entre 1930 e 1934, problemas financeiros. E foi só em 1936 que a Sinfônica de Chicago passou a ter residência permanente no Festival. Se bem que, desde 1906, eles passaram a perambular por lá com frequência. Orchestra Hall (a sala de concertos) Em Chicago, a orquestra se apresenta no Orchestra Hall (com 2.522 acentos), que faz parte, hoje em dia, de um complexo cultural chamado Symphony Center. O Orchestra Hall também foi construido em 1904 e é estranho pensar que, durante os anos 1910 ele foi utilizado como sala de cinema para poder se manter durante os meses em que a orquestra estava no Festival de Ravinia. A sala foi encomendada pela orquestra a um famoso arquiteto. A ideia é que o nome dela fosse "Theodore Thomas Orchestra Hall" (nome do primeiro diretor da orquestra), e o fato é que esse nome ainda está inscrito na fachada. Os Maestros A Sinfônica de Chicago tem três diferentes cargos de regente. O Regente Principal, que é aquele que vai morar lá em Chicago, rege a maioria dos concertos e ensaia mais pesado. O Regente Principal é o regente oficial da orquestra. Há o cargo de Regente Entitulado, que equivale ao chamado Regente Convidado. Por fim, há o Regente do Festival Ravinia, que cuida exclusivamente do festival. Façamos uma lista rápida dos regentes principais do início da história da orquestra. Os mais recentes, com que estou mais habituado, merecerão uma sessão dedicada. Theodore Thomas (entre 1891 e 1905) - Este violinista, orquestrador e regente alemão-americano é considerado o primeiro grande maestro dos EUA. Fundou a Sinfônica de Chicago; Frederick Stock (1905–1942) - Outro regente alemão, ficou 37 anos no posto de diretor musical (a antiga denominação do regente titular ou principal). Foi grande incentivador de Florence Price, a primeira compositora mulher e negra a ser tocada por uma grande orquestra (está havendo a volta do interesse por sua obra, gravações estão pipocando - merecidamente, porque ela é demais). E a orquestra que a estreou foi a Sinfônica de Chicago e o regente, Friederick Stock; Désiré Defauw (1943–1947) - Violinista e regente belga; Artur Rodziński (1947–1948) - Um regente americano-polonês, Rodziński era famoso, tinha uma carreira invejável como maestro. Já tinha regido as grandes orquestras do mundo, como a Filarmônica de Varsóvia, a Ópera Nacional de Varsóvia, a Orquestra de Filadélfia, a Filarmônica de Los Angeles, a Orquestra de Cleveland e a Filarmônica de Nova Iorque. Mas sua pouca paciência em lidar com a burocracia fez com que o mandato fosse de apenas um ano; Maetros Modernos Rafael Kubelík (1950–1953) O célebre regente tcheco, de quem já falamos na postagem sobre a Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara, teve, entre 1950 e 1953, uma rápida passagem com a Sinfônica de Chicago. Foi marcada por críticas, especialmente à sua teimosia em incluir no repertório um número aparentemente aterrorizante de obras modernas. E à sua demanda exaustiva de ensaios. Suas gravações, no entanto, eram bem recebidas. Entre outras coisas, ele gravou Quadros de Uma Exposição (Modest Mussorgsky); Minha Pátria (Má Vlast) (Bedřich Smetana), a Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" (Antonín Dvořák) e música de Béla Bartók, Ernest Bloch e Arnold Schoenberg. O que importa é que ele saiu dali rumo a uma carreira estelar, vindo a reger orquestras como a Filarmônica de Berlim, a Filarmônica de Viena, a Sinfônica de Londres, a do Concertgebouw de Amsterdã, a Filarmônica de Israel e a Sinfônica da Rádio Bávara. Além de quase todas as outras norte americanas que formam o "Big Five" (Orquestra de Cleveland, Sinfônica de Boston e Filarmônica de Nova Iorque). Fritz Reiner (1953–1962) O húngaro Fritz Reiner, um dos regentes mais intransigentes e rigorosos de todas as épocas, era um que gostava de trabalhar, sobretudo, um repertório moderno, sendo suas especialidades Richard Strauss e Béla Bartók. Mas, com ele, deu certo, pois ele era tão rigoroso nos ensaios que acabava conseguindo extrair novas sonoridades da orquestra. Quando a assumiu, já era um maestro celebrado e famoso. Seu mandato de 10 anos só foi interrompido pela doença. Ele teve um ataque cardíaco depois do qual sua saúde deteriorou. Em 1962-1963 ele ainda constava como Consultor Musical da orquestra. Morreu em 15 de novembro de 1963. Seu comportamento rude, quase abusivo, mas que os músicos defendiam, foi, na verdade, o caminho encontrado para forjar uma orquestra que a tudo estivesse preparada. Foi no seu mandato que ela atingiu fama mundial e a qualidade de ser um conjunto atento aos mínimos gestos do regente e de ser uma das maiores orquestras do mundo. Além de se tornar uma das orquestras mais gravadas da época. Jean Martinon (1963–1968) O francês Jean Martinon é um regente subestimado. Estudou, em Paris, com Albert Roussel (composição), Charles Munch (regência), Vincent d'Indy (harmonia) e Jules Boucherit (violino). Seu pedigree era perfeito, assim como o que demonstrava no pódio. No entanto, apenas recentemente, nos anos 2010, as suas inestimáveis gravações com Chicago foram lançadas, todas, em uma caixa com 10 discos. O que se vê ali é um regente sensível, talentoso e em pleno comando de sua maestria. Eles gravaram, entre outras coisas, a Suíte Nº 2 de "Dapnis et Chloé" (Maurice Ravel), a Sinfonia Nº 4, "Inextinguível" (Carl Nielsen), os dois Concertos para Clarinete (Carl Maria von Weber) e trechos da Música Incidental para "Sonho de Uma Noite de Verão" (Felix Mendelssohn). Ele fez crescer muito o repertório da orquestra, sobretudo de compositores modernos e dele mesmo, que era compositor e escreveu 6 Concertos, 4 Sinfonias e muito mais. Irwin Hoffman (1968–1969) Hoffman foi a tentativa de emplacar um regente americano. Sua escalada em Chicago foi árdua, ele começou como Regente Assistente (1964-1965), depois passou a Regente Associado (1965-1968), Diretor Musical de Atuação (1968-1969) e, enfim, Regente (1969-1970). De todos esses cargos, o que equivale ao de Regente Principal é esse tal de Diretor Musical de Atuação, de modo que eu não entedo esse último posto de Regente. O fato é que Hoffman galgou todos estes degraus para, no fim, ficar apenas uma temporada no cargo. Por mais talentoso que tivesse se mostrado no início da carreira (ele estreou regendo a Orquestra de Filadélfia), essa carreira nunca decolou. Ele, então, se fundiu à cultura sul-americana e permaneceu regendo orquestras de segundo escalão até sua morte, em 2018, aos 93 anos de idade. Não há, no Spotify, alguma gravação dele com a Sinfônica de Chicago. Georg Solti (1969–1991) Agora estamos falando sobre um daqueles super-homens da regência (ele também era pianista). Sir (repare no Sir) Georg Solti foi um dos regentes mais bem sucedidos da história. Nascido em Budapeste, na Hungria, ele começou seus estudos lá mesmo. Foi aluno de ninguém menos que Béla Bartók e Ernő Dohnányi. Dois dos maiores compositores húngaros do Século XX. Ele é um regente de Ópera e também de Música Sinfônica. Os 19 Lps em que gravou as quatro óperas que compõem o Ciclo "O Anel dos Nibelungos", de Richard Wagner, acabaram tão famosos que viraram Pop (foi com a Filarmônica de Viena), tendo vendido 9 milhões de cópias, se tornado uma das grandes gravações do século e ganhado o Grand Prix du Disque e Grammys. Foi antes do período com a Sinfônica de Chicago, tendo as gravações ocorrido entre 1958 e 1965. Mas precisamos voltar a Chicago. A Sinfônica o convidou 2 vezes e, quando ele acabou aceitando, exigiu a presença de seu colega maestro e amigo Carlo Maria Giulini como Principal Regente Convidado. Giulini ficaria no cargo entre 1969 e 1972 e faria umas boas gravações com a orquestra. Mas o clima não estava bom. Não pela relação entre ele e a orquestra, mas porque esta estava vivendo uma crise financeira. Solti agiu, mostrou a importância de a orquestra ampliar seu alcance internacional, garantiu que seu contrato com a Decca previa gravações em Chicago e levou a orquestra para a sua primeira turnê internacional. Eles (e Giulini foi junto) excursionaram por 10 países europeus. As ações deram certo e as finanças voltaram ao normal. Solti também trouxe experiências musicais novas à orquestra. Especialmente a interpretação do ciclo das 9 Sinfonias do Romântico Anton Bruckner e das 9 do também Romântico Gustav Mahler. E obras de compositores norte-americanos, como Charles Ives e Elliott Carter. Eles gravaram incansavelmente e isto gerou, por exemplo, a primeira gravação completa de Solti das 9 Sinfonias de Ludwig van Beethoven, além das 4 de Johannes Brahms e das já mencionadas de Bruckner e Mahler. Também, obras de Bartók, Franz Liszt (a Sinfonia Fausto), Edward Elgar (as Variações Enigma), Johann Sebastian Bach (A Paixão Segundo São Mateus), Antonín Dvořák (a Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo") e Igor Stravinsky (A Sagração da Primavera). Solti e a orquestra continuariam fazendo música mesmo após o fim do contrato, em 1991. Ele foi nomeado Diretor Musical Laureado até 1997. Com a Sinfônica de Chicago ele regeu 999 concertos e estava programado para reger o milésimo, mas morreu um mês antes, aos 85 anos, em setembro de 1997. Daniel Barenboim (1991–2006) A partir de Fritz Reiner, a Sinfônica efetivamente só contratou regentes de renome. E, de fato, depois dele não houve uma contratação ruim. É o caso de Daniel Barenboim, um regente que era um dos maiores pianistas vivos (ele se aposentou recentemente para cuidar da saúde) e tinha uma manada de seguidores. O argentino fez a transição do piano para o pódio da maneira que achou mais simples: gravando os 27 Concertos para Piano de Wolfgang Amadeus Mozart (quase nunca gravam, de fato, os 27, já que os quatro primeiros são apenas exercícios de Mozart ainda no útero e dois são para mais de um piano) regendo a Orquestra de Câmera Inglesa e tocando ao mesmo tempo. Hoje em dia outros se aventuram nessa empreitada (tocar e reger ao mesmo tempo), mas, na época, era coisa de super gênio. Sua primeira experiência como titular de uma orquestra sinfônica foi com a Orquestra de Paris, seguida pela Ópera da Bastilha e, então, a Sinfônica de Chicago. Depois dela, assumiu o posto de Staatskapellemeister da Staatskapelle Berlim, o que consequentemente o tornou diretor da Ópera Estatal de Berlim (ele que sempre quisera ser o maestro da Filarmônica de Berlim). Daniel não manteve a Staatskapelle como uma orquestra de ópera. Fez inúmeras e elogiadas gravações de música sinfônica com a orquestra. Ele, que é judeu mas sempre lutou pela causa palestina, fundou, em 1999, a Orquestra West–Eastern Divan, em que reuniu músicos palestinos e israelenses, como uma declaração de que esses dois povos podem viver em harmonia e fazer, simplesmente, música. Em 1990 tornou-se notícia internacional quando regeu a Filarmônica de Israel, tocando 2 Aberturas de Richard Wagner em Israel. Acontece que Wagner era um compositor antissemita e personalidade considerada crucial na ascenção do Nazismo - mesmo que estivesse morto décadas antes que o nome Nazismo surgisse. Barenboim foi casado com a violoncelista inglesa Jacqueline du Pré, que era uma musicista de extremo talento e refinamento. Acontece que Jacqueline veio a ser diagnosticada com Esclerose Múltipla, sendo forçada a parar de tocar aos 28 anos. A doença causaria sua morte aos 42 anos. A passagem de Barenboim por Chicago foi profícua, eles tendo gravado vários discos, como as Sinfonias 4, 5 e 6 "Pathétique" de Piotr Tchaikovsky; a Missa em Ré Maior e a Missa Solemnis, de Ludwig van Beethoven; Um Réquiem Alemão, de Johannes Brahms; o Réquiem de Giuseppe Verdi; obras de Maurice Ravel, Gustav Mahler, Alexander Borodin e Nikolai Rimsky-Korsakov, entre muitas outras coisas. Bernard Haitink (2006-2010) O regente holandês Bernard Haitink passou quase sua vida inteira como titular da Orquestra Real do Concertgebouw de Amsterdã, entre 1961 e 1988. Depois, foi para a Inglaterra, onde obteve o cargo de regente principal da Filarmônica de Londres (1967-1979). Depois, Kapellemeister da Staatskapelle de Dresden, entre 2002 e 2004 (uma orquestra de muito mais tradição do que a Staatskapelle de Berim, que Barenboim regeu - se bem que esta também é uma orquestra excelente), e, finalmente, Chicago, chegando, em 2006, para ocupar a vaga de Regente Principal. Era um regente de primeiríssima categoria, tendo ficado tanto tempo à frente da Concertgebouw, que sempre aparece entre os três primeiros lugares nas listas de melhores orquestras do mundo (na da Arara, ficou em 2º). Sua especialidade, como a de muitos, é a música (especialmente as Sinfonias) de Anton Bruckner e de Gustav Mahler. Aliás, ele é um dos responsáveis por, nos anos 60, ressucitar a música de Mahler, juntamente com Leonard Bernstein, da Filarmônica de Nova Iorque. O feitiço foi tão bom que temos, hoje, uma verdadeira predominância de Mahler nas Salas de Concerto. Foi durante o seu mandato, precisamente em 2007, que a Sinfônica de Chicago tomou uma libertadora atitude, que outras orquestras estavam tomando. A de lançar seu próprio selo de gravação, o CSO Resound. Isso permite à orquestra gravar seus próprios concertos, contratar técnicos de som, engenheiros de som, produtores e, no fim, colocar seus discos à venda sem depender de uma gravadora. Eles já lançaram várias Sinfonias de Mahler, de Bruckner, de Schostakovich e obras de Ravel, Schoenberg, Berlioz e mais. Com Bernard Haitink, foram oito álbuns. Riccardo Muti (2010-hoje) Riccardo Muti é um regente italiano, hoje com quase 82 anos, que tem facilidade tanto com Ópera quanto com Música de Concerto. Ele começou sua carreira quando, em Milão, 1967, ganhou, por unanimidade, o Concurso de Regência "Guido Cantelli", que também tinha como prêmio o cargo de Diretor Musical do Maggio Musicale Fiorentino, um festival de Música Clássica em Florença que inclui ópera. Ele permaneceu em lá por 11 anos. Em 1971 ele passou a ser frequente convidado do Festival de Salzburgo (acontecendo na cidade natal de Mozart, o festival tem grande foco nas óperas do compositor austríaco). Muti seguiu sua carreira assumindo, em 1986, o posto de Regente Principal da Filarmônica della Scalla. Ao mesmo tempo, entre 1980 e 1992 ele foi Diretor Musical da Orquestra de Filadélfia, assumindo a batuta direto das mãos do grande Eugene Ormandy. Muti prometeu que manteria o "Philadelphia Sound", a sonoridade especial da orquestra, rica, gorda, exuberante, com boas doses de portamento. Só que ele não fez nada disso, o que não é de todo mal, porque a orquestra já soava antiga. Em 1989, quando Herbert von Karajan morreu e deixou vago o posto mais cobiçado da Terra, Muti era um dos cotados, assim como Daniel Barenboim, para assumir a Filarmônica de Berlim. Não aconteceu a nenhum dos dois. O contemplado foi o italiano Claudio Abbado. Riccardo Muti seguiu. Tornou-se um dos maestros mais respeitados do mundo, regeu muita ópera, preparou novos regentes até que, em 2010 foi convidado a ser Regente Principal da Sinfônica de Chicago. Em Chicago, Muti vem fazendo um excelente trabalho. Foi contratado, primeiro, por 5 anos e depois teve uma extensão de 2 anos e outra, até 2023. Ele já deixou claro que quer encerrar seu mandato em 2023. Vamos esperar que um novo talento venha contribuir na construção do som e da técnica dessa fantástica orquestra. Algumas das gravações principais de Muti e Chicago são: a 9ª Sinfonia de Bruckner; a 13ª Sinfonia de Dmitri Shostakovich, chamada "Babi Yar"; a Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz (todo regente que vai até Chicago tem quase a obrigação de gravar essa sinfonia); a Suíte Romeu e Julieta, de Sergei Prokofiev; a Ópera Otello, de Giuseppe Verdi e outras. Outros Regentes Importantes Outros regentes extremamente talentosos tiveram uma relação próxima com a Sinfônica de Chicago. Ao menos dois têm que ser mencionados. Claudio Abbado - Regente Convidado Principal (1982-1985). O regente italiano, que, em 1989, seria consagrado o 10º Regente Principal da Filarmônica De Berlim, teve uma saudável rotina de gravações em Chicago. Podemos incluir os Concertos Nos. 1 e 2 para Piano e Orquestra de Béla Bartók, com o pianista Maurizio Pollini; a (adivinha) Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz; o Concerto para Violino em Mi Menor de Felix Mendelssohn e o Concerto para Violino Nº 1 de Max Bruch, ambos com Shlomo Mintz ao violino, Sinfonias de Mahler e obras orquestrais de Sergei Prokofiev, entre outras coisas. Pierre Boulez - Regente Convidado Principal (1995-2006) e Regente Emérito Helen Regenstein (2006-2016). O compositor francês que virou maestro, Boulez começou a reger compositores não apenas modernos, mas românticos. Sua discografia com a Sinfônica de Chicago inclui: a Suíte de "O Pássaro de Fogo", de Igor Stravinsky; obras orquestrais de Edgard Varèse e Assim Falou Zarathustra, de Richard Strauss. Gravações Recomendadas - Dmitri Shostakovich - Sinfonias Nos. 4 e 5, regidas por André Previn - Gravadas em 1977, as duas antagônicas Sinfonias (uma foi considerada subversiva pela União Soviética, e a outra, Shostakovich a apresentou como um duvidoso pedido de desculpa) têm, na verdade, muito em comum. É a linguagem sinfônica de Shostakovich, que é única e facilmente reconhecível. A 4ª, de 1936, tem um linguajar mais moderno, mais dissonante, além de flagrantemente militar. Foi sugerido pela orquestra que a ensaiava que Shostakovich desistisse da estreia. E estreada ela só seria em 1961. Já a 5ª, de 1937, considerada mais amigável por Stalin (e uma das mais célebres e adoradas do compositor), é, na verdade, cheia de códigos e piscadelas ao povo russo. As duas são brilhantes e colocá-las lado a lado em um disco (ainda que elas tenham sido lançadas casadas apenas recentemente) foi uma jogada sagaz. A atuação de Previn é impecável, tranzendo-nos uma versão da 4ª para entrar na história. A 5ª tem muito maior concorrência. Mesmo assim ele se sai bem. A Sinfônica de Chicago está fantástica (as obras têm vários momentos de solo dos sopros e pode-se dizer que são virtuosísticas). - Sergei Rachmaninoff - Concerto para Piano Nº 2 e Rapsódia Paganini, regidos por Fritz Reiner, com Arthur Rubinstein ao piano - Tendo sido gravados com a tecnologia Living Stereo, o som é muito próximo do moderno (foram gravadas em 1958 e 1960, e isso é assustador). Foram durante muito tempo as gravações definitivas de ambas obras. O disco abre com o Concerto Nº 2, que soa febril (no bom sentido). As cordas da Sinfônica soam gloriosas. O terceiro movimento ficou um pouco mais lento do que de costume (não que precisemos de provas do virtuosismo de Arthur Rubinstein), mas o final é arrebatador. A Rapsódia Paganini é tocada delicadamente, onde deve ser, e com virilidade, onde cabe. Tanto Rubinstein quanto a orquestra timidamente se soltam em um lindo momento, na Variação XVIII. - Carl Nielsen - Sinfonia Nº 4, "Inextinguível", regida por Jean Martinon - As 6 Sinfonias do compositor dinamarquês Carl Nielsen são fortes. As mais conhecidas são a 4ª e a 5ª. Ela é de 1916 e tem um grande e famoso duelo de tímpanos no último movimento. Logo de entrada percebe-se como é mágico o som da Sinfônica. Martinon, como disse, um regente subestimado, extrai da orquestra a última cor, o último perfume em uma gravação que só pode ser louvada. O título "Inextinguível" refere-se, segundo o compositor, ao "espírito da vida ou manifestações de vida, isto é: tudo que se move, que quer viver... apenas vida e movimento". O disco contém, ainda, a igualmente excelente Abertura Helios, também de Nielsen. A gravação é de 1966. - Gustav Mahler - Sinfonia Nº 5, regida por Daniel Barenboim - Só não se pode dizer que a 5ª, de 1902, é a mais famosa de Mahler porque quase todas são. A versão de Barenboim é sensível e convincente. O Adagietto não soa nem um pouco piegas, enquanto os movimentos extremos soam vorazes e afirmativos. A expressividade dessa gravação é prodigiosa. A orquestra responde perfeitamente. Trata-se de uma das sinfonias mais belas e carregadas de significado em todo o repertório. Gravada em 1998. - Anton Bruckner - Sinfonia Nº 9 (versão original de 1894), regida por Riccardo Muti - Outro disco que nos mostra o poder sonoro da Sinfônica de Chicago. O nível de afinação entre os metais é realmente de outro mundo. Muti não é um regente tão talentoso quanto Martinon e outros aqui (mas é extremamente confiável), então o que ele faz é trabalhar nos habituais accelerandi, ritardandi, dinâmicas e se confiar na sonoridade magistral da orquestra. Gravação ao vivo de 2017. - Igor Stravinsky - A Sagração da Primavera / Claude Debussy - La Mer / Pierre Boulez - Notations VII, regidos por Daniel Barenboim - Gravadas em 2000, as obras recebem diferentes tratamentos e têm diferentes resultados. Na Sagração, brilha a orquestra, em uma performance equilibrada: por vezes é recatada, outras vezes é animalesca. É uma excelente gravação. La Mer, de Debussy me parece um pouco magra, enxuta demais, removendo o encanto da música. Notations VII, de Boulez (o mesmo regente) por incrível que pareça, é a mais espontânea, tocada como se pela milésima vez. O som gravado é excelente, o som da orquestra é magistral e a transparência de textura é fantástica. - Frédéric Chopin - Concerto para Piano Nº 2, regido por Claudio Abaddo e com Ivo Pogorelić ao piano - Aqui o som da orquestra está exuberante e desinibido. A concepção de Abbado para a obra é de uma música à vontade consigo, tirando fogo da orquestra, quando quer. Em início de carreira, mas já apontado como gênio por ninguém menos que Martha Argerich, o pianista croata Ivo Pogorelić era jovem, mas já era confiante e tecnicamente preparado para esse que, segundo Nelson Freire, é o concerto mais difícil do repertório (insisto que não é, mas entre a palavra de Nelson Freire e a minha...) No segundo movimento, Larghetto, todos estão em sintonia, a orquestra produzindo o som mais delicado antes do silêncio. É uma das maiores gravações desta obra e da história do disco. A maior, de fato, é de Nelson Freire (piano), com a Orquestra Gürzenich de Colônia regida por Lionel Bringuier. A de Pogorelić / Abaddo é de 1983. - Franz Schubert - Sinfonia Nº 9, "A Grande", regida por Carlo Maria Giulini - Um disco em que Schubert não soe tolo (genial e tolo), só pode ser obra de Carlo Maria Giulini. Os temas quase infantis são tratados com seriedade e graciosidade. É um disco bastante célebre e bem-falado. Giulini também consegue da orquestra uns contrastes encantadores. O disco traz também a Abertura de Concerto "Manfred", de Robert Schumann, mas esta é tocada pela Orquestra Filarmônica de Los Angeles. A Sinfonia foi gravada em 1977. - Edgard Varèse - Obras Sinfônicas, regidas por Pierre Boulez - Este disco, de 2001, contém as seguintes obras: Amériques, Arcana, Déserts e Ionisation (que têm entre 6 e 25 minutos, cada), as peças mais conhecidas do compositor francês de vanguarda Edgard Varèse. Uma música repleta de sonoridades que você não esperaria de uma orquestra, mas que a Sinfônica de Chicago executa com a maior precisão e altivez. Se outrora louvamos os metais, as percussões brilham, aqui. Boulez faz um trabalho ímpar, na musica do seu amigo. O disco é de 2001. - Johann Sebastian Bach - Missa em Si Menor, regida por Georg Solti - Temos aqui uma gravação de Bach da época em que uma grande orquestra ainda podia gravá-lo. Hoje em dia ele foi confiado às Orquestras Barrocas, que têm instrumentos do Século XVIII e técnicas que juram ter encontrado em cartas e tratados. Acabam convencendo você que só elas têm capacidade moral para tal empreendimento. É por isso que eu gosto de uma boa interpretação à moda antiga, com vibrato nas cordas e nas vozes e um som cheio, mais capacitada a lhe pôr a chorar. Essa gravação, de 1988, tem a grandeza que Bach merece. E não é que eu não goste das interpretações "de época". Mas esses dois estilos deveriam coexistir. - Béla Bartók - Concerto para Orquestra, Suíte de Dança e Música para Cordas, Percussão e Celesta, regidos por George Solti - Mais um disco espetacular de Solti. Ele rege obras do compositor que foi seu professor, em Budapeste. E Solti tem uma autoridade, um traquejo na música de Bartók, aos quais só nos sobra contemplar. O dificílimo Concerto para Orquestra é tocado com a maior facilidade que eu já vi. Sendo um Concerto para Orquestra, ele deve pôr à prova cada músico, cada naipe. Os múicos tiram de letra, mas sem relaxamento - eles tocam na ponta de suas cadeiras. A Suíte de Dança é uma peça mais simples, mas igualmente divertida. São 6 movimentos curtinhos e o Allegro final é bestial. A Música para Cordas, Percussão e Celesta é outra coisa: amorfa, arrítmica, abstrata, é uma música de outro planeta. Algum gigante gasoso em que pairaremos eternamente sem nunca pousar. As peças foram gravadas em 1981 e 1989. - Modest Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição, regido por Carlo Maria Giulini - Giulini. Com seus tempos largos e gestos lânguidos. Mas espero que concordem que, enquanto esteve lá com Solti, era Giulini que produzia os melhores resultados. Esse Quadros de Uma Exposição é tocado com tanta naturalidade e frescor... E quando as dissonâncias e os fortes têm que vir, vêm da maneira mais natural. O disco tem outras peças, mas não liguem, são outros regentes com outras orquestras. A gravação é de 1977. - Ludwig van Beethoven - As 9 Sinfonias, regidas por George Solti - São 7 discos. Um deles é uma entrevista com Solti. Foi o primeiro ciclo das 9 Sinfonias de Beethoven que ele gravou. Ele diz que abraçou Beethoven "na segunda metade da [sua] vida". Atribui seu estilo, ao reger o compositor, ao lendário maestro italiano Arturo Toscanini. Comenta, também, que não precisou ensinar nenhuma técnica européia de tocar Beethoven à Sinfônica de Chicago, explicando que, desde Fritz Reiner, a orquestra havia adquido qualidades que se encaixavam no seu estilo: "a qualidade sonora, a precisão rítmica, os propósitos de dinâmica... então, tudo que eu pedia, já estava bem perto deles". Já as tinha, obviamente, tocado separadamente em outras ocasiões. As gravações com a Sinfônica de Chicago estão perto do topo de uma pilha descomunal de integrais das Sinfonias de Beethoven. A qualidade é insanamente alta. A 1ª Sinfonia é assertiva, com os vários acordes tocados simultaneamente jamais terem soado tão simultâneos. As cordas estão perfeitas em timbre e expressão. A 3ª, "Eroica" soa tão convincente! É uma sinfonia dificílima de fazer soar corretamente. Eles adotam um andamento um tanto mais lento que o usual. O Segundo Movimento, a "Marcha Fúnebre" é tocado com uma dignidade ímpar. Na 4ª Sinfonia eles produzem a atmosfera perfeita, na introdução. A 5ª Sinfonia é o ponto alto do álbum, na minha opinião. Sem o polimento das gravações europeias, aqui ela soa crua e ameaçadora (no primeiro movimento) como nunca soou. O Finale, embora tocado um pouco lento, é eletrizante. A 6ª, "Pastoral", nos traz uma boa tranquilidade, sem abrir mão da robustez sonora. A 7ª pode soar ora desolada, ora festiva, características das quais maestro e orquestra se aproveitam de maneira exemplar. A 8ª é executada com uma precisão rítmica e das dinâmicas que a tornam outro ponto alto do álbum. A 9ª está frenética, mas não posso dissertar sobre o último movimento, que nunca fez a minha cabeça. O disco ainda contém as aberturas "Egmont", "Coriolano" e "Leonora III", todas igualmente soberbas. Foi tudo gravado entre 1972 e 1974. - Gustav Holst - Suíte Os Planetas, regida por James Levine - Não gosto de falar de James Levine. É difícil falar dele, tem que explicar que ele era um monstro, mas um dos músicos mais talentosos que os Estados Unidos já produziram. E que, musicalmente, a gente tem que julgar o legado gravado. Essa gravação talvez seja a melhor de Os Planetas. A orquestra certa e o maestro certo. É conhecida a alternância de humores que percorre os movimentos da suíte. Pois eu garanto, ninguém jamais tocou as sessões fazendo-as tão diferentes umas das outras quanto aqui. A Sinfônica de Chicago fez, aqui, um dos seus melhores registros. E o Coro Sinfônico de Chicago aparece de forma arrepiante na última faixa: "Netuno, o Místico". Gravação de 1989. - Richard Strauss - Assim Falou Zarathustra, regido por Pierre Boulez - Uma versão do poema sinfônico em 9 movimentos de Strauss, de 1896, que foi gravada com extrema sensibilidade, tanto por Boulez quanto pela Sinfônica. Trata-se de uma música difícil, Strauss era um gigantesco orquestrador. É baseada na obra de ficção filosófica de Friedrich Nietsche, de mesmo nome. A orquestração é avantajada, incluindo 32 violinos, 6 trompas, vasta percussão e órgão. Ela contém uma famosíssima fanfarra de trompetes que, no início, parece ser a introdução, mas acaba ocorrendo em toda a música. O disco, de 1999, traz, ainda, uma gravação impecável de "Totenfeier" (Ritual Fúnebre), de Gustav Mahler, que é o primeiro movimento de sua 2ª Sinfonia "Ressurreição". - Richard Strauss - Don Quixote e Don Juan, regidos por Fritz Reiner - Gravação muito boa, para a época (foi gravado entre 1954 e 1959), graças à tecnologia Living Stereo, da gravadora Mercury. Mostra bem como a orquestra já era excelente. Don Quixote é, obviamente, baseado na obra de mesmo nome de Miguel de Cervantes, e exige um Violoncelo Solo (aqui, Antonio Janigro) representando Don Quixote, uma Viola Solo, mas esta, da orquestra (Milton Preves) representando Sancho Panza, além de, sendo Strauss, uma orquestra grande. É uma peça interessantíssima, que faz a orquestra produzir sons onomatopaicos e é virtuosística. Ele usa a máquina de vento, um instrumento cujo único propósito é o de imitar o som do vento. O poema sinfônico tem 14 movimentos e dura quase 45 minutos. Don Juan, mais conhecido, certamente por ser mais curto (tem um movimento só e dura, nessa gravação, 16:30 minutos). É uma peça altamente dinâmica e conhecida por ser uma das mais difíceis do repertório sinfônico. A orquestra está realmente muito bem, mostrando que não há obra difícil para ela. Lista de outras postagens aqui. Deixe seu comentário!

  • Lully - Dormons, Dormons Tous, da Ópera Atys

    Por Rafael Torres Há um bom tempo eu tenho vontade de escrever sobre este que é um dos meus trechos de ópera mais amados. Na verdade, não se chamava ópera, mas tragédie lyrique, que nada mais era que um estilio de ópera francês. Atys foi composta em 1675, dez anos antes, portanto, do nascimento de Johann Sebastiann Bach. Para nos situarmos historicamente, já que Bach nada tinha a ver com a ópera francesa, ou com qualquer ópera que seja. Jean-Baptiste Lully Jean-Baptiste Lully, o mais italiano dos compositores franceses, nascido Giovanni Battista Lully, em Florença, 1632, foi um compositor, violonista, violinista e dançarino que, após migrar para a França, adquiriu cidadania daquele país em 1861. Encontrou, também, uma personalidade francesa, compondo perfeitamente no estilo local. No ano seguinte, o de 1662, ele foi convidado por Luís XIV para ser Superintendente de Música Real e Mestre de Música Real da Família Real. O Grão Ducado da Toscana, onte trabalhava antes, produziu documentos para sua naturalização. A partir dessa contratação, ele passou a escrever música para a Família Real e Luís XIV. Lully teve uma vida profissional ideal, pela qual foi escalando rapidamente. Mas uma tragédia o visitou. Quando dirigia um Te Deum, um hino cristão sobre cuja letra, vários compositores puseram música, que ele tocava para seu adorado rei, o inesperado aconteceu. Ocorre que Lully estava regendo a orquestra e o coro. Naquela época, se regia com um bastão enorme, batendo com ele no chão, para que o baque marcasse o tempo para os músicos. Em um dos tempos, Lully errou a mira e atingiu o próprio pé, com violência. Aquilo criou uma ferida preocupante que acabou gangenando. Como o compositor se recusava a amputar, já que ainda pretendia dançar, só havia um destino possível. Lully passou a ser o primeiro músico a morrer em decorrência de uma regência (mas não o último - aguarde pelas próximas postagens). A cultura musical na Corte de Luís XIV tinha um ambiente bem interessante, com vários compositores celebérrimos fazendo parte da trupe. É o caso de: Michel Richard Delalande, ou Lalande, que escrevia música sacra (grandes motetos franceses em um dos trimestres do ano; Jacques Thomelin, organista da Chapelle Royale. Outros que dividiram o mesmo mundo com Lully, ainda que longe ou em idades bem diferentes, eram: Henry Purcell (Inglaterra); François Couperin (França); Alessandro Scarlatti (Itália); Marc-Antione Charpentier (França); Arcangelo Corelli (Itália); Heinrich Ignaz von Bibber (República Tcheca/Áustria); Claudio Monteverdi (Itália) E muitos outros. Jean-Baptiste Lully nos deixou obras importantes (a grande maioria são óperas e balés) que são, até hoje, encenadas e gravadas. Veja algumas: Thésé (1675) (o que chamamos hoje de ópera); Atys (1676) (ópera); Ísis (1677) (ópera); Psyché (1678) (ópera); Bellérophon (1679) (ópera); Proserpine (1680) (ópera); Persée (1682) (ópera); Phaëton (1683) (ópera); Amadis (1684) (ópera); Roland (1685) (ópera); Armide (1686) (ópera); Achille et Polyxènne (1687) (ópera); Mascarade de la Fiore de Saint-Germain (1652) (balé); Le Grande Ballet des Bienvenus (1655) (balé); Psyché ou de na Puissance de lamour (1656) (balé); Ballet de Toulouse (1660) (balé); Ballet de l'Imperatrice (1661) (balé); Le Triomphe de Bacchus dans les Indes ou Ballet de Créquy (1666) (balé); Le Temple de la Paix (1685) (balé); E outros balés e óperas. A Ópera Atys Eu já comentei bastante, aqui, que não gosto de ópera. Acontece que a ópera barroca é mais sublime. Se, um dia, eu me interessar por ópera, será pela barroca. Lully foi um dos mais importantes operistas do século XVII. E da França. E da corte de Luís XIV. Atys, de 1675, pode ser chamada de ópera, mas o nome oficial é tragédie en musique. O libreto é de Philippe Quinaut, e ele se baseou no poema Os Fastos (em 6 livros), de Ovídio. É uma ópera barroca francesa com um prólogo e 5 atos, em Sol Menor. Era apelidada de "L'opéra du Roi", pois Luís XIV a adorava. Não vou falar sobre o enredo da peça porque o que nos interessa agora é apenas um trecho dela. Dormons, dormons tous - "Durmamos, Durmamos Todos" (3º ato) Eis que, no meio do terceiro ato, temos essa beleza aqui. Abaixo, voce pode escutar "Dormons, Dormons Tous" pelo grupo especializado em Música Barroca Les Arts Florrisants, coordenados e regidos por William Christie (com uma batuta, eu poderia apostar). Trata-se de um trio (que é quando uma ária é cantada por três cantores), cantado pelos personagens Hipnos (o Deus do Sono - haute-contre, o equivalente francês ao tenor), Morfeu (Filho do Sono - haute-contre) e Fobetor (Filho do Sono - barítono). Eles cantam enquanto Atys (haute-contre), o personagem central da ópera, que não canta nessa cena) está dormindo, enfeitiçado por Hipnos. A letra vai mais ou menos assim: Hipnos Durmamos, durmamos todos Ah! Que doce é o descanso Morfeu Reine, divino Sono, reine sobre todo o mundo Espalhe suas mais soporíferas papoulas Encante o cuidado, cativa os sentidos Mantenha todos os corações e profunda segurança Fobetor Não deixe nenhum barulho brutal ser feito Flui, murmúrio, seus claros regatos Apenas o som das águas Acalma a doçura de tão aprazível silêncio Hipnos Durmamos, durmamos todos Ah! Quão doce é o descanso Le Sommeil Dormons, Dormons tous Ah! Que le repos est doux! Morphée Regnez, divin sommeil, regner sur tout le monde Répandez vos pavots le plus assoupissans Calmez le soins, charmer le sens Retenez tous les coeurs dans une paix profonde Phobétor Ne vous faites point violence Coulez, murmurez, clairs reuisseaux Il n'est permis qu'au bruit des eaux De troubler la douceur d'un si charnant silence Le Sommeil, Morphée, Phobétor Dormons, Dormons tous Ah! Que le repos est doux! Vou, então, apenas pontuar algumas coisas excepcionalmente interessantes ou belas. Primeiro, o clima meio sombrio que já se ouve na introdução; O diálogo entre os Violinos e as Flautas Doces; A longevidade da introdução; Com o primeiro cantor, ouvimos o Baixo Contínuo como único acompanhamento; O segundo cantor entra, nós não percebemos direito, pois ele e o primeiro são haute-contres; Quando o terceiro cantor entra (um barítono, voz mais grave), podemos ouvir novamente a orquestra inteira, com destaque para as Flautas Doces; As melodias, meio obscuras, são muito bonitas; O primeiro cantor volta; O trio faz um belíssimo trecho em contraponto; Um dramático coda, com os três cantores, encerra a música. A questão é a música. Mas, primeiro, deixem-me esclarecer algumas coisas sobre a orquestra (que valem, geralmente, para a orquestra Barroca). Para essa ópera ele pede 2 Flautas, 2 Oboés, Violinos, Violas e Baixo Contínuo. Baixo Contínuo era como se chamava, no Barroco, o acompanhamento não escrito (apenas cifrado) que poderia ser provido por Cravo ou Órgão + talvez um Alaúde ou uma Teorba + Violoncelo ou Viola da Gamba. Era, portanto, um conjunto ínfimo em tamanho, se compararmos à Orquestra Moderna (ou Orquestra Romântica). Observe: Em Dormons, Dormons Tous, ele ainda retira os Oboés, ficando sua função coberta pelas Flautas. No caso do vídeo acima e da maior parte das gravações que eu vi, os grupos preferem usar a Flauta Doce, instrumento que me arrepia, pois foi o primeiro que aprendi, e pela minha mãe, que ainda toca. Gravações recomendadas - Les Arts Florissants, regida por William Christie - É a gravação mais polida, afinada e de bom gosto. É a mesma que você viu acima, no vídeo. Para gravarem outra dessa, põe um século aí. É de 1987. Lista de outras postagens aqui. Deixe seu comentário!

  • As 20 melhores orquestras do mundo segundo...

    Segundo a revista Gramophone, uma das mais respeitadas revistas de música clássica do mundo. Há 11 anos, a lendária revista Gramophone reuniu as opiniões de um punhado dos maiores críticos musicais do mundo e selecionou as 20 melhores orquestras de então. Posso dizer que concordo, claro que a gente sempre quer que uma esteja numa posição melhor ou pior... Mas a lista é coerente, embora eu deva dizer que ela leva em conta apenas as orquestras sinfônicas modernas. Ou seja, deixa de fora as orquestras de câmara (conjuntos um tanto menores) e as que tocam com instrumentos de época (existem orquestras que, quando vão tocar Mozart, por exemplo, utilizam instrumentos da época de Mozart, ou réplicas). Pois bem, vou lhes passar a lista e comentar brevemente sobre cada. 20. Orquestra Filarmônica Tcheca (Czech Philharmonic) Com base em Praga, tem como sala de concertos o Rodolfinum. Teve regentes lendários como titulares, como Rafael Kubelík, Karel Ancerl, Eliahu Inbal e Jiří Bělohlávek (em duas ocasiões). Hoje, seu regente principal é Semyon Bychkov, um dos mais talentosos da atualidade. É um conjunto relativamente versátil, mas tem uma certa dedicação especial a compositores Tchecos, como Dvořák, Martinů, Smetana e contemporâneos. - Gravação recomendada: Prokofiev - Sinfonia Nº 5 - Regente: Ladislav Slovák 19. Saito Kinen Orchestra É uma Orquestra Festival, ou orquestra sazonal. Ela se reúne anualmente no festival Saito Kinen Matsumoto, em Nagano, Japão. Foi fundada pelo grande Seiji Ozawa, o mais célebre regente japonês. - Gravação recomendada: Bruckner - Sinfonia Nº 7 - Regente: Seiji Ozawa 18. Metropolitan Opera Orchestra (conhecida como Met) É a orquestra da ópera de Nova Iorque, e uma das orquestras de ópera mais famosas do mundo. A Ópera Metropolitana de Nova Iorque, algo como os Teatros Municipais do Brasil, e é a maior organização de música clássica dos Estados Unidos. Ela me dá peso na consciência. Porque seu regente, com quem fez gravações preciosas, não só de ópera, se envolveu em um escândalo sexual que eclodiu em 2017. Foi imediatamente demitido, mas confesso que, pelo que li, não consigo mais escutar - logo eu, que defendo a separação entre o artista e o ser humano. Seu atual diretor é o talentosíssimo Yannick Nézet-Séguin. - Gravação recomendada: Não tenho o que recomendar, porque conheço muito pouco de ópera, e, também, poucas gravações são sem James Levine (o do escândalo). 17. Orquestra do Gewandhaus de Leipzig (Gewandhausorchester) Esta é uma das minhas orquestras favoritas. Extremamente precisa, foi durante anos regida por Riccardo Chailly, que já foi considerado o maior regente dos nossos tempos. Hoje o titular é Andris Nelsons. É muito antiga (do século XVIII), tendo no seu currículo regentes como Felix Mendelssohn. - Gravação recomendada: Brahms - Os Concertos para Piano - Regente: Riccardo Chailly, Pianista: Nelson Freire 16. Filarmônica de São Petersburgo (St. Petersburg Philharmonic) A poderosa orquestra russa, regida há mais de 30 anos por Yuri Temirkanov, é uma proesa. Antes dele, fora regida por 50 anos por Yevgeny Mravinsky, que estreou boa parte das sinfonias de Shostakovich, tendo sido a 8ª dedicada a ele. É a orquestra profissional mais antiga em atividade da Rússia. - Gravação recomendada: Shostakovich - Sinfonia 7 - Regente: Yevgeny Mravinsky 15. Orquestra Nacional Russa (Russian National Orchestra) Fundada em 1990 pelo genial pianista e regente russo Mikhail Pletnev, logo se tornou uma orquestra de destaque, com sua sonoridade sedosa, porém, precisa. Tem no catálogo de gravações as 6 sinfonias de Tchaikovsky e os 5 concertos para piano e as 9 sinfonias de Beethoven. - Gravação recomendada: Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 - Regente: Mikhail Pletnev 14. Orquestra do Teatro Mariinsky (Mariinsky Theatre Orchestra) Antiga Orquestra do Kirov, hoje é comandada por Valery Gergiev (outro que é frequentemente apontado como o maior regente vivo). - Gravação recomendada: Stravinsky - Petrushka e Jeu de Cartes - Regente: Valery Gergiev 13. Orquestra Sinfônica de San Francisco (San Francisco Symphony Orchestra) Esse conjunto teve uma rápida ascenção nos anos 70 com Seiji Ozawa. Hoje é regida pelo americano Michael Tilson Thomas, que a mantém como uma das grandes orquestras do continente. - Gravação recomendada: Mahler - Sinfonia Nº 5 - Michael Tilson Thomas 12. Orquestra Filarmônica de Nova Iorque (New York Philharmonic) É a orquestra mais associada a Leonard Bernstein, e graças a ele ganhou uma boa parte da sua notoriedade. Mas também teve Pierre Boulez, Zubin Mehta, Kurt Masur, Lorin Maazel e, atualmente, Jaap van Sweden. É uma das "Big Five", apelido que engloba as 5 maiores orquestras dos EUA, ao lado da de Cleveland, de Filadélfia, Sinfônica de Boston e Sinfônica de Chicago (apenas a de Filadélfia ficou de fora dessa lista). Hoje essa alcunha (Big Five) caiu em desuso, mas é aquele desuso que sempre que se fala de uma orquestra do grupo, tem que mencionar isso (então, não é desuso!). - Gravação recomendada: Stravinsky - A Sagração da Primavera - Regente: Leonard Bernstein 11. Orquestra Sinfônica de Boston (Boston Symphony) Nos anos de "Big Five" era considerada a mais refinada. A mais "européia" das 5. Teve anos de glória com Koussevitsky, depois com Charles Munch e, principalmente, com Seiji Ozawa, nos anos 70, 80 e 90. Com Andris Nelsons, mantém o altíssimo padrão. - Gravação recomendada: Rachmaninoff - Concertos Nº 2 e 3 - Regente: Seiji Ozawa, Pianista: Krystian Zimerman 10. Orquestra do Staatskapelle de Dresden (Dresden Staatskapelle) Mais uma antiga (Séc. XVI) e excepcional orquestra alemã. Já foi regida por Carl Maria von Weber, Richard Wagner, Herbert Blomstedt, Giuseppe Sinopoli. Seu atual diretor é Christian Thielemann. Tem uma sonoridade distinta, bastante quente e natural. Dizem que ela tem características de música de câmara, mas eu a acho um pouco lenta, no melhor dos sentidos, pra ser camerística. É essa lentidão de resposta que confere majestade e solenidade à orquestra. Aí, pra quebrar essa solenidade, existe o som caloroso e a excepcional musicalidade do grupo. A partir daqui eu recomendo uma gravação clássica e outra mais recente. - Gravação recomendada: 1. Richard Strauss - Obra Orquestral Completa - Regente: Rudolf Kempe - 2. Bruckner - Sinfonia Nº 3 - Regente: Yannick Nézet-Séguin 9. Orquestra Festival de Budapeste (Budapest Festival Orchestra) Fundada em 1983 pelo maestro Iván Fischer e pelo pianista Zoltán Kocsis, ambos húngaros, é uma orquestra daquelas cujos músicos foram escolhidos a dedo. Fischer é o titular desde a fundação, e o grupo teve uma ascensão meteórica até, em 2009, entrar nessa lista no nono lugar. Confesso que não a conheço muito, mas os concertos de Bartók, com a dupla citada, me parecem maravilhosos. - Gravações recomendadas: 1. Dvořák - Sinfonias Nº 8 e 9 "Do Novo Mundo" - Regente: Iván Fischer - 2. Beethoven - Sinfonias Nº 1 e 5 - Regente: Iván Fischer 8. Orquestra Filarmônica de Los Angeles (Los Angeles Philharmonic) Seus últimos 4 regentes principais foram Carlo Maria Giulini, André Previn, Esa-Pekka Salonen e, hoje, Gustavo Dudamel. Tem a característica de contratar regentes jovens e talentosos. Dudamel veio direto do "El Sistema" venezuelano, um programa que visava a formar conjuntos de padrão internacional desde a base. Na Filarmônica de Los Angeles ele já fez gravações importantíssimas e concertos históricos. - Gravações recomendadas: 1. Stravinsky - A Sagração da Primavera - Regente: Esa-Pekka Salonen - 2. Schumann - Sinfonia Nº 3 "Renana" - Regente: Carlo Maria Giulini 7. Orquestra de Cleveland (Cleveland Orchestra) Isso mesmo, ela não tem "sinfônica" nem "filarmônica" no nome. Por falar nisso, eu depois escrevo um post sobre. Pra encurtar a história, não tem diferênça. Cleveland é a orquestra americana de que eu mais gosto. Tenho uma relação afetiva: desde criança ouço as gravações com George Szell, que a regeu entre 1946 e 1970 e a tornou "o instrumento mais afiado dos Estados Unidos". De fato, ela é extremamente precisa. Enquanto a de Dresden, por exemplo, é pesada e lerda, a de Cleveland responde extremamente rápido: se todos os músicos tiverem que tocar um acorde ao mesmo tempo, é ao mesmo tempo, sem atraso e sem desculpas. É "Pam", em vez de "Flan". É uma das "Big Five". - Gravações recomendadas: 1. Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Regente: George Szell - 2. Mozart - Concertos para Piano Nº 17 e 25 - Regente e pianista: Mitsuko Uchida 6. Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara (Bavarian Radio Symphony Orchestra) Seu regente era Mariss Jansons até 2019, quando faleceu. Ainda não anunciaram o novo titular. Jansons era um regente extremamente peculiar (e maravilhoso). Ninguém fazia crescendos como ele. O som da orquestra é de matar: talvez seja o mais bonito de toda a lista. É uma orquestra de rádio, de modo que todos os seus concertos são gravados. E o repertório tem que ser o mais vasto possível, de modo que os músicos têm a leitura à primeira vista afiadíssima. Só acho ruim que, como toda gravação é ao vivo, sempre tem aqueles aplausos no fim. - Gravações recomendadas: 1. Beethoven e Brahms - Concertos para Piano Nº 1 e 2 - Regente: Rafael Kubelik, pianista: Géza Anda - 2. Richard Strauss - Assim Falou Zarathustra - Regente: Mariss Jansons 5. Orquestra Sinfônica de Chicago (Chicago Symphony Orchestra) Se a de Cleveland é a mais "afiada", e a de Boston, a mais "refinada", tem que ter um adjetivo pra de Chicago. Talvez a mais "poderosa", a de som mais tempestuoso. A seção de metais é famosa, conhecida como a melhor dos EUA. Eu achava essa informação insignificante até assistir no YouTube a uma apresentação com Daniel Barenboim da Sagração da Primavera. Trompas, trompetes, trombones e tuba(s) soam por vezes como um instrumento só, tocando na mesma intensidade com precisão invejável. Em outros momentos, cada qual soa como se soubesse como deve soar e como o colega deve soar. Isso é que é um conjunto ensaiado e potente. Seu regente da época das "Big Five" era Fritz Reiner. Depois vieram George Solti, Daniel Barenboim e, até hoje, Riccardo Muti. Essa orquestra foi a que tocou no filme Fantasia 2000 de Disney. O primeiro oboísta é o lendário brasileiro Alex Klein, que toca a despeito de sofrer de distonia focal. - Gravações recomendadas: 1. Rimsky-Korsakov - Shéhérazade - Regente: Fritz Reiner - 2. Daniel Barenboim rege Stravinsky, Debussy e Boulez 4. Orquestra Sinfônica de Londres (London Symphony Orchestra) Londres tem pelo menos 5 orquestras sinfônicas de nível internacional (em uma só cidade). A Sinfônica, a Filarmônica, a Royal Philharmonic, a Philharmonia e a Sinfônica da BBC. Todas excepcionais e eu não entendo o fato de só a Sinfônica estar aqui. Mas concordo que ela é a mais bem sucedida. Seu regente atual é Sir Simon Rattle, dirigente talentoso, que ganhou notoriedade ao erguer a Sinfônica de Birmingham ao patamar mais alto e, entre 2000 e 2018, ser o regente principal da Filarmônica de Berlim. A LSO é uma das orquestras mais versáteis do mundo, tocando desde o repertório do classicismo até obras atuais, sempre se adaptando e executando com a sonoridade mais apropriada. - Gravações recomendadas: 1. Dvořák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" e Serenata para cordas - Regente: Eugene Ormandy - 2. Sibelius - As Sinfonias - Regente: Colin Davis 3. Orquestra Filarmônica de Viena (Wiener Philharmoniker) As três primeiras orquestras da lista poderiam alternar posições ano a ano. Alternam, por sinal: dependendo da lista, uma está em primeiro ou em terceiro. A Filarmônica de Viena é a orquestra mais refinada. Tem um som escuro, elegante, e raramente faz gestos bruscos, como acelerações e desacelerações exageradas. Nem Bernstein, que era dado a sentimentalismos, conseguiu mudar o som da orquestra. Uma curiosidade é que os instrumentos pertencem, no geral, à orquestra, e não aos músicos. O resultado é uma penca de Stradivarius, Amati, fagotes e oboés distintos (os fagotistas da Filarmônica nunca usam vibrato). Eles também não têm regente fixo, com contrato de 4 anos, como é o normal. Todo ano elegem um regente principal, muitas vezes renovando este pequeno contrato repetidas vezes. - Gravações recomendadas: 1. Holst - Os Planetas - Regente: Herbert von Karajan - 2. Beethoven - As Sinfonias - Regente: Andris Nelsons 2. Orquestra Filarmônica de Berlim (Berliner Philharmoniker) Assim como a de Viena, esta poderia estar no primeiro lugar. É a orquestra mais famosa, e não sem merecimento. Desde a segunda guerra só teve 6 regentes titulares: Sergiu Celibidache, Wilhelm Furtwängler, Herbert von Karajan, Claudio Abbado, Simon Rattle e Kirill Petrenko, o atual. Eles gravam e filmam a maior parte dos seus concertos e os disponibilizam (não é de graça, nada na vida é de graça, meu filho, aprenda isso) no aplicativo Digital Concert Hall. Além disso, nos anos 70 e 80 costumavam lançar VHSs e DVDs de gravações com a sua estrela, o maestro Karajan. - Gravações recomendadas: 1. Brahms - Sinfonia Nº 4 - Regente: Wilhelm Furtwängler - 2. Beethoven - Os Concertos para Piano - Regente: Simon Rattle, pianista: Mitsuko Uchida 1. Orquestra do Concertgebouw de Armsterdã (Concertgeboworkest) Merece estar aqui? Sem dúvida. É uma orquestra extremamente versátil e seu som, embora característico, se adapta a várias circunstâncias. Também teve poucos regentes por muitos anos, como Eduard van Beinum, Bernard Haitink, Riccardo Chailly, Mariss Jansons e Daniele Gatti. Isso é visto com bons olhos, porque dá unidade à orquestra. Concertgebouw é a a sala de concertos onde a orquestra se apresenta, e é conhecido pela sua acústica fabulosa. O bom é que as gravações atingiram um nível de fidelidade tão bom, que não precisamos ir a Amsterdã (afinal, todos sabemos como é terrível ter que ir a Amsterdã, cof, cof...) para desfrutar da acústica maravilhosa. A orquestra tem um colorido excepcional, que é a capacidade de trazer sonoridades bem diferentes dentro de uma mesma peça, como um camaleão. - Gravações recomendadas: 1. Brahms - Sinfonia Nº 1 e Concerto para Violino - Regente: Eduard Van Beinum, violinista: Arthur Grumiaux - 2. Rachmaninoff - Sinfonia Nº 2 - Regente: Mariss Jansons Menções honrosas: Orquestra Filarmônica de Londres Orquestra de Minessota Orquestra Festival de Lucerna Orquestra Philharmonia Orquestra Sinfônica Estadual de São Paulo (sim, a OSESP é considerada uma orquestra revelação) Orquestra Sinfônica Simón Bolívar Orquestra Filarmônica de Oslo Orquestra Filarmônica Real de Liverpool Orquestra de Filadélfia Orquestra Filarmônica de Seul Orquestra de Paris Orquestra Filarmônica da China Não deixe de comentar, abaixo!

  • Sinfônica da Rádio Bávara - As Melhores Orquestras do Mundo 4

    Por Rafael Torres Voltamos a essa série. Decidi que vou escrever sobre as orquestras que eu considero as melhores do mundo. Ainda não sei até que número vai. Para mim a Sinfônica da Rádio Bávara é quase tão incrível quanto a Filarmônica de Berlim, sendo que a Bávara pode ser até melhor, em alguns aspectos. Em Munique, na Baviera, onde é sediada, existem 4 orquestras profissionais, sendo as outras três a Orquestra Estadual da Baviera, a Filarmônica de Munique e a Sinfônica de Munique. Todas são de alto padrão. A Orquestra A Sinfônica da Rádio Bávara (em alemão, Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks) foi fundada em tempos relativamente recentes, em 1949, tendo remanescentes de uma Orquestra de Rádio anterior de Munique formando a maior parte do corpo musical. Foi fundada com os esforços do celebérrimo maestro alemão Eugen Jochum, que foi seu regente titular até 1961. Jochum contratou músicos do mais alto nível, com os membros do Quarteto Koeckert servindo como núcleo das sessões de cordas. Mas foi sob a direção de Mariss Jansons que a orquestra foi alçada ao sucesso mundial, lançando mais gravações, ganhando prêmios e estreando seu próprio selo de gravação, o BR-Klassik. Jansons também tentou negociar a construção de uma sala de concertos própria, já que ela sempre tocou no Philharmonie, no Gasteig Cultural Centre (da Filarmônica de Munique), e na Herkulessaal, na Munich Residenz (um complexo gigante que contém cerca de 130 salas, sendo um centro cultural de Munique). Teve, em sua história, apenas 6 regentes titulares. Há várias características que a destacam. Sua sonoridade é peculiar, sendo imediatamente reconhecida por alguns; por ser uma orquestra de rádio, é acostumada a pegar músicas novas, recém compostas, e, já na primeira leitura, tocar com precisão, faz concertos e programas destinados a um público jovem, fortalecendo a cultura da música clássica na Alemanha entre a juventude, além de encorajar e contribuir com jovens músicos. Para mim o maior prazer em ouvir a BRSO (sigla que eles adotaram do inglês, Bavarian Radio Symphony Orchestra) é poder perceber sua sonoridade especial, um som polido, virtuosístico e cheio. Os Maestros Como falei anteriormente, foram 6. Isso se incluírmos o próximo, que ainda não assumiu (estou em fevereiro de 2023, ele deve assumir por volta do meio do ano). Eugen Jochum O regente alemão, como sabemos, fundou a orquestra. Gravou, com ela, relativamente pouco, ou pouco foi relançado em tempos modernos. Isso inclui as Sinfonias Nos. 5 e 9 de Franz Schubert, as Missas e algumas Sinfonias de Anton Bruckner, o Oratório "A Criação", de Joseph Haydn e o Concerto para Violoncelo e as Danças Sinfônicas, de Paul Hindemith. Ressalto que Jochum gravou muito, mas, possivelmente, não com a BRSO. Rafael Kubelík O regente tcheco, que era talentosíssimo, aprimorou ainda mais o som da orquestra e ampliou seu repertório, trazendo mais Música Moderna à lista. Foi seu regente principal entre 1961 e 1979. Gravou muito, sendo que suas gravações principais incluem as 9 Sinfonias de Gustav Mahler (e mais o Andante-Adagio da 10ª, o único movimento que o compositor concluiu), Sinfonias e Missas de Joseph Haydn; Sinfonias de Wolfgang Amadeus Mozart, Johannes Brahms, Antonín Dvořák, Anton Bruckner; o Minha Pátria de Bedřich Smetana; a Sinfonietta e os Hinos Sinfônicos de Leoš Janáček; obras de Georg Friedrich Händel, Béla Bartók, Hector Berlioz, Ludwig van Beethoven, Alban Berg e Arnold Schoenberg e algumas óperas. Estas interpretações têm um valor artístico altíssimo e nelas se percebe a sonoridade surreal, tanto do conjunto quanto dos instrumentitas individuais. Em 1979, Kubelík aposentou-se. Ainda regeria como convidado de algumas outras orquestras, mas os críticos garantem que foi em sua permanência em Munique que aconteceu ápice de sua carreira. Colin Davis Sir Colin Davis foi um maestro inglês que aparecia regularmente como regente convidado da BRSO. Mas ganhou o posto de regente principal, com a saída de Rafael Kubelík. Seu mandato foi de 1983 a 1993. As gravações não foram muitas - novamente, um maestro que gravava bastante, mas com outras orquestras. As obras gravadas com ele incluem a Missa Nelson, de Joseph Haydn; Serenatas de Pyotr Tchaikovsky e Antonín Dvořák; a ópera Fausto de Charles Gounod; obras de Alban Berg, Max Reger e Paul Hindemith; o oratório "Messias", de Georg Friedrich Händel; a 9ª Sinfonia de Ludwig van Beethoven; 2 das Sinfonias de Igor Stravinsky e pouca coisa mais. Lorin Maazel Este, que foi um dos mais importantes regentes estadunidenses, dirigiu a orquestra entre 1993 e 2002. Era um homem culto, falava 7 idiomas, inclusive o português (sua primeira esposa era brasileira) (tenho um disco de vinil em que ele rege e narra, em português, a obra Guia da Orquestra para Jovens, de Benjamin Britten, além de Pedro e o Lobo, de Sergei Prokofiev), tocava piano, violino e compunha. Foi uma criança prodígio, estreando na regência aos 8 anos, conduzindo a 8ª Sinfonia, "Inacabada", de Franz Schubert. E tinha memória fotográfica para partituras. E ouvido absoluto. Seu jeitão frio e de poucos amigos, combinado com o rigor com que tratava as orquestra, o tornavam um maestro temido e um pouco hostilizado pelas orquestras. Suas interpretações eram passionais, emotivas, de sonoridades grandiosas. Também não deixou muitas gravações com essa orquestra em particular. As principais são dos poemas sinfônicos Assim Falou Zaratustra, Don Juan, Till Eulenspiegel e Ein Heldenleben e a Suíte Rosenkavalier, todos de Richard Strauss; e um disco com obras sinfônicas de balé, com peças de Tchaikovsky, Beethoven e Liszt. Mariss Jansons Foi com este regente da Letônia, um dos mais talentosos que o mundo já viu, que a orquestra se tornou um conjunto largamente reconhecido, louvado e famoso no mundo inteiro. Jansons foi o regente principal da BRSO entre 2003 e 2019 (ano de sua morte, se não o contrato iria até 2024 e aposto que seria estendido). Com ele o conjunto extrapolou seus níveis de sonoridade, precisão e expressividade. Também gravou como nunca e estreou obras de compositores do século XXI. Jansons também lutou e negociou muito pela construção de uma sala de concertos nova e própria da BRSO, mas o projeto até hoje não foi levado adiante. Gravou muita coisa, como os balés O Pássaro de Fogo, Petrushka e A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky; Sinfonias de Ludwig van Beethoven, Dmitri Shostakovich, Gustav Mahler e Piotr Tchaikovsky; o Réquiem de Wolfgang Amadeus Mozart e muitas outras coisas. Foi uma das colaborações mais profícuas da história da música. Simon Rattle Seu mandato está previsto a começar na temporada 2023-2024. Rattle, que é Sir, é um regente inglês que se destacou quando elevou a qualidade da Sinfônica da Cidade de Birmingham a um nível internacional. Posteriormente sucedeu Claudio Abbado na Filarmônica de Berlim e, depois, foi contratado pela Sinfônica de Londres. Não ter assumido, ainda, a orquestra, não o impede de já ter gravado discos, já que ele aparece como regente convidado desde 2010. Gravou, por exemplo, a 9ª Sinfonia de Gustav Mahler; um disco de Música Contemporânea do compositor tcheco Ondřej Adámek e a ópera As Valquírias, de Richard Wagner. Os Regentes Convidados Entre os ilustres regentes convidados da BRSO encontramos nomes como Leonard Bernstein - que, com ela, fez um concerto lendário na sala Gendarmenmarkt, em Berlim, no Natal de 1989, em celebração à queda do Muro de Berlim (com sua Ode à Alegria ecoando alto na transmissão ao vivo, em todas as TVs da Alemanha e no mundo inteiro). Vemos, também, o holandês Bernard Haitink (clique aqui para ler o que a Arara escreveu a título de seu obituário), um dos mais queridos maestros dos tempos recentes. Com a orquestra, ele gravou Sinfonias e a Missa Solemnis, de Beethoven; a 3ª Sinfonia de Mahler; o Oratório Secular "As Estações" e o Oratório Religioso "A Criação", de Haydn. Outros maestros convidados, não menos nobres e talentosos, incluem Erich Kleiber, Carlos Kleiber, Ferenc Fricsay, Charles Munch, Paul Hindemith, Karl Böhm, Otto Klemperer, Georg Solti, Kurt Sanderling, Carlo Maria Giulini e, mais recentemente, Esa-Pekka Salonen, Franz Welser-Möst, Riccardo Muti, Herbert Blomstedt, Daniel Harding e Yannick Nézet-Séguin. Todos contribuíram na montagem da sonoridade da orquestra, na ampliação de seu repertório, no alargamento de sua respeitável discografia e na difusão do trabalho do grupo, sempre fazendo-a mais célebre. Os Músicos Obviamente, os maiores responsáveis pelo que foi dito acima são os músicos da orquestra. São dotados de extrema sensibilidade musical, técnica instrumental, flexibilidade (as grandes orquestras são as que melhor se adaptam à concepção musical de diferentes regentes) e uma invejável capacidade de leitura de partitura à primeira vista. Devemos, antes de tudo, a eles pelas interpretações cheias de calor e com uma das sonoridades mais acolhedoras, entre todas as orquestras. Músicos como o Primeiro Flautista Philippe Boucly, o Primeiro Oboísta Stefan Schilli, o Primeiro Clarinetista de nome quase idêntico Stefan Schilling, o Primeiro Fagotista Marco Postinghel e toda a sessão de cordas, a de metais e a de percussões, são o que há de mais essencial na orquestra. O maestro explica, durante os ensaios, sua concepção sonora para a obra e, no concerto, dá indicações aos músicos a fim de lembrá-los de uma determinada diretriz, mas, como disse o Spalla da Orquestra Sinfônica Estadual de São Paulo Emmanuele Baldini, em entrevista à Arara, são os músicos que produzem o som. No caso da Sinfônica da Rádio Bávara (e da OSESP), que som! Gravações Recomendadas - Gustav Mahler - as 9 Sinfonias, regidas por Mariss Jansons - Não conheço cada centímetro das sinfonias de Mahler. Mas gosto de algumas, as puramente instrumentais (1, 5, 6, 7 e 9), as outras têm vozes, às vezes coros. São extravagantes demais para mim. Mas, mais uma vez, a orquestra prepara, com Jansons, uma interpretação que é, por exemplo, suave, no Adagietto da 5ª Sinfonia. A Sexta (comumente apelidada de "Trágica" sem que saibamos onde este nome se originou, já que Mahler não aprovava) começa com um caráter completamente diferente, com vários atrevimentos de instrumentos de sopro e um clima mais relaxado e agradável (pouquíssimo trágico), em escrita muitas vezes contrapontística. Ela é tranquila, tem um terceiro movimento lento Andante Moderato, mas, de forma geral, seu humor é bem positivo. A Sétima, apelidada "Canção da Noite" (dessa vez, sem que Mahler ficasse sabendo), é mais séria, mais urgente, especialmente nos movimentos rápidos. Seus Movimentos Lentos, chamados Música da Noite 1 e Música da Noite 2, são bem calmos e o tom geral da sinfonia é quase brincante. Já a Nona Sinfonia é trágica, de fato, com os primeiros instrumentos fazendo uma simulação de pulsação: a música falará de morte, a morte do próprio Mahler, que se aproximava. A orquestra está inacreditável, dosando impecavelmente seu som. - Johann Sebastian Bach - Suíte Orquestral Nº 1, com o regente Giovanni Antonini - É uma gravação que mostra a versatilidade da orquestra, tocando Música Barroca, que, hoje, costuma ser tocada por conjuntos com instrumentos e técnicas da época, no caso, o século XVIII (o Movimento HIP). Mas com a Sinfônica da Rádio Bávara, embora soe como um Barroco um tanto artificial, é simplesmente lindo de ouvir, o Oboé, o Fagote, as cordas e até o Cravo (eles usam um Cravo) são tão bem tocados que dá vontade de chorar. - Dmitri Shostakovich - Sinfonia Nº 5, regida por Mariss Jansons - A 5ª de Shostakovich é uma das minhas sinfonias favoritas. Ela é um veículo perfeito para a orquestra exibir versatilidade: temos movimentos rápidos, múltiplas texturas, um doce movimento lento e um finale arrebatador, tudo tocado como nunca. - Josef Suk - Sinfonia Nº 2, "Asrael", regida por Jakub Hrůša - O talentoso e comentado regente, nascido na República Tcheca, faz um lindo trabalho com esta longa sinfonia de Suk, compositor também tcheco do começo do século XX e genro de Antonín Dvořák. Asrael, o nome do anjo da morte que pode ser encontrado no Velho Testamento, é uma sinfonia em memória de Dvořák, que, em 1904, havia morrido. Quer dizer, ele começou a compô-la em homenagem ao sogro, mas quando terminou, em 1906, sua esposa Otilie também havia partido e a obra serviu como homenagem dupla. A peça é cheia de mudanças de humor, tem uma orquestração brilhante e é cheia de citações a temas de Dvořák. Esta é a melhor gravação que eu já ouvi, da sinfonia. Se bem que Kubelík a havia gravado com a BRSO, em 1981, mas já não se encontra esse disco. - Camille Saint-Saëns - Sinfonia Nº 3, "Com Órgão", e Francis Poulenc - Concerto para Órgão, regidos por Mariss Jansons - Essa gravação da Romântica 3ª Sinfonia de Saint-Saëns é particularmente sensacional. É uma obra de índole ingênua, mas muito bem orquestrada, com temas belíssimos e que integra perfeitamente o Órgão à orquestra. Foi muito gravada, mas esta aqui é uma das maiores gravações, sem dúvida. O igualmente leve concerto de Poulenc, compositor Moderno, é igualmente incrível. A organista é Iveta Apkalna, também da Letônia. - Alexander Glazunov - As 8 Sinfonias e algumas Obras Sinfônicas menores, regidas por Neeme Järvi - O experiente maestro Järvi, estoniano (o pessoal dos Países Bálticos vem se destacando), acertou em cheio ao gravar todas as sinfonias de um compositor Romântico russo que andava esquecido. Sua notoriedade jamais se recuperou e ele é sempre lembrado como o péssimo regente, que quase acabou com a carreira de Sergei Rachmaninoff ao reger a estreia de sua 1ª Sinfonia tão mal, mas tão mal, que dizia-se que o que se ouvia não era a sinfonia. Outra coisa é que Glazunov era um compositor completamente firmado nas tradições do Romantismo, enquanto outros compositores russos, desde os anos 1880, talvez até antes, já caminhavam rumo ao Modernismo. Mas as sinfonias têm cada tema bonito! São o tipo de patrimônio que se deve conservar. De modo que o mundo precisava de uma gravação realmente excepcional do ciclo para voltar a olhar para ele. E é isso que essa gravação é: de primeira categoria. Antes dela as sinfonias foram pouquíssimo gravadas. - Joseph Haydn - Sinfonia Nº 99 / Wolfgang Amadeus Mozart - Sinfonias Nos. 25, 35, 38, 40 e 41 / Ludwig van Beethoven - Sinfonia Nº 9 / Johannes Brahms - Sinfonias Nos. 1, 2, 3 e 4 / Antonín Dvořák - Sinfonias Nos. 6, 7, 8 e 9, "Do Novo Mundo", Serenata para Cordas e Serenata para Sopros / Anton Bruckner - Sinfonias Nos. 8 e 9 / Hector Berlioz - Sinfonia Fantástica / Bedřich Smetana - Minha Pátria / Leoš Janáček - Sinfonietta e Hinos Sinfônicos / Béla Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta e Concerto para Orquestra - Regidos por Rafael Kubelík. O repertório imenso indica que se trata de uma caixa (15 CDs), mas, também, tem quase 200 anos de música aí. Curiosamente, eu adoro um bom repertório conservador. Os destaques são as 4 Sinfonias de Brahms; as de Dvořák; as cinco de Mozart; a de Haydn; a Sinfonia Fantástica, de Berlioz e as duas peças de Bartók. É o repertório perfeito, e ouvir a BRSO com Kubelík em gravações de som tão bom é um privilégio. - Ludwig van Beethoven - Os 5 Concertos para Piano e a Fantasia Coral, regidos por Rafael Kubelík e com Rudolf Serkin ao piano. O grande pianista boêmio (a Boêmia pertencia ao Império Austro-Húngaro, quando ele nasceu, e hoje fica na República Tcheca) Rudolf Serkin estava, ainda, em pleno comando de sua técnica (as gravações ocorreram em 1977). Digo isso porque muitos críticos acusam suas gravações de vários Concertos de Mozart com Claudio Abbado e a Sinfônica de Londres, poucos anos posteriores, de mostrarem o pianista já envelhecido, sem a mesma técnica e expressividade. Eu nunca pensei assim. Nos concertos de Beethoven, por terem sido gravados ao vivo, ocorrem muitas falhas, erros, mesmo, da parte de Serkin, que seja dito. Mas aqui está o melhor ciclo de Concertos de Beethoven dentre os três que Serkin gravou. Verdade que a estrela, aqui, não é a orquestra, mas o pianista e o regente (Kubelík está sensacional). Mas ela oferece um acompanhamento impecável. Ignorem a Fantasia Coral, uma obra vulgar e desagradável. Lista de outras postagens aqui. Deixe seu comentário!

  • Richard Wagner - Abertura Tannhäuser - Análise da Orquestração

    Por Rafael Torres Esta obra já foi introduzida na Arara Neon , na sessão Músicas Fofinhas (leia aqui ). Mas dessa vez será oferecida uma análise da orquestração , que é exemplar , em comparação com a orquestração da 2ª Sinfonia de Robert Schumann , que é, no máximo, razoável . Richard Wagner ( 1813-1883 ), compositor e maestro alemão , nasceu em Leipzig . Este pré-nazista escrevia ensaios em que mostrava claramente que detestava os judeus , era racista , renegando todas as raças que não a ariana , e foi sempre controverso . Naturalmente ele não pregava o extermínio de judeus , mas suas ideias foram largamente aproveitadas pelo nazismo , quase meio século após sua morte . O próprio Hitler foi um admirador rigoroso da música de Wagner . Musica que é proibida de ser tocada em Israel . O lado positivo é que ele escrevia óperas - que, mais tarde, passaria a nomear Dramas Musicais - maravilhosas . Ópera não é a minha seara , mas toda ópera tem momentos puramente instrumentais , como as Aberturas (antes de começar o drama ) e os Prelúdios (entre os atos ). Algumas dessas Aberturas e Prelúdios foram adquirindo vida própria , como a Abertura Rienzi , a Abertura Tannhäuser e a Abertura O Holandês Voador , os Prelúdios para o Primeiro e Terceiro atos de Lohengrin , o Prelúdio para o Primeiro ato de Parsifal , os Prelúdios para o Primeiro e para o Terceiro atos de Os Mestres Cantores de Nuremberg e o Prelúdio e Morte de Amor de Tristão e Isolda . Estas obras muitas vezes são gravadas em discos orquestrais , destituídas das óperas a que pertencem. E é por elas que eu conheço Wagner . Suas óperas mais importantes incluem: Tannhäuser ; Os Mestres Cantores de Nuremberg ; Parsifal ; Lohengrin ; O Holandês Voador ; Tistão e Isolda ; E sua obra mais ousada , O Anel dos Nibelungos , que contém 4 óperas : O Ouro do Reno , As Valquírias , Sigfried e O Crepúsculo dos Deuses . Elas costumam ser apresentadas em 4 noites consecutivas . Wagner sempre foi célebre e idolatrado , embora tivesse, também, detratores e vivesse endividado . Mas, em 1872 , ele se acomodou na cidade de Bayreuth e fundou o Festival de Bayreuth , que até hoje atrai milhares de amantes de música anualmente para ouvir exclusivamente suas óperas. A sala de concerto em si, a Bayreuth Festspielhaus , ele começaria a construir no ano seguinte , levantando dinheiro com as Sociedades Wagner , que apareceram em várias cidades de toda a Europa ; com concertos que ele regia pela a Alemanha e com a ajuda de seu mecenas , o Príncipe Ludwig da Baviera , que era apaixonado por sua música. Abordaremos hoje os aspectos da orquestração da Abertura de Tannhäuser und der Sängerkrieg aus Wartburg ( Tannhäuser e o torneio de trovadores de Wartburg) , ópera em 3 atos terminada em 1845 , sobre libreto do próprio Wagner - que sempre preferiu fazer seus próprios textos . Tem duração de 14 minutos , ou até mais de 20 quando se atrela à Música de Venusberg . Também pode ser atrelada ao Bacanal , na versão de Paris , em cujo caso, dura 24 minutos . Mas o mais comum é que se ouça, em concerto e em gravações , a versão mais curta , apenas com a Abertura , que é a que analisaremos . O fato é que qualquer uma delas era longa , para a época. Aberturas de Ópera não costumavam passar de 8 minutos . Existia também a Abertura de Concerto , obra não ligada a uma ópera e feita para ser tocada em concerto , sem encenação , e que era, geralmente, programática . Esta, sim, poderia ter uma duração maior , de 10 a 15 minutos . Na época , o público era tão envolvido com música , que aplaudia alucinadamente ou vaiava , apitava e fazia barulho , caso lhe desagradasse . Franz Liszt ( 1811-1886 ), húngaro , pianista e compositor , especialmente de música para piano (que viria a ser sogro de Wagner ), fez da Abertura Tannhäuser , em 1848 , uma transcrição para piano . Na versão para piano , é uma música exuberante , absurdamente virtuosística , difícil , técnica . É lendária a gravação que vou recomendar , abaixo. A orquestra se configura assim: 3 Flautas (uma alternando para Flautim ); 2 Oboés ; 2 Clarinetes ; 2 Fagotes ; 4 Trompas ; 3 Trompetes ; 3 Trombones ; Tuba ; 2 Tímpanos , Triângulo , Castanholas , Pandeiro , Bombo Sinfônico e Pratos ; Harpa ; Primeiros Violinos ; Segundos Violinos ; Violas ; Violoncelos ; Contrabaixos . Dura cerca de 14 minutos e a estrutura é A-B-A . Após a estreia, Wagner ainda trabalhou na ópera, criando a Versão de Dresden (ainda em 1845 ), em que aicionou coros e estendeu o terceiro ato ; trabalhou na Versão de Paris ( 1861 ), em que, de acordo com normas para ópera em Paris , a obra precisava ser traduzida para francês , ter um balé (e ele alterou a Abertura , também, virando a Abertura e Música de Venusberg , que ficou ruinzinha ), para o qual ele escreveu um Bacanal ( ! ) e passou o papel de Venus de soprano para mezzo-soprano ; e a Versão de Viena ( 1875 ), em que, para sua última apresentação da ópera em vida , ele fez ainda mais modificações e retornou o texto para o alemão . Wagner nunca ficou realmente satisfeito com a obra , embora ela permaneça sendo tocada com muita frequência . Dizia que ainda devia Tannhäuser ao mundo . Abaixo, o grande maestro colombiano Andrés Orozco-Estrada rege a Orquestra Sinfônica da Rádio de Frankfurt ( hr-Symphonieorchester ) em uma interpretação arrepiante . Vou analizar a orquestração em tópicos , fornecendo a minutagem de cada passagen interessante . Parte A Inicia com um coral (08s ), em piano , de 2 Trompas , 2 Clarinetes e 2 Fagotes tocando o que vou chamar de Tema A . Dentro do coral, o tema ésta no Primeiro Clarinete e na Primeira Trompa . O tema pertence, na ópera, ao Coro dos Peregrinos , no final da peça . A exclusão de outros instrumentos nos oferece um clima de nobreza , misturadoa com (talvez) resignação e até mesmo de alvorada . Excelente , a concepção de Orozco-Estrada , no que tange ao controle dinâmico (quando um instrumento cresce , os outros crescem igual, direitinho ) e às articulações . Em 1m11s termina a declamação do Tema A e ouvimos pela primeira vez as cordas . Os Violoncelos , com eventual suporte das Flautas e Oboés , tocam uma transição belíssima . A transição é imediatamente (1m43s ) repetida pelos Violinos 1 e 2 , tocando em uníssono . Preste atenção no acompanhamento descendente desolador das Flautas e Oboés , que é um ótimo exemplo de orquestração . Em Schumann tínhamos muitos temas entregues às cordas , limitando a variedade timbrística . Aqui, Wagner nos deu o tema em instrumentos de sopro desacompanhados e esse material transicional às cordas . A finalização , agora, é em um aliviante tom maior , quando a dos Violoncelos foi em tom menor . Aos 02m13s ouvimos a sonoridade nua de um Oboé , que faz a transição final . Os Violinos 1 e 2 , as Violas e os Violoncelos fazem um acompanhamento em stacatto , e a orquestra faz um crescendo . Aos 2m29s os Trombones executam o Tema A , em um momento transcendental , de maneira mais plena , em duplo forte ( ff ), com mais confiança e, ao mesmo tempo, drama . Veja a beleza dessa música ! É muito interessante o acompanhamento que ele inventou para as cordas . Os Violinos 1 e 2 tocam essa ideia descendente , em quiálteras , mas com uma pausa em cada uma delas. Já as Violas , os Violoncelos e as madeiras tocam em tremolo . E ainda temos os Tímpanos , pontuando certos momentos , com rufados e pancadas . Percebe-se que temos três texturas : o Tema , nos Trombones , as quiálteras dos Violinos e os Tremolos dos outros instrumentos . E o adorno dos Tímpanos . Isso é riqueza orquestral . Depois do Tema a orquestra cai e se esvazia , cabendo às Violas e Violinos 2 a declamação do material de transição ( 3m24s ) (o mesmo que apareceu antes , logo depois da introdução com o Tema A nos sopros ), finalizando em tom menor , enquanto os Violinos 1 tocam, levemente, recortes das suas ideias descendentes em quiálteras e as madeiras fazem um suporte similar ao que fizeram na primeira vez em que ouvimos a transição , ainda nos Violoncelos . Aos 3m52s os Violoncelos repetem a ideia de transição e a orquestra vai se esvaziando ainda mais . As Violas ( todos os instrumentos, agora, em piano , p ) assumem as quiálteras . Ouvimos, ainda, a textura das madeiras , tocando notas longas , e a dos Contrabaixos , que repetem motivos decorrentes do que eu chamei mais acima de acompanhamento descendente desolador . A finalização dos Violoncelos é em tom maior . Percebem que, ao contrário de Schumann , raramente há menos de três texturas simultâneas ? Calma , agora vou explicar direitinho o que são texturas . Texturas são camadas de instrumentos . Uma textura nada mais é do que uma ideia musical , que pode ser temática ou de acompanhamento . Você pode ter vinte instrumentos produzindo uma textura e apenas um produzindo outra . É comum , por exemplo, que se agregue as madeiras , para formar uma textura . Ou que se juntem Violinos 1 , Violinos 2 uma oitava abaixo e um Oboé ou uma Flauta , para formar outra . Notas longas , que nos contextualizam harmonicamente , não costumam contar . A não ser que o compositor invente uma peculiaridade (as notas longas podem ser cromaticamente descendentes e fazer alusão a um material que é muito usado na obra ). Aos 4m22s aparece novamente (embora parcialmente ), em atmosfera serena , o Tema A , nos Clarinetes , Trompas e Fagotes , sem mais acompanhamento , levando adiante o esvaziamento orquestral que estávamos testemunhando . Parte B Aos 5m05s o Tema A é interrompido por uma melodia importante das Violas e, logo em seguida, por uma intervenção das Flautas , Oboés e Primeiro Clarinete . O caráter da obra muda de forma abrupta. Isto ocorre porque a Abertura de uma ópera costuma agregar miniaturas dos momentos da ópera. Uma ópera de 4 horas e meia tem tempo para mudar de contexto e de humor várias e várias vezes. Ele continua ameaçando ideias temáticas importantes: aos 5m16s pelas madeiras (incluindo, agora, o flautim ), metade dos Violinos 1 e dos Violinos 2 (os Violinos estão divididos, cada, em 4 grupos ) e Violas . A ausência dos Violoncelos e Contrabaixos , nesse trecho, deixa a música bem aguda , como se fosse mágica . Mais uma jogada de gênio. Aos 5m25s a orquestração se torna cheia , brevemente. Aos 5m28s uma nova ideia surge nos Clarinetes . E logo depois, aos 5m31s , as cordas fazem um motivo cromático descendente em tremolos que também vai ser importante. Aos 5m51s , a melodia importante pode ser ouvida nas Violas , com respostas do Clarinete e do Oboé . Percebeu que, até aqui, ele apresentou muito material, mas, habilmente, foi apenas uma introdução da Parte B ? As notas descendentes das cordas são tocadas, aos 6m10s , pelos Violinos 1 e 2 , e agora elas vão escalando até desembocar no Tema B ( 6m40s ), apresentado pelos Violinos 1 e as Flautas , marcados por notas com acentos das madeiras. O Tema é alegre e inconsequente, em total contraste com o Tema A . Estamos em outro planeta , agora. A segunda parte do Tema ( 7m03s ) é tocada pelos Violinos 1 , Primeira Flauta , Oboés e Clarinetes , e a terceira parte, com escalas ascendentes , aparece nos mesmos instrumentos . Aos 7m25s temos uma série de descidas que lembram um derretimento, muito bem orquestrado, com os Violinos 1 e 2 em tremolo e as madeiras. Elas descem de cada vez mais alto, como se estivessem se agravando. Aos 7m38s as Violas fazem a melodia importante. Ela conduz um trecho que é dominado pelo Violino Solo (7m52s) e pelo Clarinete Solo (8m04s). O Clarinete apresenta o que eu chamarei de Tema C, sobre declamações da melodia importante pelos Violinos 2. É um tema lírico e pastoril, que torna o trecho tranquilo e agradável, além da inusitada e interessantíssima orquestração, com os Violinos 1 divididos em 4 seções, assim como os Violinos 2. Esse trecho, aos 8m46s, também apresenta a orquestração de alguém confiante na própria habilidade, com o motivo tocado por 1/4 dos Violinos 1, a melodia importante, por outro quarto deles e a linha do Clarinete Solo. Então, uma nova aparição de um motivo descendente, nos nas Violas e, logo, nos Violinos 2, eventualmente começa a crescer e acelerar. Ela acaba desembocando no Tema B (9m39s) com os Violinos 1 e 2 e as Flautas, em uma aparição ainda mais agitada e uma quarta acima. Parece muito com um trecho de Mendelssohn. Mais uma vez a orquestração é fantástica, ainda que simples, ajudando a criar um verdadeiro ambiente de júbilo, com uma figuração rápida em tremolos dos Violoncelos e Violas. Aos 10m25s a Parte B começa a se dissipar, em trecho caracterizado pela presença dos Pratos, do Triângulo, do Pandeiro e dos Tímpanos. Aos 10m47s surge a melodia importante, especialmente nas Violas. Aos 11m05s vem o Coda da Parte B, com várias escalas descendentes, que se metamorfosearão em uma outra escala descendente que perdurará até o fim da música, nos Violinos 1 e 2. Parte A Sobre esses desmoronamentos dos Violinos, é retomado o Tema A, aos 11m35s, pelos Clarinetes, Trompas e Fagotes, como no início da música. Aos 12m38s aparece a transição nos Violoncelos, aos quais a Viola logo se junta. Aos 13m13s temos a segunda transição, que era no Oboé e agora é, principalmente, no Trompete. A última e mais emocionante aparição do Coro dos Peregrinos (Tema A) é aos 13m30s, e ocorre nos Clarinetes, Fagotes, Trompetes e Trombones. A Codetta chega aos 14m39s, marcada por cadências plagais e sua última nota restrita aos sopros (as cordas param de tocar). O acorde final tem uma proposta (essa de as cordas saírem) muito interessante e que se encaixa na música com perfeição. O compositor tcheco Antonín Dvořák usaria este recurso, anos depois, no final da sua Sinfonia Nº 9, "Do Novo Mundo" . Sobre a orquestração Eu a considero primorosa , para uma obra do Romantismo . No Modernismo apareceriam compositores como Maurice Ravel , Claude Debussy , Béla Bartók e Igor Stravinsky que, estes sim, pintavam e bordavam com a orquestra , criando todo tipo de sonoridade que se pode imaginar . Mas escolhi Wagner porque é mais ou menos contemporâneo de Schumann e eu queria fazer uma comparação entre Tannhäuser e a 2ª Sinfonia de Schumann. Escutando as duas , percebe-se claramente que Wagner tinha uma imaginação para o colorido orquestral levemente mais livre . Sua orquestra , na Abertura Tannhäuser , é apenas um pouco maior que a de Schumann , mas o equilíbrio é perfeito . Jamais se deixa de escutar alguma de suas ideias ou temas . Além disso ele aproveita melhor o conjunto de que dispõe , de modo que, quando quer, a música soa cheia , intensa . Para completar, a escrita para instrumentos ou naipes individuais é perfeita , sem problemas. Ao passo que Schumann parece bem mais tímido e inseguro ao orquestrar , além de sua obra frequentemente precisar da intervenção do maestro para buscar o equilíbrio instrumental . E também é menos colorida e um tanto mais previsível . Não que ele seja um mal orquestrador , como alarmam os críticos . Como eu disse no artigo da sua Segunda Sinfonia , a simples redução do número de instrumentos de corda já ajudaria bastante a que se ouça os sopros . Por fim , vale lembrar que Wagner tinha todo esse controle porque era maestro , trabalhava constantemente com orquestra em praticamente toda a sua vida . Pode não parecer, mas o contato sistemático com uma orquestra educa bastante o ouvido para nuances e sutilezas orquestrais . Gravações recomendadas Tentarei recomendar diferente do que fiz nesse artigo , mas lembrando que as versões de Sir George Solti e Claudio Abbado são supremas . - Daniel Barenboim , com a Staatskapelle de Berlim - O maestro e pianista argentino , hoje (2023) com 80 anos , acabou de se aposentar para cuidar da saúde , que começou a complicar . Dirigiu a Staatskapelle de Berlim , uma orquestra que começou a existir em 1570 (sendo uma das mais antigas ainda em atividade ), por 30 anos e elevou em milhas o status e a qualidade do grupo, gravando tanto repertório sinfônico quanto ópera . Essa excelente versão da Abertura Tannhäuser (na verdade, da ópera completa ) tem uma concepção cheia de nuances e ambiguidades . Ela é clara e escura , nítida e difusa , romântica e um tanto moderna . É única . É do ano de 2001 . - Giuseppe Sinopoli , com a Staatskapelle de Dresden - O regente italiano , morreu tragicamente após sofrer um ataque cardíaco enquanto regia a ópera Aida , de Giuseppe Verdi , em Berlim . Tinha apenas 54 anos . Suas concepções musicais costumavam ser consideradas excêntricas , mas, se acertava , o acerto era grande . Gravou esse disco com a Staatskapelle de Dresden em 1996 . A Staatskapelle de Dresden , até os anos 90 , era vastamente superior à Staatskapelle de Berlim . Hoje ela é apenas superior o bastante . O CD é dos meus, contém apenas Aberturas e Música Instrumental de Wagner . E vem com a lindíssima Abertura Rienzi . - Mariss Jansons , regendo a Filarmônica de Oslo - Um dos maiores regentes de sua era - morreu em 2019 -, ao assumir a Filarmônica de Oslo , que dirigiu de 1979 a 2000 , também transformou a orquestra, fazendo turnês constantes e gravando muito , o que fez o conjunto melhorar exorbitantemente . As gravações dsse CD , também com músicas apenas orquestrais de Wagner , são de 1992 e a orquestra soa como uma divindade . Ele também gravou com a Sinfônica da Rádio Bávara , mas esta aqui me parece mais segura e direta . O letão Jansons foi outro maestro (de uma lista maior do que o aceitável ) que sofreu um ataque cardíaco enquanto regia uma ópera : era La Bohème , de Giacomo Puccini . Foi em 1996 e ele quase morreu . Seu pai , o também maestro Arvīds Jansons , também havia morrido , em 1984 , enquanto regia um concerto com a Orquestra Hallè , em Manchester . - Jorge Bolet , piano - O pianista cubano teve uma carreira internacional tardia , que se iniciou quando ele tinha 64 anos , em 1974 . Obviamente ele já tinha uma carreira , inclusive de gravações , mas era considerado um pianista menor até que, em 1974 , fez uma apresentação lendária no Carnegie Hall , em Nova Iorque , que o alçou à fama mundial . Escolheu um repertório dificílimo , com a Chaconne de Bach , os Prelúdios de Chopin e obras variadas , na segunda parte , incluindo algumas transcrições de obras orquestrais para piano . Entre elas estava a transcrição de Franz Liszt da Abertura Tannhäuser , de Wagner . Dificílima (Liszt gostava de contribuir com escalas e adornos , por sua conta, nas transcrições) e tocada de maneira embasbacante , a abertura não passou despercebida . O recital foi lançado várias vezes , em LP e CD . Vale muito a pena conferir. E, como sempre, o/a encorajamos a comentar. Para comentar , continue rolando abaixo e encontre a faixa vermelha , abaixo de "Posts Relacionados". Nosso dever é difundir a música clássica , e não sabemos exatamente se estamos conseguindo . Às vezes parecemos rádio-amadores , transmitindo para as galáxias solitárias (possivelmente solitárias). Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia . Um "pequeno " Glossário de termos musicais . Aqui , 10 Livros Sobre Música Clássica Que temos com os vestidos das pianistas? Compreensão Musical Como Ouvir Música Clássica Vamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista ? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Maiores Orquestras do Mundo Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires , postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas , do Blog Pianíssimo ( www.pianissimo.ovar.info ). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu , falecida aos 30 anos em um acidente de avião , em 1949 . Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire , considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021 . Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske , de Dvořák Músicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu , de Gluck/Sgambati Músicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte , de Ravel Músicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada , de Villa-Lobos Músicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis , de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de Wagner Músicas Fofinhas 7 - Rêverie , de Debussy As Famosas Listas - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms - 10 Obras para se Conhecer Bartók - 10 Obras para se Conhecer Chopin Música Popular Brasileira Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha Análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Bach - Fantasia Cromática e Fuga - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Mozart e seus milagres - Et Incarnatus Est - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os E studos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano - Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - Rapsódia Sobre um Tema de Paganini - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos Rachmaninoff - Sinfonia Nº 2 - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina - Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Schumann - Sinfonia Nº 2 - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? 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  • Rachmaninoff - Sinfonia Nº 2

    Por Rafael Torres A Sinfonia Nº 2, em Mi Menor, Op. 27, do compositor Romântico Tardio russo Sergei Vassilyevich Rachmaninoff foi escrita em 1907. É a primeira sinfonia desse porte a ser abordada pela Arara Neon porque é uma obra colossal, da qual podem ser extraídos muitos significados. Ou nenhum, se preferir. Pode ser ouvida como uma peça abstrata, cujo significado seja nada de extramusical. E, de fato, ela verifica nossa capacidade de escutar 1 hora de música sem, obrigatoriamente, ficar tentando analizar as intenções do compositor. Mas é uma música gloriosa, linda de morrer, de escrita orquestral brilhante, com climas e humores que só Rachmaninoff sabe fazer. Seu movimento lento, o terceiro, é glorioso. A obra é cultuada até hoje, sendo (das 3 sinfonias do autor) sua mais popular. Se você conseguir vencer os 60 minutos, verá que poucas vezes foi escrita coisa tão bela. Rachmaninoff tinha 33 anos e era muito respeitado como pianista, compositor e regente. De fato, tinha passado os últimos dois anos como maestro da Ópera Imperial, no Teatro Bolshoi, em Moscou. Mas por se considerar, acima de tudo, um compositor, e por achar que o posto de regente o estava atrapalhando, ele largou o cargo e mudou-se com a família para Dresden, Alemanha. Ele o fez, também, para escapar de um mini golpe, a Revolução de 1905, considerada um ensaio para a de 1917. Lá, ou em Ivanovka, a casa da família de sua esposa na Rússia, onde passavam os verões, foram surgindo obras como a 2ª Sinfonia e o poema sinfônico A Ilha dos Mortos. Compor uma sinfonia foi uma forma de atiçar seu talento e pôr à prova seu lado psicológico. Porque sua Primeira Sinfonia, de 1897, havia sido um tremendo fracasso, lançando o jovem compositor em uma depressão e um bloqueio criativo que só arrefeceriam 3 anos depois, quando, sob terapia, compôs o 2º Concerto para Piano e Orquestra, que foi um sucesso. Mas compor especificamente uma nova sinfonia seria uma forma de se livrar de vez daqueles três anos infernais. Assim como o 2º Concerto, a 2ª Sinfonia lhe renderia o prestigiado Prêmio Glinka de composição, na Rússia (com uma bolada de dinheiro), e eficientemente lhe deu confiança como compositor de obras orquestrais. Um belo dia, após a Revolução de Fevereiro de 1917, quando volta a Ivanovka, descobre-a ocupada por um grupo de homens do Partido Socialista que tinha clamado propriedade sobre a casa. Furiosamente transtornado e prevendo problemas, ele começa a pensar em como poderia sair da Rússia. Em outubro ocorre outra revolução (a, bem, Revolução de Outubro) e ele resolve se mudar com a família (a esposa Natalia Satina e as filhas Irina e Tatiana) para os EUA, partindo em dezembro de 1917. * Eu sou de esquerda, mas isso não me impede de considerar aterrador o que o Comunismo fez, de Berlim Oriental à Sibéria. Acredito que poucos, na esquerda atual, desejem o Comunismo. Quando chegou aos EUA trazia uma obra vasta (na verdade, meras 35 composições, mas suas obras eram titânicas) principalmente de música sinfônica e para piano, além de algumas óperas (tanto que compôs pouco, lá, onde passaria o resto da vida com saudade da Rússia, agora, União Soviética). Incluindo essa sinfonia. Rachmaninoff gravou, como regente, não ela, mas a Terceira Sinfonia (obra que também será abordada aqui), com a Orquestra de Filadélfia. Nos Estados Unidos ou em sua casa de veraneio na Suíça, Villa Senar, escreveu mais 10 obras (incluindo a Rapsódia Paganini, a 3ª Sinfonia e as Danças Sinfônicas) chegando ao Opus 45. Coube ao hoje esquecido Nikolai Sokoloff e à Orquestra de Cleveland (em 1929) fazer a primeira gravação da Segunda. Mas acontece que eles cortaram páginas e páginas, removendo quase metade da obra (que ficou com 35 minutos). E ela seguiu sendo tocada e gravada dessa forma até que, em 1968, Paul Kletzky e a Orchestre de la Suisse Romande fizeram a primeira gravação da música sem cortes, o que passaria a ser norma a partir de então, para nossa felicidade. A Obra A orquestra, não tão enorme, inclui 3 Flautas (uma alternando para Flautim); 3 Oboés (um alternando para Corne Inglês); 2 Clarinetes; Clarone (Clarinete Baixo); 2 Fagotes; 4 Trompas; 3 Trompetes; 3 Trombones; Tuba; Tímpanos; Caixa Clara; Bombo Sinfônico; Pratos; Glockenspiel; Violinos 1; Violinos 2; Violas; Violoncelos e Contrabaixos. A obra, como dito, tem 60 minutos de duração e 4 movimentos, dos quais o primeiro, com cerca de 23 minutos (!), é o maior. Acompanhe a excepcional interpretação ao vivo do maestro russo Vasily Petrenko com a Orquestra Filarmônica de Oslo. 1º Movimento: Largo - Allegro Moderato (06s) Introdução - Largo O Primeiro Movimento começa carregado, um tanto intimidante, nos Violoncelos e Contrabaixos, até que uma pequena manifestação das madeiras traz um caráter um pouco mais vivo. Aos 25s os Violinos executam uma ideia que será importante: ela se constitui por três notas ascendentes e duas descendentes que se alternam (e mais duas e mais duas). Essa melodia que os Violinos fizeram é o Tema Motto, um tema que irá se repetir dessa maneira ou com alterações por toda a sinfonia. Fiquem atentos, pois não dá para ressaltar cada aparição, menção ou sujestão do Tema Motto. Agora, tudo isso vai se repetir 2 vezes. Na segunda repetição (2m12s) os Violinos tocam o Tema Motto em Cânon (Violas tocam, depois Segundos Violinos, depois Primeiros Violinos), o que nos lembra um loop e dá ao tema uma característica ainda mais chorosa. O auge da introdução é quando os Violinos tocam o Tema Motto alterado, cada vez mais agudo (2m59s), em um momento em que parece que a orquestra está a acordar. É um trecho muito bonito. Após a intervenção dos Tímpanos, Trompetes e Trombones (mas dependendo da edição que você pegar, não haverá tímpanos) (3m29s), a música vai arrefecendo, se acalmando, até que só sobra um Corne Inglês (4m36s). Com ele, Rachmaninoff faz habilmente a transição para a exposição. Exposição Aos 4m57s, com dois pizzicatos das cordas graves e tremolos das agudas, começa a exposição. A introdução nos anunciou que essa música não seria fácil. Rachmaninoff não vai nos entregar os temas de bandeja. Os Clarinetes e o Fagote preparam a entrada do primeiro tema com um motivo de três notas. Até que os Violinos entram com o Tema A (5m04s). Ele tem características de variação daquilo que os Violinos fizeram na introdução, apenas com um ritmo mais vivo. Repare, aos 6m05s, nos Contrabaixos e Violoncelos: eles fazem o Tema A de maneira apressada. Aliás, esse tema ficará retornando por todo o decorrer da música. Aos 6m30s, um Clarinete anuncia a chegada do Tema B - mais uma vez, um instrumento solo faz uma ponte importante. Ele é composto por três elementos: as chamadas das madeiras, as respostas das cordas em registro grave e o canto agudo dos Violinos, derivado do Tema Motto. Mais uma vez temos um Tema B que parece destacado da obra. Ele é alegre e jovial. Isso ocorre porque ele precisa contrastar com o Tema A, de modo que dê ao compositor mais possibilidades de expressão. O Tema B é repetido (7m04s), mas dessa vez o canto dos Violinos nos mostra consequências mais drásticas de seu devaneio, trazendo mais dramaticidade. Para o fechamento da exposição, aos 7m26s, Rachmaninoff nos dá uma melodia (derivada do Tema Motto) que vai caindo e a orquestra, diminuindo em um belissimo momento, além da bela cantilena dos Violoncelos (7m58s). A exposição vai acabando de maneira sutil. A partitura nos instrui a repetir toda a exposição, coisa que Petrenko não faz, aqui. Desenvolvimento O desenvolvimento começa aos 8m56s, com um ostinato das Violas. O Tema A (9m00s) aparece em um Violino Solo. Ele gera uma resposta dos Primeiros Violinos (9m11s) (o Violino Solo, chamado Spalla, pertence aos Primeiros Violinos; mas costuma ser destacado deles em alguns momentos). Logo o ostinato volta. Dessa vez quem faz o Tema A (9m25s) é o Clarinete, gerando uma nova resposta em tremolo das cordas. Passagem que acaba levando aos lúgubres crescendos da orquestra (10m36s) (10m53s) (11m10s), com o Trompete aparecendo no fim e o Tema Motto sendo esboçado pelas cordas e pelo Clarinete Baixo. A partir daí, como se despertasse de um sonho, a orquestra vai crescendo e ganhando vigor até explodir, aos 12m30s. Os ataques ameaçadores dos Violinos (12m36s), junto com os anúncios dos metais, vão nos preparando para a recapitulação. Reparem que, a partir dos 13m, os Violinos já vão nos lembrando do Tema A. Aos 13m29s temos mais explosões, com os Pratos, os Tímpanos e o Bombo Sinfônico sendo acionados. Aos 14m os Violinos começam a ameaçar algo, a que o Corne Inglês e depois o Oboé se juntam, desenvolvendo-se e transformando-se na frase de ligação entre as sessões. É o fim do desenvolvimento. Recapitulação A recapitulação tem início com o Tema B (14m30s), que não foi explorado no desenvolvimento. Recapitular a partir do Tema B não é muito comum, mas Rachmaninoff provavelmente se inspirou em seu falecido amigo e mentor Peter Tchaikovsky, que, ocasionalmente, fazia assim. Reparem na brilhante escrita orquestral (15m40s). Nesse trecho são feitas referências ao Tema A que seguem adiante, como aos 16m27s, já sem muito ímpeto, meio amolecido. O Coda se inicia aos 18m20s, quando o movimento muda de caráter. A música termina com um inusitado golpe do Tímpano. 2º Movimento: Allegro Molto (19m18s) O Segundo Movimento é o que se pode chamar de um Scherzo, com reservas. Um pouco de história: no século XVIII, o movimento de distração era um calmo e tranquilo Minueto. Foi Ludwig van Beethoven, já nos anos 1800, que teve vontade de mudar. Ele deu uma impulsionada em um gênero que era pouquíssimo usado e passou a usá-lo como terceiro (ou segundo) movimento em suas sinfonias, sonatas para piano e outras obras grandes. De 1802, sua Sinfonia nº 2 já adota o scherzo. A motivação era a de que o Minueto é um movimento leve e delicado, enquanto o Scherzo (significa brincadeira), pode ser mais irônico e elétrico, combinando mais com as aspirações do Romantismo. E nunca mais se ouviu falar em Minueto. O fato é que, do Minueto, o Scherzo herdou o compasso em 3 tempos (3/4), mas Rachmaninoff Boy escreveu, para essa sinfonia, um Scherzo com compasso de 2 tempos (2/4). Não é errado, é só estranho. Talvez por isso ele não a tenha chamado de Scherzo, mas de Allegro Molto. Prepare-se para uma música, em sua maior parte, agitada. Ela terá partes A, B, A, Trio, A, B, A, uma forma típica do Scherzo. Parte A Pois bem, o Scherzo começa aos 19m18s. Temos um acompanhamento frenético dos Violinos, com o Oboé, e ouvimos o Tema A, nas Trompas (19m20s). Essa melodia é logo tomada pelos Violinos (19m23s). Aos 19m31s esse trecho é repetido. Aos 19m46s ouvimos a frase resposta no Glockenspiel. A partir dos 19m53s, eles passam a brincar com o Tema. Aos 20m25s o Clarinete fica só, para anunciar a Parte B. Parte B É uma sessão mais lírica e bem menos afobada. Aos 20m32s os Violinos nos entregam o lindo Tema B. Aos 21m21s temos, nas madeiras, elementos da Parte A, o que significa que ela está para voltar. Aos 21m51s a orquestra começa a acelerar e crescer. Parte A Aos 20m01s a orquestra explode com o Tema A, novamente nas Trompas e passando para os Violinos. Repare, aos 22m11s, na declamação do Tema A por toda a orquestra, de maneira meio furiosa. A sessão acaba de modo sutil, com pizzicatos dos Violoncelos e pequenas intervenções dos violinos. Trio O Trio, marcado Meno Mosso (menos movimentado), tem início de súbito, com a orquestra em tutti (toda a orquestra). Depois, os Violinos 1, Violinos 2 e Violas, auxiliados pelas madeiras, dão início a uma sessão contrapontística complicadíssima, assombrada por acordes das Trompas, Trombones, Trompetes e Tuba (23m24s). Aos 24m06s a sessão ganha um novo carácter, ficando alegre, por alguns momentos. Aos 24m42s começa novo crescendo e accelerando, que levam, sem cerimônia à Parte A. Parte A Aos 25m01s a música cai no Lá Menor da Parte A. Ela é tocada com alterações na orquestração. Aos 26m07s o Clarinete anuncia a chegada da Parte B. Parte B O Tema B é tocado aos 26m13s, pelas cordas. Aos 27m04s eles começam a tocar motivos da Parte A, em preparação para voltar a ela. Parte A Aos 27m45s tem início a Parte A, o final do movimento. É tocada com várias alterações. O Coda chega aos 28m35s, nos metais, com destaque para o Trompete. Depois, os metais graves (28m54s) em coral dizem o que querem dizer e a música termina reticente, casual. 3º Movimento: Adagio (29m30s) O Adagio tem 3 partes (A-B-A). Parte A A música começa aos 29m33s, já proclamando o que optei por chamar de seu Tema B, uma melodia de rara beleza que, por enquanto, é apenas pincelada. A famosa e longa frase do Clarinete, o Tema A, (30m03s) é apresentada com um acompanhamento discreto da orquestra. Este tema é plácido e contemplativo, se estendendo em longas e bem-vindas notas. Quando o Clarinete vai chegando ao fim (31m54s), o Fagote ainda faz uma finalização de sua frase. A partir de 32m04s a orquestra inicia um crescendo, sob um baixo pedal dos Contrabaixos, que desemboca na plena exibição do Tema B (32m47s), com belas figurações das madeiras. Parte B Aos 33m47s os Violinos iniciam a Parte B, com seu Tema C. Eles tocam a melodia em canon, isto é, ouve-se a melodia dos Violinos 2 no encalço da mesma melodia, nos Violinos 1. A Parte B é mais atormentada que a Parte A. O Corne Inglês e o Oboé (33m58s) tocam frases simples, mas que vão elevando a sensação de agonia. As cordas voltam e ficam alternando com o Oboé e o Corne Inglês. Até que, aos 35m52s, a tensão está acumulada, o que leva às frases dos Violinos entrecortadas pelos metais, em um dos momentos mais emocionantes da obra. Tanta tensão acumulada só poderia nos levar a uma explosão (36m44s), seguida de um acalmamento geral. Os Violinos imediatamente começam a sussurrar o Tema B, misturando-o com o Tema C. Após uma pausa, aos 37m24s, volta a Parte A. Parte A O Tema B começa a ser ventilado, primeiro na Trompa (37m29s), a seguir no Violino Solo, no Oboé Solo, na Flauta Solo, Oboé Solo, novamente e, por fim, o Tema volta pianinho, mas com personalidade, ao Clarinete Solo (38m15s), com respostas encantadoras, que são extraídas do mesmo Tema B, dos Violoncelos, em um momento de pura beleza e nostalgia. Aos 38m40s as cordas voltam a fazer o Tema A, aquele que foi declamado pelo Clarinete no começo do movimento. Mas as consequências, no final, são diferentes. Perceba que temos vários chamados ao Tema B: nas Trompas, no Clarinete, no Corne Inglês, novamente Trompas, na Flauta, novamente Corne Inglês e novamente Flauta. Daí passamos para a sessão em que a orquestra cresce e se intensifica, tal como na primeira Parte A. Ela vai explodir no Tema B alterado, por parte dos Violinos 1 e 2. A orquestra inteira acompanha. Depois, começa a se desenvolver, nas cordas, uma linha que vai ficando mais e mais aguda, até que só sobram os Violinos 1 (42m27s), ocasionalmente auxiliados pela Flauta. Ainda temos algumas referências ao Tema B. Então, o Clarone e as Violas ficam sós, com duas notinhas (43m14s) que levam ao Coda. O Coda em si consiste no belo acorde cinematográfico (43m29s) que vai se esvaziando até só restarem os Contrabaixos, em pizzicato sobre uma cama discreta de cordas. 4º Movimento: Allegro Vivace (44m34s) Exposição Para o Finale, Rachmaninoff preparou um movimento cheio de vida e festividade, em Forma Sonata. O quarto movimento é agitado, rápido e barulhento, mas relativamente simples. Ele faz diversas alusões aos outros movimentos. Começa com uma orquestração (a escrita orquestral) absolutamente brilhante, executando o Tema A. Nesse movimento os metais têm tanta importância quanto os outros naipes. Também é o movimento em que consta mais percussão. A exposição do Tema A é repetida. Depois desse início frenético, a orquestra cai em Mi Menor (o tom da sinfonia), com mais assertividade, pontuado pela Trompa (45m27s), com pizzicatos das cordas graves. Trata-se do Tema B (45m40s) dominado pelas madeiras com intervenções das cordas. Logo volta o Tema A, aos 46m16s, com alterações. Uma pancada do Tímpano (47m05s) inicia um interlúdio lírico, tocado pelos Violinos, que parece um devaneio, com longas linhas de cordas e uma tranquilidade quase onírica. No final do interlúdio temos o soar nostálgico do Tema B do terceiro movimento (50m21s) nos violinos (não confundir com qualquer outro Tema B) e o Tema A do primeiro movimento, na flauta, no clarinete e no oboé. Exposição Começando aos 50m50s, a exposição é agitada e complexa. O Tema A aparece de cara, mas todo alterado. Observe que os oboés tocam uma melodia do terceiro movimento. Aos 51m06s as cordas fazem uma finalização do segundo movimento. Na exposição, o interessante é você encontrar o Tema A, o Tema B, que sempre aparecerão distorcidos, além de, nesse caso, como a sinfonia é cíclica, estar atento para aparições de temas ou até mesmo articulações dos outros movimentos. Aos 52m os Contrabaixos seguram uma nota. A partir dela surge uma brilhante finalização para a exposição. A orquestra vai crescendo, tomando vida em um tipo de cânon até cair na sessão seguinte. Recapitulação Começando aos 52m46s, a recapitulação segue a ordem normal e começa pelo Tema A. Aos 53m47s aparece, nos metais, o Tema B. Eventualmente ele cresce, acelera e desemboca no Tema A, desta vez mostrado em sua plenitude, muito mais longo do que antes. Aos 56m09s surge o interlúdio lírico dos Violinos, mais Appassionato e Agitato. Ele serve como o início do Coda. A Codetta, a finalização da música em si, é breve, começando aos 57m22s, e dá à obra um merecido final triunfante. Considerações Finais A Sinfonia Nº 2 em Mi Menor, Op. 27, de Sergei Rachmaninoff é uma obra prima. Em sua concepção de estrutura de grande porte, em sua orquestração, na beleza de seus temas e passagens. Foi estreada no Teatro Mariinsky, em São Petersburgo. Rachmaninoff regeu a orquestra do teatro em 26 de janeiro de 1908. A estreia foi um sucesso. Das três sinfonias dele, a Segunda é a mais bem sucedida, sendo muito tocada em salas de concerto e muito gravada - há dezenas de gravações. Gravações Recomendadas - André Previn regendo a Orquestra Sinfônica de Londres - Por muito tempo foi a gravação de referência da obra, por sua clareza e sonoridade. A mim parece pouco idiomática (não fala realmente a língua musical de Rachmaninoff). Mas é um excelente registro e tem grande importância histórica, pois, mais que a gravação de Kletzky, é a grande responsável pela restauração do hábito de se tocar a sinfonia inteira. É de 1973. - Vladimir Ashkenazy regendo a Orquestra do Concertgebouw, de Amsterdã - A gravação do especialista em Rachmaninoff Vladimir Ashkenazy é brilhante. Ele pegou uma das maiores orquestras do mundo, uma que tem, acima de tudo, um som sombrio, grave, que se rende perfeitamente à obra. É de 1982. - Vassily Petrenko com a Royal Liverpool Philharmonic Orchestra - O regente russo do vídeo acima não gravou a obra com a Filarmônica de Oslo, mas com a Royal Liverpool Philharmonic, uma orquestra substancialmente melhor, da qual foi regente titular de 2005 a 2021. Essa gravação é de 2013. É um tanto branda, mas muito musical. Ele repete a exposição do 1º movimento. - Simon Rattle regendo a Sinfônica de Londres - Para que não digam que não gosto de Sir Simon Rattle, declaro que gosto bastante, em alguns repertórios. Quando assumiu a Sinfônica de Londres, em 2017, tendo saído da Filarmônica de Berlim, ele começou a fazer uma série de gravações. E uma das mais repercutidas foi essa da Segunda Sinfonia de Rachmaninoff, de 2019. É cheia de emoção, extremamente bem tocada e bem regida. E, como sempre, o/a encorajamos a comentar. Para comentar, continue rolando abaixo e encontre a faixa vermelha, abaixo de "Posts Relacionados". Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias solitárias (possivelmente solitárias). Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Que temos com os vestidos das pianistas? Compreensão Musical Como Ouvir Música Clássica Vamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Maiores Orquestras do Mundo Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de DvořákMúsicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/SgambatiMúsicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de RavelMúsicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-LobosMúsicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de WagnerMúsicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy As Famosas Listas - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms - 10 Obras para se Conhecer Bartók - 10 Obras para se Conhecer Chopin Música Popular Brasileira Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha Análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Bach - Fantasia Cromática e Fuga - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Mozart e seus milagres - Et Incarnatus Est - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano- Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno- Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - Rapsódia Sobre um Tema de Paganini - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina- Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Argonautas Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente Não esqueça de comentar!

  • Milagres de Mozart - Et Incarnatus Est, da Grande Missa em Dó Menor

    Por Rafael Torres A Grande Missa em Dó Menor, K. 427, do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) é uma obra prima. Ela engrossa nossos argumentos de que Mozart foi o maior compositor do Classicismo (segunda metade do século XVIII). Não analizaremos a missa inteira, aqui: sua duração é de cerca de 55 minutos (isso porque Mozart não completou a obra - faltam-lhe o Credo, o Agnus Dei e partes do Sanctus e do Benedictus). O motivo da incompletude da obra não se conhece: Mozart parece ter tido bastante tempo livre para compor em 1782. Porém, é dito que a inspiração dele para compor música sacra caiu quando ele se mudou para Viena. Ainda assim, é umas das obras mais geniais e compridas dele. Hoje em dia as performances tendem a utilizar edições da obra completadas por outros compositores ou editores. Alguns exemplos são as do editor Alois Smith, de 1901, de Clemens Kemme, editor da Breitkopf & Härtel, de 2018, e do musicóloco e pesquisador do Mozarteum de Salzburgo Ulrich Leisinger, para a editora Bärenreiter, de 2019. Por isso é que temos gravações da obra completa: foi completada por outros músicos e musicólogos. A obra nasceu em 1782 e 1783, em Viena, para onde tinha acabado de se mudar (Mozart nasceu e trabalhou até então, em Salzburgo, também na Áustria). Foi escrita logo antes do seu casamento com Constanze (Weber) Mozart (1762-1842). Mozart escreveu uma carta ao pai, em 1783, contando que tinha feito a promessa de escrever uma missa quando a esposa ficasse curada e quando fosse levar Constanze a Salzburgo para conhecer a família (no caso, restavam apenas Leopold Mozart, o pai e Maria Anna Mozart, a sua querida irmã, apelidada de Nannerl). Depois dessa visita Mozart nunca mais veria a irmã - ele morreria em 1791, apenas 8 anos depois, em Viena. As correspondências entre os dois foram minguando até cessar em 1788. Nannerl é um típico caso, assim como Fanny Mendelssohn, irmã de Felix Mendenssohn-Bartholdy, de mulher que teria uma carreira notável, não fosse a proibição do pai, fruto da misoginia de então. "É verdade o que eu disse sobre minha obrigação moral... Eu fiz a promessa e espero conseguir mantê-la. Quando eu a fiz, minha esposa ainda era solteira; mas como eu estava determinado a casar com ela logo que se recuperasse, foi fácil para ela, a recuperação - mas como você sabe, o tempo e outras circunstâncias fizeram a jornada impossível. A partitura de uma missa meio acabada que ainda está repousando aqui, esperando para ser terminada, é a melhor prova de que eu realmente cumpri a promessa." Wolfgang Amadeus Mozart Em carta a seu pai, Leopold Mozart, em 4 de Janeiro de 1783 O compositor passou 3 meses em Salzburgo e uma de suas intenções era a de apresentar Constanze a Leopold - o pai ficara contrariado com o fato de Wolfgang se casar com uma moça que não tinha passado pela sua aprovação. É também evidente que Mozart escreveu a missa para sua própria distração, para se desafogar dos trabalhos que lhe eram encomendados constantemente, nessa época. A Estreia A estreia da peça aconteceu durante essa visita. Foi em Salzburgo, em 26 de outubro de 1783. Constanze, que era hábil cantora, cantou a parte da soprano justamente no Et Incarnatus Est, o movimento sobre o qual vamos nos debruçar. Nessa estreia foram executados apenas os movimentos Kyrie, Glória, Et Incarnatus Est, Sanctus e Benetictus. Foi na Abadia de São Pedro, já que a missa é um formato apropriado para ser cantado em igrejas. O Formato Missa O formato missa surgiu vários séculos antes de Mozart, na Idade Média (a primeira missa completa que sobreviveu até os dias de hoje foi a Messe de Notre Dame, de Guillaume de Machaut, do século XIV). A missa tem sempre os mesmos textos, muitos são os mesmos do Réquiem, que também é um tipo de missa. O que varia é a música. Ela é dividida em partes. O compositor pode eleger quais ele quer incluir ou omitir da sua obra. A Grande Missa em Dó Menor, K. 427 ficou assim: Kyrie Eleison; Gloria (essa é uma sessão, que contém 7 movimentos: Gloria, Laudamus Te, Domine Deus, Qui Tollis, Quoniam, Jesu Christe e Cum Sanctu); Credo (com dois movimentos: Credo, Et Incarnatus Est); Sanctus (com dois movimentos: Sanctus e Hosanna); Benedictus. Um movimento comum, mas que Mozart não incluiu nessa missa é o Agnus Dei, que geralmente encerra a obra. No total, essa missa tem 13 movimentos. Sua duração é de cerca de 55 minutos. É uma obra descomunal e exemplar, de inspiração elevada do primeiro ao último movimento. Et Incarnatus Est O 11º movimento dos 13 da Grande Missa em Dó Menor é o Et Incarnatus Est. É um quarteto para soprano e orquestra com três solistas: a flauta, o oboé e o fagote. Talvez seja o mais inspirado e milagroso movimento da missa. Mozart o deixou incompleto, faltando boa parte do acompanhamento das cordas e a cadência. O Incarnatus dura pouco mais de 7 minutos e meio de inspiração, genialidade, beleza, tranquilidade. A mais pura perfeição e delicadeza. Abaixo temos a nossa gravação guia, com Arleen Auger (soprano) e Leonard Bernstein regendo a Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara. É uma gravação extremamente expressiva e muito bem tocada. De 1990. A Obra Não cabe fazer uma análise ponto a ponto da peça, como eu costumo fazer. Ela não tem uma forma muito importante. Em vez disso, vou comentar alguns pontos em que você deve prestar atenção. Começa com a orquestra fazendo sua introdução; Aos 43 segundos são apresentados a flauta, o oboé e o fagote, que formarão um quarteto com a soprano; Costuma ser dito que Mozart não gostava de flauta (é atribuída a ele a frase "O que é pior que uma flauta? Duas flautas"). Mas isso se deve ao fato de que, em sua época, a flauta era muito sibilante (ouvia-se muito a emissão do ar) e, principalmente, era difícil de equilibrar com o resto da orquestra, ficando sempre incomodamente mais audível que a orquestra. E, mais ainda, na sua época a flauta era de madeira e com apenas uma tecla. Os instrumentos eram mal feitos e cheios de problemas que afetavam, sobretudo, sua afinação - muitas notas saíam desafinadas independente da qualidade do instrumentista. É sabido que, quando passou a viver em Viena, encontrou instrumentos e instrumentistas de muito mais qualidade. Por fim, quase tudo que ele escreveu para flauta é impecavelmente belo; Em 1m30s temos a entrada da soprano, fazendo o Tema Principal, com respostas das madeiras. O tema consiste nos versos "Et incarnatus est - De Spiritu Sancto"; Aos 2m20s temos uma série encantadora de melismas da soprano: por esse tempo todo ela esteve cantando simplesmente a segunda letra "a" de "Incarnatus", finalizando a palavra aos 3m48s; Também aos 3m48s a flauta, o oboé e o fagote têm uma contribuição importante; O Tema Principal volta, na soprano, aos 4m, o tempo todo dialogando com flauta, oboé e fagote; Aos 4m43s a soprano toma novas direções (incluindo a bela nota aguda, aos 4m48s), em uma passegem tecnicamente difícil, pois as escalas e arpejos são contraintuitivos; Aos 5m04s a soprano dá início a uma série de trinados (alternâncias rápidas entre duas notas), que Arleen faz com muita discrição e bom gosto. Aos 6m38s temos a cadência, momento em que a orquestra para e os solistas (soprano, flauta, oboé e fagote) tocam sós, em caráter improvisativo. Importante lembrar que Mozart não nos deixou essa cadência, de modo que é uma reconstrução de outro músico. Mas é muito apropriada, de muito bom gosto, utilzando apenas elementos que já foram ouvidos na composição. A soprano não canta letra. Termina aos 8m08s; Aos 8m09s a orquestra toca a introdução e finaliza a música de maneira discreta e sutil. Considerações Finais O ponto alto da composição é a graciosa interação entre os quatro solistas: soprano, flauta, oboé e fagote. A escrita deles é contrapontística. Contraponto é a arte de escrever duas ou mais melodias simultâneas. São regras medievais e escrever obedecendo-as é extenuante, mas Mozart faz sem esforço e o resultado é graciosíssimo. A Grande Missa em Dó Menor, K. 427, se considerarmos a obra completa, é escrita para duas sopranos, tenor, baixo, coro duplo (sim, dois coros, cada um com 4 tipos de voz, totalizando 8), órgão e grande orquestra. Trata-se de uma Missa Solemnis, um tipo de missa mais ambiciosa que a Missa Brevis, esta, mais modesta. Et Incarnatus Est é uma música gloriosa, íntima, repleta de placidez e contemplatividade. Além de ter um impecável trabalho de escrita contrapontística. É um verdadeiro milagre de Mozart. Gravações Recomendadas Só há duas maneiras de se interpretar a obra de Mozart: a Romântica, com grandes orquestras, usando mais vibrato e, às vezes, rubato (coisas que não se faziam à época); e a "Historicamente Informada", que adota, teoricamente, práticas comuns na época, com orquestras menores, vibrato comedido etc. Uma terceira forma está surgindo: as grandes orquestras sinfônicas tocam com menos de seus instrumentistas e fazem um estilo híbrido, mais comedido que o Romântico mas não tão "frio" quanto o de época. Dou um exemplo de cada (Romântica e Historicamente Informada). - Philippe Herreweghe, regendo a Orchestre des Champs-Élysés e a soprano Christiane Oelze - A versão "Historicamente Informada". O porquê das aspas? É que o movimento HIP, Performance Historicamente Informada, é controverso, sugerindo parâmetros de interpretação exagerados, quando não completamente errados. Além do mais eles dizem tocar como o compositor ou alguém de sua época tocaria, mas isso é impossível de saber. Apesar disso, produziram muitas e muitas gravações de primeira qualidade. Esta gravação, de 1991, mostra o genial regente Philippe Herreweghe acompanhando a talentosa soprano Christiame Oelze. É lindo ouvir a orquestra comedida, os solistas sem tomar liberdades, tais quais um vibrato ostensivo, rubatos e ritenutos. - Claudio Abbado, com a Filarmônica de Berilim e a soprano Barbara Bonney - Essa é a gravação Romântica (embora tenda para o estilo híbrido, mais moderno). É uma versão de uma delicadeza ímpar, além de clareza e excelência. Também é de 1991. E, como sempre, o/a encorajamos a comentar. Para comentar, continue rolando abaixo e encontre a faixa vermelha, abaixo de "Posts Relacionados". Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias solitárias (possivelmente solitárias). Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Compreensão Musical Como Ouvir Música ClássicaVamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Maiores Orquestras do Mundo Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de DvořákMúsicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/SgambatiMúsicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de RavelMúsicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-LobosMúsicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de WagnerMúsicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy As Famosas Listas - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms - 10 Obras para se Conhecer Bartók - 10 Obras para se Conhecer Chopin Música Popular Brasileira Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha Análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Bach - Fantasia Cromática e Fuga - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano- Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno- Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - Rapsódia Sobre um Tema de Paganini - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina- Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? 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  • Bach - A perfeição da Fantasia Cromática e Fuga

    Por Rafael Torres A Fantasia Cromática e Fuga em Ré Menor, para cravo (ou, hoje em dia, piano), do compositor Barroco Johann Sebastian Bach (1685-1750) tem o número BWV 903, em uma espécie de ordem cronológica não muito rigorosa que vai até o BWV 1.126. A Fantasia foi escrita em Köthen, Alemanha, entre 1717 e 1723, quando ele esteve empregado pelo Príncipe Leopoldo. Seu período em Köthen foi de 1717 a 1723. O príncipe era um amante de música e tocava vários instrumentos, como cravo e violino. Além do mais, tornou-se amigo do compositor, o que era raro entre realeza e corte. Era Calvinista e Bach também era protestante. A igreja Calvinista pregava a simplicidade, inclusive na música, sendo avessa a grandes e extravagantes obras sacras. Tudo isso, mas, principalmente, o fato de o príncipe gostar de música instrumental, livrou um pouco Bach da obrigação de escrever sempre oratórios e missas grandiosas. É por isso que, em Köthen, Bach pôde escrever muita música instrumental: Suítes Orquestrais, Os Concertos de Brandemburgo, As Suítes Para Violoncelo, As Partitas e Sonatas para Violino. Dentre as 3 Partitas para Violino, a 2ª contém a famosa e transcendental Chaconne em Ré Menor. O período em Köthen foi relativamente feliz, mas em 1720 a corte tinha viajado para Carlsbad e, quando voltou, o compositor descobriu que sua esposa, Maria Barbara Bach, havia falecido durante sua viagem. Ela, além de tudo, era sua prima em segundo grau. Eles tiveram 7 filhos, dos quais 4 vingaram. Dentre eles, dois se tornaram compositores de imensa importância nos períodos Barroco e Clássico. Foram eles Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788) e Wilhelm Friedmann Bach (1710-1784). Carl Philipp Emanuel, que nós muitas vezes abreviamos para CPE Bach, foi um músico realmente influente, tendo atingido fama muito maior que a de seu pai, em vida. Era admirado por Mozart, Haydn e por praticamente todos os compositores europeus da segunda metade do século XVIII. No Romantismo, século XIX, sua fama decaiu significativamente, enquanto a de seu pai crescia postumamente. Hoje há um renovado interesse pela música de CPE. Quando Johann Sebastian Bach compunha música coral na corte de Köthen (Cantatas Seculares), o príncipe tinha que contratar cantores das cidades vizinhas. Uma das cantoras era Anna Magdalena Wilcke, uma jovem talentosa e bonita que, em 1721, se tornaria Anna Magdalena Bach. Ela tinha 20 anos, e ele, 36. Viriam a ter 13 filhos (Bach era uma máquina), dos quais 6 vingaram. Dentre eles, Johann Christoph Friedrich Bach (1732-1795) e Johann Christian Bach (1735-1782), tornaram-se compositores prolíficos e bem sucedidos. Vários fatores fizeram com que terminasse o período de Bach em Köthen: O príncipe passou a ter que contribuir cada vez mais para o exército da Prússia, diminuindo o orçamento da música; O príncipe casou, em 1721, com uma certa Frederica Henriette, que não aprovava que ele se relacionasse de maneira amigável com seus servos; O próprio Bach desejava alçar voos maiores, em um principado de maior notoriedade. O posto mais importante de sua carreira estava por vir. Em Leipzig ele foi contratado como Thomaskantor da Escola de São Tomás, pertencente à Igreja de São Tomás, posto que ele reteria até o final da sua vida, em 1750. Lá ele compunha uma cantata por domingo, além de prover cantatas nos feriados, e reger. E de treinar o coro. Por pouco ele não precisou ensinar latim, graças aos 4 estagiários que foi autorizado a contratar. Vivia em atrito com seu empregador, o Conselho da Cidade de Leipzig, mas sua carreira realmente melhorou. A Obra A Fantasia Cromática e Fuga é única na obra de Bach. Vasta, embora relativamente curta, absolutamente genial e infinita. Um compositor "normal", nos dias de hoje, levaria séculos para escrever algo parecido. Porque, além de exibir uma técnica absurda de escrita, ela tem inspiração. São milhares de notas, mas cada uma tem propósito. Estou dizendo isso porque na primeira parte, a Fantasia, o ouvinte pode se perder no meio de tantos arpejos e corridas. A obra dura cerca de 11 a 13 minutos. É uma das obras mais improvisativas de Bach para teclado, isto é, tem um caráter de improviso, devido ao fato de a Fantasia não ter um tema em si, e sim, um turbilhão de passagens vertiginosas. Vale lembrar que existem diversas versões da obra, algumas com diferenças muito significativas. Mas a BWV 903 parece ser aquela em que Bach se satisfez com a forma. Veja abaixo o pianista Alexis Weissenberg, um dos maiores do século XX, tocando a peça ao piano, em 1971. A Fantasia Cromática Essa Fantasia é dividida em três seções. É chamada de Cromática (embora a Fuga seja até mais cromática) porque, embora tenha uma tonalidade, o Ré Menor, a peça conta com muitas divagações harmônicas, muitas vezes se estendendo sobre acordes diminutos em sucessão. Outra sua característica é a de ter passagens rápidas, estilo tocata, completamente monofônicas, ou seja que têm uma linha só, dividida nas duas mãos. Parte 1: Prelúdio ou Tocata A peça inicia com uma série de carreiras diatônicas, as primeiras das quais parecem interrompidas. É a parte mais difícil da obra, especialmente ao piano, em que o intérprete precisa tocar todas as notas com a mesma intensidade ou fazendo sutis variações de dinâmica. Em 1m47s temos uma sequência de arpejos, primeiramente de acordes diminutos e, depois, de acordes mais comuns. Os arpejos vão até 2m12s, quando a música se prepara para a parte 2. Parte 2: Recitativo (2m42s) Recitativo é um artifício da música cantada. Ópera e Música Sacra o usam. Ele surgiu da necessidade de adiantar o texto. Os compositores pegavam textos imensos que, se fossem musicar da maneira tradicional, a obra ficaria com uma duração exagerada. Então surgiu o Recitativo, que consiste em uma passagem menos musical, quase falada, que cobre muito texto em pouco tempo. Esse Recitativo instrumental lembra muito os cantados, com suas ornamentações, mas mesmo sendo uma música diferente, ele retém a aura da Parte 1. Aqui temos mais silêncios, como se o compositor tocasse uma escala e interrompesse. Desse modo a música exige muito do intérprete. Parte 3: Amálgama (3m52s) Marcado Presto (rápido), começa no compasso 60. Eu chamo de Amálgama porque ele tem características da Parte 1 e da Parte 2. Tem as carreiras da Parte 1 e as ornamentações da Parte 2. Seu caráter geral é mais misterioso e contemplativo. Ou, mais especificamente, como se a música estivesse em dúvida. O belo Coda é perfeito. Começa aos 5m20s e termina aos 6m50s, finalizando em Ré Maior, graças à terça de picardia. A Fuga (6m55s) Eu sempre achei a Fuga mais cromática que a Fantasia. Ela já começa com um pequeno cromarismo (Lá - Si bemol - Si - Dó) e logo outro aparece (Mi - Fá - Fá Sustenido - Sol). Trata-se de uma Fuga tradicional, e, por isso mesmo (já que se trata de JS Bach), excepcional. O compositor tem, o tempo todo, o domínio das três vozes, e o que se ouve é, de fato, uma música, mais do que uma Fuga. Considerações Finais A Fantasia Cromática e Fuga BWV 903 é realmente uma peça atípica de Bach. Atípica na construção, na harmonia e na escrita para o cravo. A peça ganhou notoriedade instantânea, sendo objeto de admiração de cravistas e compositores desde que foi composta. Isso não foi comum na trajetória de Bach. Recordemos que ele era conhecido como ótimo cravista, imbatível organista e excelente improvisador, mas seu trabalho como compositor era virtualmente desconhecido - era até considerado antiquado. A partitura só viria a ser publicada em 1802, já no fim do Classicismo e início do Romantismo, pelo editor Franz Anton Hoffmeister. Nos dias de hoje a peça é gravada por todo cravista que se preze (e por muitos pianistas), além de ser transposta para outros instrumentos, como o violão. Se o mundo acabasse e tudo o que restasse fosse um manuscrito dela como representante da Música Clássica (na verdade, Barroca) a memória da humanidade estaria bem representada. Gravações Recomendadas - Alexis Weissenberg - O grande pianista búlgaro, o mesmo do vídeo acima, gravou a peça algumas vezes, mas a que encontramos no Spotify é essa, para o selo Erato, de 1972. (Curiosidade: Weissenberg, aos 12 anos, foi preso com a mãe por 3 meses em um campo de concentração na Bulgária, então ocupada pela Alemanha. E lá tinha um acordeon, em que ele ficava tocando Schubert. Um guarda gostou e acabou pondo os dois em um trem. Ainda jogou o acordeon para eles pela janela e desejou boa sorte.) Foi um dos mais técnicos de todos os pianistas. Sua Fantasia Cromática e Fuga é elétrica, extremamente rápida e sem muitos rubatos. Quando ele pega uma frase, ela vai, sem tropeçar e sem atrasar, até a última nota. É uma gravação formidável. Clara e precisa. - Pierre Hantaï - O cravista francês também demonstra extrema intimidade com a peça. Aqui você conhece a versão original, para cravo. Sua interpretação utiliza aquela que é a ferramenta expressiva mais importante do cravo: os rubatos. Rubato é, por exemplo, quando você toca um começo de frase mais rápido, para desacelerar no fim (ou o oposto). É a minha versão preferida ao cravo. Saiu também pelo selo Erato, sendo a gravação de 1997. Você encontra no disco 2 da coletânea abaixo. https://open.spotify.com/album/5xaaxMiXWwfKEleqBlI06n?si=UGDwlRGnQyiTC7y_VEUstA - Nelson Freire - O arrebatador pianista brasileiro gravou um disco só com obras de Bach. O nome do disco é Bach. Nelson também faz muitos rubatos, o que torna sua leitura um pouco mais sentimental, passional. Além disso ele faz variações de dinâmica, o que é impossível no cravo (o cravo tem um mecanismo que só permite que as notas soem com a mesma intensidade). Foi seu antepenúltimo disco, de 2017, antes que ele morresse, em 2021. - Andor Foldes - Um pianista húngaro não muito lembrado hoje em dia, Foldes era um talento. Sua gravação parece muito com a de Weissenberg ("fria"), mas menos técnica e mais musical. É de 1958 e você encontra na coletânea Wizard of the Keyboard, da Deutsche Grammophon. - Karl Richter - Organista, cravista e regente alemão da maior importância, Richter era especialista em Bach e Händel. Sua gravação da Fantasia Cromática e Fuga foi a referência por muitos anos. É de 1970. É uma interpretação que beira a perfeição. Perceba que eu falei que, no cravo, você pode tocar a tecla com força ou não, mas a nota sempre terá a mesma intensidade. Mas existe uma maneira de variar entre forte ou fraco. É que o cravo tem 2 (às vezes 3) teclados, um em cima do outro. O de cima é mais fraco, e Richter brinca muito com essas possibilidades. E, como sempre, o/a encorajamos a comentar. Para comentar, continue rolando abaixo e encontre a faixa vermelha, abaixo de "Posts Relacionados". Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias solitárias (possivelmente solitárias). Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Compreensão Musical Como Ouvir Música ClássicaVamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Maiores Orquestras do Mundo Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de DvořákMúsicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/SgambatiMúsicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de RavelMúsicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-LobosMúsicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de WagnerMúsicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy As Famosas Listas - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms - 10 Obras para se Conhecer Bartók - 10 Obras para se Conhecer Chopin Música Popular Brasileira Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha Análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano- Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno- Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - Rapsódia Sobre um Tema de Paganini - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina- Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Argonautas Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente Não esqueça de comentar!

  • Sérgio Abreu: A Morte de um Gênio Modesto

    Por Rafael Torres Faleceu dia 19/01/2023 o violonista e luthier carioca Sérgio Abreu. Era uma referência absoluta do violão mundial. Junto a seu irmão, Eduardo, formou um dos duos de violão mais cultuados mundo afora. Porque eles tinham uma técnica imaculada, beirava a perfeição. As gravações que nos chegaram foram de música barroca, em que o duo era especialista (peças de Jean-Philippe Rameau, Domenico Scarlatti, Johann Sebastian Bach) além do mexicano Manuel Ponti, este do século XX, Mario Castelnuovo-Tedesco, italiano, também moderno, o romântico Niccolò Paganini, dentre outros. Nascido em 1948, estudou com seu avô, Antonio Rebello e com seu pai Osmar Abreu. Fundou o Duo Abreu com seu irmão Eduardo, em 1963. O Duo teve um estrondoso sucesso em todo o mundo. Após ganharem um prêmio da ORTF (Orquestra da Radiodifusão e Televisão Francesa), em 1967, lançaram seu disco, The Guitars of Sérgio and Eduardo Abreu, em 1968. Em 1970 lançaram o disco The BBC Recital 1970. Em 1973 lançaram, com a Orquestra de Câmara Inglesa e o regente Enrique García Asensio, o álbum 2 Concertos para 2 Violões, em que tocam concertos de Mario Castelnuovo-Tedesco e Guido Santórsola. Fizeram turnês pelo mundo inteiro, anualmente. Em 1975, Eduardo cansou e desfez o duo. A rotina era extenuante demais. Sérgio continuou em carreira individual até 1981, quando também abandonou os palcos. Chegou a lançar o disco Sérgio Abreu Interpreta Paganini e Sor (Fernando Sor, compositor espanhol dos mais importantes para o violão), em 1980. A partir de 1981 dedicou-se à carreira de luthier de violões, o artesão da construção de instrumentos. Seu trabalho de luthier foi igualmente bem sucedido e rendeu alguns dos violões mais refinados do mundo. Ele talhava instrumentos no modelo Hauser (Hermann Hauser, luthier do início do século XX), de quem tinha um violão dos anos 30 no seu ateliê em Copacabana, no Rio de Janeiro. Morreu de complicações pulmonares, em um hospital do Rio de Janeiro, onde estava internado. Músicos do mundo inteiro prestaram suas homenagens pela internet, inclusive o também brasileiro Duo Assad, atualmente un dos mais reconhecidos do mundo. Meu sonho de consumo sempre foi um violão Sérgio Abreu. Esse sonho não morreu, a gente, vez por outra, esbarra com um instrumento dele à venda na internet. Era, talvez, o maior luthier do Brasil, de modo que seu violão não é barato, podendo custar mais de 30.000 reais. E, como sempre, o/a encorajamos a comentar. Para comentar, continue rolando abaixo e encontre a faixa vermelha, abaixo de "Posts Relacionados". Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias solitárias (possivelmente solitárias). Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. 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  • Ataque Muzak - O Fim da Música como Arte?

    Afinal, qual é a definição de Arte? Podemos transformar formas de Arte em meros apêndices às tarefas diárias gerais? Pode tudo isto coexistir? E o que sequer se lhe pode chamar? No caso da música, poderia chamar-se música ambiente, ou também Muzak – e pode estar lá escondidinha sempre que entramos numa sala, lobby ou até num elevador, sendo cada vez mais difícil desviarmo-nos de toda esta música insípida e repetitiva. De facto esta Muzak é um longo e polémico debate a travar, e ainda o mais alarmante é que este tipo de música não é entretenimento – é uma ferramenta. É por isso que neste artigo vou falar sobre como surgiu a música ambiente (passando pela música de mobília de Eric Satie), discutir se pode ser considerada arte ou não, analisar os seus efeitos na cultura musical que conhecemos como forma de arte e, também, uma questão algo controversa: como é que passámos da música clássica a isto? Tudo começou com a musique d’ameublement, criada pelo irreverente compositor francês Erik Satie – esta música de mobília rendeu a Satie o apelido de “Pai da Muzak”, pois, segundo a designação do próprio compositor, era uma música que preenchia o ambiente: consistia numa peça que fizesse parte dos ruídos naturais e os tivesse em conta, sem se impor a estes últimos, e que eliminasse os estranhos compassos de silêncio que recaíam nos convidados algumas vezes, disfarçando ao mesmo tempo o ruído vindo da rua. No entanto, no seu tempo era hábito estar sempre atento à música e ao seu desempenho. Logo, este conceito não surtiu grande efeito devido à concentração de que a peça era alvo. O próprio compositor chegava a enervar-se com a atenção tomada pela execução das suas peças e gritava: "Digam alguma coisa! Mexam-se! Não fiquem aí parados a ouvir!". Tudo isto levou à sua ideia a ser percebida como uma autêntica piada. Mas quem diria que este tipo de música se tornaria tão importante? Esta peça é um exemplo desta tal música de mobília – apesar de, a princípio, não parecer muito com a música ambiente de hoje em dia, uma das semelhanças que podemos estabelecer é que são ambas extremamente repetitivas. Na altura de Satie, a sua música neste género era chamada exatamente de música repetitiva – algumas vezes também de música minimalista, apesar de, na minha opinião, estas designações não serem sinónimos de maneira alguma – tema que vou abordar daqui a pouco. Uma das outras obras conhecidas de Satie neste tipo de “música repetitiva” é a peça Vexations, que nunca seria interpretada durante o tempo de vida do compositor (e cujo título se traduz literalmente para “aborrecimentos”) – a sua primeira interpretação foi levada a cabo por John Cage e consistiu numa atuação de 12 pianistas diferentes, por uma razão muito simples: Vexations é uma peça cujo tema é repetido nada mais, nada menos do que 840 vezes. A performance durou, no total, 18 horas e 40 minutos – o que, sendo pura e simplesmente um tema repetido e repetido, nos explica a raiz da música de mobília de Satie: a falta de variação, de fluidez, e especialmente de desenvolvimento temático, que retira à música o significado e magnitude de uma obra de arte. Depois da receção da música de Satie aos olhos da época, surge uma questão inevitável: o que mudou? O que é que fez com que a música clássica, anteriormente tão digna de atenção, fosse substituída por repetições infindáveis sem relevância musical alguma? É uma questão polémica e bastante complicada, e é por isso que o que se segue é apenas um ponto de vista, dado que não há uma razão científica e comprovada para o que aconteceu (e aproveito para deixar aqui o artigo em que eu me inspirei para esta parte do artigo, que aconselho vivamente a quem quiser ler sobre este assunto mais pormenorizadamente). Como a Música Clássica Morreu (Rafael Torres) Tudo começou com apenas um acorde (e um acorde de que já queria falar há muito tempo): o acorde de Tristão. Parte da ópera de Wagner Tristão e Isolda (de que já falei neste artigo), este simples acorde, um conjunto de apenas quatro notas, demonstrar-se ia, uma fenda, uma escapatória, finalmente o caminho para uma suposta liberdade que se desprendia da linguagem tonal. Isto porque desde sempre que a Música Erudita se tinha baseado numa maneira muito simples de estrutura: primeiro o conflito, depois a resolução. Tal como em qualquer história, primeiro vêm os problemas, que são os acordes de tensão, e depois vêm os acordes de relaxamento que simbolizam o fim dos problemas. Como a quinta desce para a tónica, ou o diminuto desce para o maior. Ora, Wagner decidiu borrifar-se para a resolução e deixar só o acorde de conflito. Mais um dia normal nas suas atividades composicionais, talvez, mas isto geraria uma enorme revolução na música erudita – esta pequena brecha criada por Wagner criaria o serialismo e o dodecafonismo, que desejavam destruir a música tonal em retorno de uma maior “liberdade” para a música. Apesar de Debussy não fazer parte do movimento atonalista, penso que uma das suas frases será adequada para descrever a ideia destes compositores: que ele adora a música, e que como gosta tanto dela a queria libertar das tradições que a sufocavam. Assim foi criada a matriz dodecafónica, e consequentemente a música serial, em que as notas não tinham importância maior ou menor em relação umas às outras, e em que tudo se tornava expressivo, sim, mas era um tipo de música mais frívolo, mais mecânico, e, sinceramente, mais complicado (convém frisar que não estou querendo dizer que não é boa música, estou a dizer que é algo mais complicado para o ouvido do que a música tonal). Até lá o que trazia as pessoas às salas de concertos era a música, grandiosa, encantadora, emocionante, que entrava logo no ouvido e nos fazia sentir alegria, desespero, heroísmo, paixão, mas que acima de tudo nos deixava algo mais, que nos preenchia o coração ao sair da sala de espetáculos. Agora, o atonalismo era intricado. É expressivo? Sim. É música tal como qualquer outra? Sim. Mas a matemática por detrás da música, os cálculos precisos para uma suposta aleatoriedade, tornam todo este cenário menos compreensível à primeira audição. Enquanto que, até então, o máximo que era preciso era estar a par das novas tendências musicais, agora o que era mesmo preciso era ter conhecimentos musicais em si – ora isto, claro, fez com que as pessoas quisessem algo fácil, agradável e com princípios menos complicados – e o swing veio preencher todos estes requisitos, tirando a música clássica da ribalta. Antes de continuar a história, gostava de focar um ponto que acho verdadeiramente curioso: de certa forma, o atonalismo, ou mais especificamente o dodecafonismo, tem uma característica parecida com a da música de mobília de Satie: a falta de desenvolvimento temático. Pois se todas as notas têm igual valor, a anterior conceção de tonalidade funcional (que é precisamente o que dá hierarquia aos tons) foi eliminada. É isto que atribui uma certa “beleza estranha” a este tipo de música, no entanto ainda não concretiza uma das principais ideias da música ambiente – pois, maioritariamente, a falta de desenvolvimento temático na música ambiente deve-se à repetição, o que não é o caso na música dodecafónica. Mas o atonalismo acabou por não ser suficiente. Claro, não havia tonalidade, mas ainda haviam regras, e os compositores viam isto como sendo tudo para destruir, pela liberdade expressiva e integridade artística total. Isto porque ainda existia a matriz dodecafónica, ou seja, uma maneira regrada alternativa à tonalidade. Isto levou a sucessivas revoluções e revoluções, e cada vez exploravam mais e mais maneiras de encontrar a suposta “liberdade total” na música, mas que cada vez mais a distanciavam do público – vieram o espectralismo, a eletroacústica, a nova complexidade, a música de computador, entre tantos outros – e tudo isto se traduzia em técnicas de uma complicação nunca antes vista: círculos numa partitura, peças aos bocados para tocar na ordem que se quiser, peças para tocar a partir de desenhos… e podia nomear muitas mais. Mas é sempre bom esclarecer que eu adoro música contemporânea (aliás, já escrevi um artigo sobre compositores contemporâneos que eu adoro – 10 Incríveis Compositores Contemporâneos que Merecem um Aartigo de Apreciação - (no meu blog Pianíssimo), e que é, tal como o atonalismo, música que necessita de estudo, de um certo grau de habituação e de uma mente aberta. Nas palavras de Leonard Bernstein no seu livro “A Alegria da Música” (esta já deve ser para cima da décima e de certeza não a última vez que falo deste livro num artigo, mas pronto), se perguntarmos a qualquer compositor qual é o intuito da sua música, seja contemporâneo ou não, a resposta provavelmente será que é para ser apreciada e para ser bela, tal como seria um Mozart ou um Tchaikovsky. Mas falta a tal “beleza” que havia na música Barroca, Clássica, Romântica, Tardo-Romântica, até me atrevo a dizer em alguns compositores modernistas, apesar de essa suposta beleza vir com outro nome: a tonalidade. É por isso que a música clássica contemporânea leva tempo. Leva prática. E, acima de tudo, vai bastante da vontade de cada um de se dar ao trabalho de estudar obras tão específicas e intrincadas – e é totalmente normal e aceitável que nem toda a gente tenha vontade de as explorar. Então, agora antes de passar ao início da música ambiente, esclareçamos um aspeto que eu acho muito importante e que, como grande fã da música de Philip Glass (que é um dos meus compositores contemporâneos preferidos) e de Arvo Pärt, gostava de abordar: a diferença entre minimalismo e a música ambiente. Isto começando pelo facto de que o próprio Philip Glass, uma das mais conhecidas figuras deste movimento, diz que a palavra minimalismo devia ser extinta – isto pela crença de que o minimalismo tem algo a ver com a música eletrónica, o que não é assim tão correto e faz muitos compositores não se sentirem à vontade com o termo. Mas o facto que eu pretendia frisar é que tanto a música ambiente como o minimalismo são tidos como um género que tem uma característica em comum: a repetição. Então, o que torna o minimalismo diferente da música ambiente? Para responder a esta questão, analisarei uma gravação de uma das minhas pianistas preferidas, de uma das minhas obras de Glass preferidas: Uma das primeiras conclusões que se pode retirar desta peça é que há um pequeno tema recorrente desde o início que se repete ao longo da peça – mas, logo a seguir, o que se poderá reparar? Que o tema modula, várias vezes. Que há cadência, tensão, resolução, deriva, desenvolvimento, recomeço, ira, inspiração – tudo isto em pouquíssimo mais de três minutos. Para mim, isto é, fundamentalmente, o que separa o minimalismo de uma simples série monótona de repetições, e o que me faz simpatizar e apreciar este ramo da música contemporânea – porque a maneira como eu definiria minimalismo não seria a repetição de apenas um tema, mas a transformação de um só tema numa história, num pequeno universo criado por uma simples sequência de notas, metamorfoseada e desenvolvida vezes e vezes seguidas até ao fim da obra. E se fazer isto a partir de um só tema não é extraordinário, então não sei o que é. Depois de este não-tão-breve aparte, votemos então à história – mas desta vez ao sítio onde deixámos a Muzak ficar. Então, ficámos na música ambiente ignorada de Satie, e damos agora um pulo para a Primeira Guerra Mundial – e é nesta altura que devia explicar porque é que estou a escrever este artigo. Recentemente, neste mesmo tópico da Música Contemporânea, li um livro sobre as revoluções musicais depois de 1945, em que uma única frase atiçou os meus conhecimentos então recém-adquiridos sobre a música de mobília de Satie: afirmavam que a Muzak estava a destruir o futuro da Música como Arte. Logo aí me questionei o que haveria de tão ameaçador neste tipo de música – e é por isso que, a partir de agora, à medida em que a história progride começaremos a analisar os prós e contras da música ambiente. A Muzak surgiu ao vender música para restaurantes, hotéis, clubes, entre outros estabelecimentos, tendo a sua música ganho o nome de “música de palmeira em vaso” pelas muitas vezes que era escondida – no entanto, esta música era ainda música conhecida, mas arranjada para o formato pretendido e tocada por orquestras e bandas. A ideia que se seguiria surgiu, precisamente, nos elevadores – andar em elevadores com música ambiente acalmava as pessoas no elevador. Ou será que acalmava? Em pesquisas seguintes, com fontes científicas algo duvidosas, foi revelado que a música tinha influência no foro psicológico humano, e foi aí que surgiu a galinha dos ovos de ouro – Muzak começou a vender música que acalmava, melhorava a produtividade, entre outras artimanhas milionárias. Este tipo de música (se é que se pode chamar a isto música) tornou-se imensamente popular. Empresas e empresas aplicavam-no para incentivar os seus trabalhadores, estava sempre escondida nos elevadores a tal “música para acalmar”… em suma, até os astronautas da Apollo 11 ouviram Muzak na descolagem. O que nos leva até ao primeiro ponto da discussão: por esta altura, Muzak já era considerada mais uma Ciência do que uma Arte. Até que ponto é que toda esta música para acalmar e aumentar a produtividade é benéfica? Cientificamente, há variados benefícios para o corpo humano em ouvir música – ajuda-nos a ser mais felizes, a lidar com as nossas emoções, melhora a nossa memória, ajuda-nos a aprender, etc. Mas os fundamentos da musicoterapia têm mais a ver com outras ideias como o uso de percussão e de melodias conhecidas do que com o uso de Muzak. Citando as palavras de Dean Olsher, um musicoterapeuta de Nova York, que li neste artigo, “Eu acho definitivamente que a música de espera tem um efeito negativo na saúde mental. E argumento que a principal tortura resulta da repetição.” Então, será que é benéfico tentar controlar o comportamento humano? Neste sentido, não deveria a música ser usada para ajudar, e não para manipular? Para além disso, a reação desencadeada por este tipo de audição passiva é bastante decepcionante, pois não é só neutra para o ouvinte como desencoraja a interação social, que também nos faz sentir mais alegres e nos dá um sentimento de segurança e confiança mútua. Continuando a história, a Muzak teve um revés, ganhando a reputação de um produtor de ruídos singularmente brandos e instáveis ​​que causavam uma quantidade desprezível de pavor em espetadores desafortunados. Então, a companhia com este nome foi à falência, sendo comprada, no entanto, pela Mood Media. Ou seja, em qualquer elevador podemos ter repetições infinitas e pavorosas à nossa espera. A este ponto já não lhe chamaria de Arte de maneira alguma, mas, como ponto de discussão, quais seriam as verdadeiras repercussões que afetariam a Música no seu sentido pleno em toda esta história? Neste caso, eu gostaria de focar dois pontos: a técnica utilizada pela Muzak que se tornou usada em várias plataformas de streaming e a música clássica como “música relaxante”. Se simplesmente abrirmos o Spotify e metermos uma playlist-relax-chill-soothing-upbeat ou seja o que for, estamos a ouvir música que foi escolhida para essa playlist exatamente pelo estado de espírito que inspira, e não pelo álbum, artista, ou origem. Este tipo de técnica não só incorpora o princípio de melhorar o estado de espírito da Muzak como tem ainda outro objetivo – não ser alusivo à música, mas sim à própria plataforma que criou a playlist. A parte lamentável desta situação é que cada vez menos consumidores parecem ter prazer em possuir música, se é que isto faz sentido – e como é que indústria pode competir com música de graça se não for música sem anúncios? O que se verifica nesta situação é que cada vez há menos seleção de artistas, álbuns, ou até géneros, mas sim um novo tipo de fã de música, o que só ouve passivamente, exatamente como se fosse música ambiente. A ideia é só escolher uma playlist com a emoção ou estado de espírito pretendidos – Mix Relax, Chill Total, Feel Good, Para Descontrair… há categorias cujo nome específico é Estado de Espírito – e isto está à vista de toda a gente. O problema nisto é que, ao usarmos as técnicas da Muzak, estamos basicamente a transformar a Música como forma de Arte numa pseudo-música-ambiente. Estamos a transformar a música boa em Muzak. Ou pelo menos é esta a ameaça que eu vejo. Passando à segunda ameaça, desta vez dirigida diretamente à música clássica: a Música-Clássica-Relaxante-Para-Estudar-Cozinhar-Adormecer-E-Não-Sei-Que-Mais. Porque raio é que continuamos a chamar à música clássica “relaxante”? Não é por nada, mas ainda não percebi como é que se diz “Ai, preciso de uma música relaxante para me ajudar a estudar” e se ouve, por exemplo, o Quarteto de Cordas nº 8 de Shostakovich. Atenção, claro que eu ouço música várias vezes enquanto faço outras tarefas. Não seria a primeira vez que ouço música enquanto preparo apresentações, leio, desenho ou até quando escrevo artigos, mas isso é porque aprendi a concentrar-me em ambas as tarefas ao mesmo tempo. Mesmo que esteja concentrada no que estou a fazer, não deixo de apreciar aquilo que estou a ouvir. O que acho que está errado é a maneira como é perpetuada a ideia de que a música erudita devia ser ouvida como se fosse música ambiente (a.k.a. repetições constantes e irrelevantes musicalmente), porque passa uma ideia mais do que errada de que a música clássica é aborrecida e sem relevância artística (até me custa escrever isto). O que estou a tentar dizer é: música erudita é linda, é intensa, é dramática, é expressiva. Não merece ser música de fundo. Se for para ouvir música clássica, por favor, que seja para a apreciar. Se não for, sinceramente, mais vale ouvir Muzak, porque vale a pena ouvir ativamente música clássica. Não estou a dizer para não se ouvir música clássica enquanto se cozinha, por exemplo. Estou a dizer para não se ouvir música clássica como se fosse música ambiente. Chamar à música erudita “relaxante” é menosprezar o enorme legado musical que este género representa e todos os compositores que para ele contribuíram. Com esta última deixa, pergunto genuinamente: será a música ambiente pior para o psicológico humano ou para a Música como Arte? A esta pergunta já não respondo. Mas, mesmo depois de tudo isto, creio que não é a única restante. Mariana Rosas Sou a Mariana, nasci em 2008 e sou de Ovar, Aveiro, Portugal. Toco piano desde os 8 anos. Gosto também de ler, desenhar, ouvir e compor música. Sou autora do blog Pianissimo, em que escrevo sobre variados temas relacionados com a música clássica e, por vezes, outros géneros de música. Os meus pianistas preferidos são Martha Argerich, Evgeny Kissin e Khatia Buniatishvili e o meu compositor preferido é Franz Liszt. Desde que comecei a tocar que sempre desejei tocar piano profissionalmente e no futuro pretendo ainda tornar-me compositora. Blog: https://pianissimo.ovar.info/ E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música ClássicaVamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Melhores Orquestras do Mundo: Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de DvořákMúsicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/SgambatiMúsicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de RavelMúsicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-LobosMúsicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de WagnerMúsicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms - 10 Obras para se Conhecer Bartók - 10 Obras para se Conhecer Chopin Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano- Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno- Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - Rapsódia Sobre um Tema de Paganini - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina- Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente Não esqueça de comentar!

  • Rachmaninoff - Os Études-Tableaux

    Alguém afirmou certa vez que O Cravo Bem-Temperado, de Johann Sebastian Bach, representa o "Velho Testamento" da literatura para piano, enquanto as 32 Sonatas de Ludwig van Beethoven, o "Novo Testamento". Isso faz dos Études-Tableaux de Sergei Rachmaninoff o quê? Eu pouparia todas as obras de analogias litúrgicas. Até porque só temos duas. Mas creio que se existe uma obra grande a dar continuidade às duas anteriores, foram os Études-Tableaux. São 17 peças no total, divididas assim: 8 Études-Tableaux que compõem o primeiro livro, Op. 33 9 Études-Tableaux que formam o segundo livro, Op. 39 Études-Tableaux (Estudos-Quadros) são peças para piano com características das duas coisas: são difíceis e complexos o suficiente para serem estudos; e alusivos e coloridos o suficiente para ser chamados de quadros. O compositor não deu títulos às peças, preferindo que o ouvinte fizesse sua própria pintura na imaginação, mas ele foi um pouco mais elucidativo com os cinco Études-Tableaux que o compositor italiano Ottorino Respighi orquestrou nos anos 30. Acontece que Serge Koussevitzky, regente russo da Sinfônica de Boston, pediu que ele selecionasse 5 Études para Respighi orquestrar. Rachmaninoff escolheu e deu-lhes títulos, como "A Feira", "Chapeuzinho Vermelho", "O Mar e as Gaivotas". Os Estudos que tiverem nome e que tiverem sido orquestrados terão esses aspectos comentados no olhar individual que daremos a cada. No final, indico algumas gravações especiais da série completa, como sempre, mas no decorrer do texto, indicarei gravações de Estudos individuais. Études-Tableaux Op. 33 Originalmente, o compositor tinha 9 Estudos para o primeiro livro, mas publicou apenas 6. Dos não publicados, um foi revertido no Étude Nº 6 do caderno seguinte, o Opus 39. Os outros dois foram reinseridos no primeiro caderno depois da sua morte. O resultado é que até hoje se faz confusão quanto aos números. Rachmaninoff os compôs em 1911, na casa chamada Ivanovka, em Tambov, Rússia - o compositor só largaria a Rússia na revolução de 1917, mas já fazia sucesso internacional tanto como compositor quanto como pianista e regente. Ivanovka era a residência de uma parte aristocrática da família de Rachmaninoff, a família Satin, da qual a filha, Natalia Satina, casara-se com ele em 1902. Os Études-Tableaux Op. 33 podem ser tocados juntos, como um caderno, ou individualmente. Nº 1, em Fá Menor - Allegro non troppo O primeiro estudo já mostra criatividade, com o baixo quase todo em staccato e a melodia em legato, no contratempo. É música contraintuitiva. Deve ser tocada sem pedal, e o legato é obtido no dedo. Aos 2m22, o coda, em pianíssimo, é arrepiante. Nº 2, em Dó Maior - Allegro (2m58s) Um dos muitos muito conhecidos, esse estudo traz uma atmosfera fantástica. Em geral, reina a paz, mas temos momentos de conflito. A mão direita cruza várias vezes a esquerda para atingir notas mais graves, atingindo um discreto clímax aos 3m52s. Depois dele, o comportamento da música muda, ficando obsessivo e um tanto confuso, cada vez mais agudo. Tudo premeditado pelo mestre. O coda é todo montado sobre um trinado. Gravação recomendada - Vladimir Horowitz Nº 3, em Dó Menor - Grave (5m21s) Esse cavernoso estudo é um dos que foram publicados postumamente - lembre-se, Rachmaninoff só publicou 6, mas hoje se tocam 8. Ele começa com uma atmosfera sombria, até ameaçadora. Perceba os sinos (o compositor os adorava) desde o começo. Este estudo tem um dos momentos mais sublimes da escrita pianística. Tão sublime, que Rachmaninoff o reaproveitou no Segundo Movimento do seu Concerto para Piano Nº 4. Aos 7m56s, ele cai em Dó Maior. Ele vai, então, criando tensão com um cromatismo ascendente (a partir de 9m23s) e desemboca, aos 9m37, nessa lírica melodia. Gravação recomendada - Yuja Wang, em seu recital gravado em Berlim, faz uma execução monstruosa da peça. Nº 4, em Ré Menor - Moderato (11m12s) Peça fantástica. A alternância entre duas notas, dobradas em terças ou sextas, uma ideia simples, vai ganhando corpo e, quando vemos, estamos no clímax. Agora, é um clímax criado todo nas notas agudas (14m09s). A peça é sofisticada e soa sofisticada, embora curta. Gravação recomendada - Vladimir Sofronitsky é brilhante, aqui. https://open.spotify.com/track/6ZzSb9MEp3ppZzvM3l8BLw?si=4445828b30264c64 Nº 5, em Mi Bemol Menor - Non allegro - Presto (14m52s) Uma música elusiva, que parece querer escapar. Presto significa bem rápido. É uma obra difícil à beça. Nº 6, em Mi Bemol Maior - Allegro con fuoco (16m32s) Esse estudo foi um dos que Ottorino Respighi orquestrou. Rachmaninoff disse tratar da cena de uma feira, com sua vivacidade, seu barulho e sua alegria. O nome da versão orquestral ficou sendo "A Feira". Nº 7, em Sol Menor - Moderato (18m23s) A mão esquerda e a direita se cruzam habilmente. É um estudo melancólico, que poderia ser um dos mais conhecidos de Rachmaninoff, pois tem uma melodia cativante, sua harmonia característica e um belo clima de nostalgia, que depois (20m48s) se transforma em terror! É uma peça de extrema riqueza. Às vezes uma nota solta, ou um staccato contribuem para a atmosfera lúgubre. Devo dizer que, no coda (22m02s), Rachmaninoff faz uma homenagem a Chopin, inserindo quase literalmente o coda da Balada Nº 1. Gravação recomendada - Cristina Ortiz, a pianista baiana toca com uma sensibilidade sem fim, em andamento não muito lento. Apenas observe que, no Spotify (e possivelmente em outras plataformas) ele aparece erroneamente como Étude-Tableau Op. 33, Nº 3. https://open.spotify.com/album/5YnWM3NQ3l7qRSgzQ6JRfH?si=7hcDJniBSYOo8iJf-3EdvA Nº 8, em Dó Sustenido Menor - Grave (22m28s) É um estudo agitado e turbulento. Repare aos 22m37s, quando ele parece fazer uma homenagem ao seu próprio Prelúdio, Op. 3 (aquele que todo mundo conhece). A música existe de uma vasta alternância entre o tom maior e o menor. Gravação recomendada - Sviatoslav Richter. O pianista ucraniano, se gravava algo, ficava para a história. Aqui, o impressionante é a serenidade dele ao tocar peça tão complicada. No Spotify aparece como Étude-Tableau Op. 33, Nº 9. Études-Tableaux, Op. 39 Escritos até 1917 e publicados no mesmo ano, este caderno foi a última coisa que Rachmaninoff escreveu antes de sair da Rússia. Costuma ser mencionado que o compositor estudou a obra de seu querido amigo Alexander Scriabin (falecido em 1915) e seu estilo ao piano. O caderno é, também, vagamente mais conhecido, graças aos seus Études Nos. 2, 5 e 6. (Sobre Scriabin, embora não tenha deixado gravações, era um pianista excepcional. Um relato da época dizia algo como: se Rachmaninoff era a perfeição técnica e a precisão mecânica, Scriabin era o colorido, o "quente", o "frio". O que, enfim, trazia características não musicais à música - ele era sinesteta. Rachmaninoff era fascinado por ele e ficou muito abalado quando morreu.) Nº 1, em Dó Menor - Allegro agitato Um estudo hostil, sinistro. Altamente cromático. A escrita é meio líquida, lembra água. Se fosse uma peça de Ravel, seria uma boa peça de Ravel. É um estudo bastante avançado, difícil. E, além de tudo, mostra que esse grupo de Études-Tableaux será ainda mais intrincado, complexo e atormentado que o anterior. Gravação recomendada - Sergei Babayan, no seu disco de recital de Rachmaninoff que está simplesmente incrível. https://open.spotify.com/album/5952RUol8Nl7Ihk1zcaUb4?si=VsSYtz8vRMmWfnNv5xT4jg Nº 2, em Lá Menor - Lento assai (3m03s) Esse Étude foi orquestrado por Respighi, e com muita competência. A evocação aqui é como sugere o nome que Rachmaninoff propôs ao italiano: O Mar e as Gaivotas. Observe quem aparece no começo, no baixo. O Dies Irae, de que falamos no artigo sobre a Rapsódia Sobre um Tema de Paganini. É só uma insinuação do tema. O estudo é todo ermo, vazio e cinzento, como uma praia do Báltico, com exceção da seção central (agitada). Mas é lindo e magistralmente escrito. Gravação recomendada - Sergei Babayan. O pianista armeno gravou apenas alguns dos Études-Tableaux, de um e de outro livro, mas tudo com muita fineza, delicadeza e controle sonoro. Nº 3, em Fá Sustenido Menor - Allegro molto (10m04s) Essa peça é incrivelmente complexa, tanto na sua escrita, quanto em sua estrutura harmônica. Sua primeira seção, agitada e martelada, dá lugar, às vezes, a episódios mais líricos. Nº 4, em Si Menor - Allegro assai (12m37s) A Gavota era uma dança francesa em voga no Barroco, 200 anos antes de Rachmaninoff. Mas ele escreveu essa sensacional, repleta de charme e conteúdo harmônico. Gravação recomendada - Evgeny Kissin. Nº 5, em Mi Bemol Menor - Appassionato (16m15s) Esse é o mais famoso de todos os Études-Tableaux. É uma obra prima do romantismo tardio, apaixonada, fervorosa. Repare no tema principal, que começa já na primeira nota, tão assertiva, e é uma longa frase (vai até 16m51s e já engata na frase resposta). A partir de 18m33s, temos uma construção de tensão absurda, com cromatismos, acordes diminutos e de dominante. Vai crescendo, crescendo, até a brilhante e dramática reaparição do tema, dessa vez na parte grave do teclado, na mão esquerda (19m06s). Depois, ele vai se acabando lentamente, morrendo aos poucos. Não é à toa que público e pianistas gostem tanto dessa música, uma viagem emocional intensa, quase exaustiva. Gravação recomendada - Vladimir Horowitz tocava isso como ninguém. https://open.spotify.com/album/3kWtdANgpXWN1mWBcxafv4?si=iJE1Ag4wQlKjT3vjGrKJog Nº 6, em Lá Menor - Allegro (21m31s) Esta é outra das que Respighi orquestrou, com Rachmaninoff sugerindo chamá-la de "Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau". Na versão para piano, é uma das obras mais difíceis de se executar, porque é muito rápida e tem saltos insanos na mão esquerda. Uma versão primordial, hoje perdida, dessa peça foi considerada para ser o 4º Étude do livro anterior, o Op. 33. A versão que conhecemos hoje foi revisada e adequada ao linguajar do Op. 39. Gravação recomendada - Yuja Wang, no seu juvenil álbum Fantasia. É espantosa a leitura da peça como um todo, o crescimento das tensões e os apogeus. Nº 7, em Dó Menor - Lento lugubre (24m16s) Outro que Ottorino Respighi orquestrou, e Rachmaninoff chamou a versão orquestral de "Marcha Fúnebre". É uma música altamente evocativa, com sons de sinos e uma marcha implacável que começa pelo meio. Também trabalha a construção de tensão de maneira impecável. Gravação recomendada - Sviatoslav Richter. Nº 8, em Ré Menor - Allegro moderato (31m58s) Este estudo relativamente pouco conhecido e tocado é o meu favorito. Aqui, Rachmaninoff atinge o transcendental, com uma música encantada do começo ao fim. Seu tema principal aparece já de cara, em quintas. O ápice da obra é sublime (34m10s). Mas tem uma coisa. Tem que ser na versão de Volodos. Simplesmente ninguém toca e jamais tocou como ele. Gravação recomendada - Arcadi Volodos, no seu disco gravado ao vivo no Carnegie Hall, em Nova Iorque. Para mim, esse pequeno momento, capturado por microfones, é um dos pontos máximos da história da música gravada. https://open.spotify.com/album/2BHJUHktIfBQRFiPMU5xdV?si=mJZrr1M9QCeOb39vbBw4uw Nº 9, em Ré Maior - Allegro moderato. Tempo di marcia (35m13s) Um estudo alegre e até otimista encerra o caderno. Um tanto barulhento, mas muito musical. Respighi também orquestrou esse, e o chamaram de "Marcha Oriental". É uma música muito apropriada para encerrar o grupo. É curtinho. Gravação recomendada - Sviatoslav Richter. As orquestrações de Respighi Ottorino Respighi era um compositor romântico tardio do começo do século XX (assim como Rachmaninoff). É muito conhecido pelos seus poemas sinfônicos que formam a Trilogia Romana: Pinheiros de Roma, Fontes de Roma e Festivais Romanos, todos muito tocados até hoje. Koussevitzky encomendou a orquestração de 5 dos Études-Tableaux, que seriam escolhidos pelo próprio Rachmaninoff. Respighi respeitou tudo que tinha nas partituras, bem como os nomes que Rachmaninoff propusera. Ele apenas organizou as 5 peças de forma a criar uma obra coesa. Ficou assim: "O Mar e as Gaivotas" - Op. 39 Nº 2 "A Feira " - Op. 33 Nº 6 "Marcha Fúnebre" - Op. 39 Nº 7 "Chapeuzinho Vermelho" - Op. 39 Nº 6 "Marcha Oriental" - Op. 39 Nº 9 Respighi era exímio orquestrador, e executou a encomenda com bom gosto e brilho. Quando ele entrega uma linha ou acompanhamento a determinado instrumento, você sente que não poderia ser nenhum outro. Gravação recomendada - A melhor gravação para mim é a de Eiji Oue com a Sinfônica de Minessota, com as Danças Sinfônicas, estas, compostas e orquestradas por Rachmaninoff. https://open.spotify.com/album/444bMyMElg6i7TlMPl37Qa?si=eYF9DYUkT5exIK5Q0uRo9Q Gravações recomendadas Vladimir Ashkenazy - A gravação de referência do ciclo. Russo como o compositor, Ashkenazy deve ser o maior especialista do mundo em sua obra. Gravou (sempre de forma excepcional) os Prelúdios, as Sonatas, as peças para dois pianos (com André Previn), os Concertos (diversas vezes) e a obra sinfônica, já que ele é maestro, também. A gravação dos Études-Tableaux, de 1973 (Op. 39) e 1977 (Op. 33), é definitiva. Pelo menos a maioria das peças nunca foi superada. Pianista lendário, é notória sua sonoridade e sua capacidade de dar colorido às peças. https://open.spotify.com/album/4yvNsuwbqNhM13tL8g16Hs?si=SNlwRur5TritZjIm826ffQ John Ogdon - Ogdon foi um pianista inglês da segunda metade do século XX. Sempre chamado de "gigante gentil", tinha uma técnica avassaladora. Ganhou junto com Ashkenazy o Concurso Tchaikovsky de 1962, em Moscou (a mais prestigiada competição pianística do mundo). A partir de 1973 sua saúde mental ficou complicada (transtorno bipolar), levando-o a vários episódios psicóticos. Gravou os Études-Tableaux 2 vezes, uma antes do colapso, em 1971, e outra depois, em 1988. Independentemente de qual for a que você escutar, o resultado é ambíguo: ele tocava de modo pesado, fosse isso bem-vindo ou não; errava muito; não era muito sutil; mas era muito musical; tecnicamente arrebatador; e seu som era poderosíssimo. Abaixo você escuta a versão de 1988. A de 1971 foi lançada da coletânea Great Pianists of the 20th Century. https://open.spotify.com/album/2HnbBMePktK3jFf3ip04dn?si=wGmlUMM2RhC_Plu5ItUpyw Boris Giltburg - A gravação mais moderna dentre as que recomendo aqui, é de 2016 e 2017. Giltburg também é um especialista em Rachmaninoff, e toca tudo com propriedade, se não com muita personalidade. Nikolai Lugansky - Lugansky toca sem se arriscar, adotando andamentos conservadores, em que sabe que tocará com facilidade. É um pianista excepcional, temos que admitir. Suas gravações são de 1994. E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música ClássicaVamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Melhores Orquestras do Mundo: Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de DvořákMúsicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/SgambatiMúsicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de RavelMúsicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-LobosMúsicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de WagnerMúsicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms - 10 Obras para se Conhecer Bartók - 10 Obras para se Conhecer Chopin Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano- Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno- Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - Rapsódia Sobre um Tema de Paganini - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina- Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente Não esqueça de comentar!

  • O que temos com os vestidos das pianistas?

    Um fenômeno dos últimos 15 anos, talvez mais, talvez menos, é o das pianistas que resolvem tocar com vestidos minúsculos, ou com reveladores decotes, além de sandálias da moda, pulseiras e penteados. Isso, principalmente no começo, gerava comentários e críticas horríveis. Eu acho que a proposta delas era: quero ser julgada por como eu toco, não por como me visto. Yuja Wang A estrela chinesa Yuja Wang, um dos maiores talentos pianísticos que esse mundo já viu, sofreu um bocado com críticas realmente maldosas: "... mas foi o vestido laranja de Yuja Wang pelo qual noites de terça têm probabilidade de ser lembradas... Seu vestido terça era tão curto e apertado que se tivesse menos dele, o Hollywood Bowl seria forçado a restringir admissão para qualquer amante de música menor de 18 anos não acompanhado. Se seu salto fosse um pouco maior, andar, para não falar do seu sensível pedalizar, teria sido impossível." Isso no Los Angeles Times, em 2011. O que essa crítica nos diz? Que não importa se estamos no século XXI, ainda somos os mesmos babaquinhas de todos os séculos anteriores. Já ouvi falar que Friedrich Gulda dava concertos nu, em Viena, nos anos 60. Mas ele é homem. Mas ele é meio louco. Mas ele vivia em tempos de transgressões. Balela. Se pra você, usar roupa curta (em qualquer ocasião) é "transgressão", você é velho. Velho e velhaco. Se o mundo de hoje não tivesse a Yuja Wang, viveríamos sem conhecer um leque imenso de expressões e interpretações musicais da mais alta qualidade. Não é o vestido, ou a bunda. É o piano. Imagine que você, macho alfa, vai a um concerto dela e acha que as pernas dela te distraem da música. Que diabo é você? Um desenho animado, que salta os olhos e fica louco ao ver um par de joelhos? Quem te ensinou isso? Bolsonaro? Quem te mandou escutar o Bolsonaro! Se você passou do tempo da 5ª série, crie juízo e saiba valorizar as coisas pelo que elas são. Mas o que ela quer é chamar atenção Se ela tivesse um talento minguado, poderíamos até tentar ensaiar dizer que se vestia pouco para compensar. Não tem. Seu talento é um dos mais poderosos do mundo da música. Essa menina toca as partituras mais complexas, chegou a dizer em entrevista que não há mais nada muito desafiador para ela (ela falou isso modestamente, que depois de estudar tanto, nada parece difícil, mais). Ela toca e rege ao mesmo tempo! Além do mais, é linda, sim, e se sente à vontade com o corpo. E, como quase todas as mulheres que se sentem assim, é possível que goste de exibi-lo. Se você quer criticar moda, foi ao lugar errado. Sala de concerto tem música. Khatia Buniatishvili A georgiana (do país Georgia) Khatia Buniatishvili também tem causado alvoroço pelas roupas curtas. É outra cujo talento está aflorando preconceitos (e derrubando o de alguns). Khátia já gravou Concertos de Rachmaninoff, os Quadros de Uma Exposição, de Mussorgsky, junto com a dificílima La Valse, de Ravel e os Três Movimentos de Petrushka, de Stravinsky. Tudo com perfeição técnica e bom gosto expressivo. Tive um professor georgiano de canto que tinha estudado no Conservatório de Tblisi com ela. Eu quis perguntar se ela já era boa, mas saiu só "ela já era...?". Ele disse que sim, e fez com as mãos o gesto que caracteriza peitões. Sim, ela já era gostosa. Já pensou? A primeira característica que a pessoa pensa, numa artista tão formidável, é no quanto os seios dela são palatáveis... O que vemos nessas mulheres formidáveis diz muito mais sobre nós do que sobre elas. Acredito que a polêmica esteja passando e que um debate elucidativo tenha sido criado, nos EUA e na Europa. As duas já tocaram no Brasil, mas como somos o país do biquine, acho que não houve maiores problemas. Mas vez por outra elas devem tocar em lugares onde os machos se cutucam no ombro e fazem gestos de peitões. 5ª série. E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música ClássicaVamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? 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Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de DvořákMúsicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/SgambatiMúsicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de RavelMúsicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-LobosMúsicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de WagnerMúsicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms - 10 Obras para se Conhecer Bartók - 10 Obras para se Conhecer Chopin Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano- Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno- Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - Rapsódia Sobre um Tema de Paganini - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina- Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente Não esqueça de comentar!

  • Rachmaninoff - Rapsódia Paganini - Análise

    Entre 1802 e 1817 o compositor e violinista italiano Nicolò Paganini escreveu sua peça mais representativa, os 24 Caprichos para Violino Solo. Um deles, o 24º Capricho, contém um tema que serviria de inspiração para grupos de Tema com Variações ou as mais diversas obras para vários compositores - em especial, Liszt, Chopin, Lutosławski, Brahms e Rachmaninoff. Em 1934, o compositor russo Sergei Rachmaninoff (1873 - 1943) descansava na sua Villa Senar, na Suíça - ele morava nos EUA - quando compôs sua última obra concertante, depois do Concerto Nº 1, do Concerto Nº 2, do Concerto Nº 3 e do Concerto Nº 4, todos para Piano e Orquestra. Era a Rapsódia sobre um Tema de Paganini, seu Op. 43. Essa Rapsódia é uma espécie de Tema com Variações, só que mais livre. Ou seja, quando o compositor quer devanear, ou se desviar da função de escrever uma variação estrita para o tema, ele o faz. Rapsódia sobre um Tema de Paganini, Op. 43 (1934) Estreada em 7 de novembro de 1934, com Sergei Rachmaninoff ao piano e a Orquestra de Filadélfia, sob a regência de Leopold Stokowski. Essa mesma formação fez a primeira gravação da peça, em dezembro do mesmo ano. Duração: cerca de 24 minutos. Orquestra Madeiras: 2 Flautas; 1 Flautim; 2 Oboés; 1 Corne Inglês; 2 Clarinetes; 2 Fagotes Metais: 4 Trompas; 2 Trompetes; 3 Trombones; 1 Tuba Percussão: Tímpanos; Caixa Clara; Triângulo; Pratos; Bombo Sinfônico; Glockenspiel Cordas: Primeiros Violinos; Segundos Violinos; Violas; Violoncelos; Contrabaixos; Harpa A obra contém uma introdução, um tema e 24 variações. Pode ser dividida em 3 seções, o que a aproxima ainda mais de um concerto para piano. A estrutura Tema com Variações, como sugere, consiste na apresentação de um tema (que não precisa ser do compositor das variações), seguida de uma série de variações, ou seja, pequenas ou grandes modificações desse tema, mas sempre de modo que percebamos sua presença, ou ao menos de características dele: seu formato, sua harmonia, seu desenho, seu ritmo etc. O que acontece é que o compositor pode se valer de técnicas musicais que acabam disfarçando o tema, como o espelhamento, a inversão, a mudança de harmonia. Mas em cada variação, por mais distorcido que o tema esteja, ele está presente. Na famosa Variação 18, fica difícil perceber o tema, a não ser que se atente para o fato de que se trata de uma inversão da melodia. A mesma melodia, mas tocada de modo que, quando no original, se sobe uma nota, agora se desce. O tema O Capricho de Paganini que contém o tema é, ele mesmo, um jogo de Tema com Variações, como você pode conferir no vídeo abaixo da excepcional violinista norte-americana Hilary Hahn. O tema em si, que atiçou tantos compositores, segue até os 32 segundos. É bem simples, mas ótimo para variações. (O resto do Capricho é dificílimo.) Análise No vídeo abaixo, temos o pianista russo Nikolai Lugansky com a Orquestra Nacional Russa, regida por Alexander Vedernikov. Introdução: Allegro vivace (10s) A introdução não propõe ainda o tema, ela só nos dá o tom da música. Literalmente: lá menor. Variação 1: Precedente (17s) Uma variação precedente. É por isso que ele não chamou a peça de Variações sobre um Tema de Paganini. Chamá-la de Rapsódia traz muito mais liberdade com relação à forma. Especialmente a não necessidade de trazer primeiro o tema certinho e seguir com as variações estritas. Essa variação em si apenas delineia a harmonia da música, de maneira muito sutil, como se estivesse ainda tramando o que fazer. Tema: L'istesso tempo (37s) O tema é apresentado pelos violinos, assim como na música original é um violino que o toca. O piano toca apenas algumas notas, para fazer uma reentrada também sutil. Variação 2: L'istesso tempo (56s) Agora o piano assume, fazendo a melodia com umas apogiaturas, que são as pequenas notas que ele dá antes das notas importantes. A adição dessas apogiaturas já faz dessa seção uma variação. Na segunda seção tem início o piano de Rachmaninoff, que pode ser pesado ou leve (o compositor tocava passagens rápidas com muita leveza), mas sempre exige técnica. Variação 3: L'istesso tempo (1m16s) Aqui não temos o tema, apenas temos a ideia de que ele está presente por causa da harmonia. Isso vale para todas as próximas variações. Variação 4: Più vivo (1m41s) Essa interessante variação faz um encurtamento da melodia. Em 1m53s o corne inglês assume, enquanto o piano começa a exercer seu papel concertante. Variação 5: Tempo precedente (2m11s) Uma variação como uma Tocata. Tocata, atualmente, resume algo ligeiro, que não pode ser cantado. A criatividade de Rachmaninoff é espantosa. Variação 6: L'istesso tempo (2m40s) Essa variação é repleta de ritenutos. Quando se escreve a palavra ritenuto em sobre a partitura, deve-se desacelerar a música. Isso ocorre geralmente nos finais de frase. Repare que ele joga trechos do tema, especialmente no clarinete (3m09s). No final da variação isso vai se tornando mais frequênte, com a flauta e o corne inglês. Variação 7: Meno mosso, a tempo moderato (Dies Irae) (3m42s) Os fagotes e violoncelos tocam pequenos incisos do tema, enquanto o piano canta uma melodia coral que insere na música um novo tema: o Dies Irae, um cantochão (Canto Gregoriano) medieval, que Rachmaninoff sempre usava quando queria tratar de morte ou assuntos funestos. No piano, mal dá para perceber, pois ele não usa a harmonia subentendida do Dies Irae, mas a melodia é a seguinte: O Dies Irae é um poema medieval que se costuma musicar em um Réquiem, a missa dos mortos (além de passagens bíblicas). Mozart compôs um particularmente interessante no seu Réquiem em Ré menor, sua última obra. Obs. Existe a Sequência Dies Irae, que comporta: Dies Irae, Tuba Mirum, Rex Tremendae, Recordare, Lacrimosa e Pie Iesu; e existe o Dies Irae em si, a primeira parte dessa sequência. Quase todo Réquiem inclui a sequência inteira ou parte dela. Este Dies Irae em particular é de autor e data desconhecidos, podendo ter sido composto entre o século XI e o XIII. Ele não faz parte de um Réquiem, pois estes começaram a aparecer na Renascença (século XV). Variação 8: Tempo I (4m54s) A variação 8 conta novamente com um encurtamento do tema, no piano. E uma escrita mais virtuosística, dialogando mais com as madeiras (5m14s) e com as cordas (5m20s). Variação 9: L'istesso tempo (5m29s) Baseado em quiálteras de colcheia, que dá esse acompanhamento martelado, ouvimos o col legno, que é quando as cordas usam a parte da madeira do arco, em vez da crina de cavalo, para dar pequenas pancadas nas cordas. Ouvimos também a percussão. Variação 10: Poco marcato (6m01s) Na variação 10 ouvimos de forma plena o Dies Irae, tocado nas cordas graves do piano. Aos 6m14s temos uma evolução dessa melodia. Mas Rachmaninoff faz isso sem sair da proposta harmônica que havia inserido anteriormente, que é derivada daquela do tema. Essa parte tem um final bem definido, fazendo uma pausa para a chegada da próxima. Variação 11: Moderato (6m51s) Aqui é como se começássemos o 2º movimento. O movimento lento. É nesse movimento que teremos modulações, com as sessões aparecendo em tonalidades que não o lá menor. Com um clima mais onírico, os violinos e violas, em trêmolo, vão abrindo um facho de luz, que acaba desembocando numa plácida declaração do tema (fragmentos dele) pelo piano. Aos 7m45s temos pequenas cadências do piano. Variação 12: Tempo di minuetto (8m12s) Essa é minha variação favorita. É em ré menor. Veja que beleza. Ela começa com as cordas em pizzicato, e o piano tece comentários em terças. Essas terças vão evoluindo e constroem um dos contracantos mais bonitos da obra (8m50s). Ele escreveu Tempo de Minueto, que é 3/4, assim como a valsa. Variação 13: Allegro (9m35s) Também em ré menor, na variação 13 o tema aparece, mesmo que um pouco desfigurado, nas cordas, logo no início, sobre uma harmonia pedal (o baixo dos acordes é sempre o mesmo, nesse caso, uma nota grave que o piano fica repetindo no contatempo). Variação 14: L'istesso tempo (10m06s) É na relativa de ré menor, fá maior. Essa ligeira variação é meio elétrica, com as madeiras tocando o motivo principal. Variação 15: Più vivo scherzando (10m52s) Fá maior, também. Scherzando, como vimos em outras análises, significa brincando. A harmonia ainda é perceptível, mas vem com acréscimos. Variação 16: Allegretto (11m58s) É em si bemol menor, que é a vi (sexta menor) de ré. O Allegretto tem uma atmosfera difusa. Aos 12m42s ouvimos um violino solo trazer uma lembrança do tema. Repare no oboé, aos 13m26s. Variação 17: (Allegretto) (13m36s) Também em si bemol menor. Essa variação pode ser vista como uma preparação para a grande melodia da obra. O piano toca arpejos graves e as madeiras vão tocando suas notas. Tudo parece mesmo um preparo. Variação 18: Andante cantabile (15m32s) Em ré bemol maior. Nessa variação de puro encanto, o piano faz, como mencionado anteriormente, o espelhamento da melodia. Sua cantilena, às vezes acompanhada pela orquestra, segue inabalável por uns bons 2 minutos, sendo a mais longa variação. Tempo suficiente para você ser transportado para outra relalidade. Aqui acaba o 2º movimento, ou 2ª seção. Essa variação ficou tão famosa, aparecendo em coletâneas de música clássica, muitas vezes separada do resto da música, que Rachmaninoff disse: "Essa é para o meu empresário". Tempo vivace (18m32s) A terceira seção se parece mais com um finale. Inclusive, não começa com uma variação, mas uma curta introdução, em pizzicato nas cordas. Em tempo vivo, que é bem rápido. Variação 19: L'istesso tempo (18m41s) L´istesso tempo significa o mesmo andamento, isto é, continua rápido. Temos uma que até parece com uma das variações originais de Paganini. Pizzicatos nas cordas e o piano volta ao seu estilo tocata. Ela faz menção à variação que você ouve aos 3m07s do vídeo da Hilary - uma das mais difíceis. Variação 20: Un poco più vivo (19m05s) Aqui, notas ligeiras das cordas, enquanto o piano faz uma melodia entrecortada. Variação 21: Un poco più vivo (19m41s) Trabalha com um ostinato do piano (um pequeno trecho repetido várias vezes). E as cordas, vez por outra, tocam um inciso do tema, embora seja difícil discernir. Variação 22: Un poco più vivo (Alla breve) (20m07s) Aqui temos a uma variação longa. Os incisos, tocados pelas cordas, tornam-se mais perceptíveis. O movimento faz um crescendo, com a ajuda das percussões, passa pelo Dies Irae e desemboca em uma passagem das cordas e do piano tocando escalas hipnóticas. Variação 23: L'istesso tempo (21m32s) Agora, o piano revê o tema, de maneira rápida. Quando a orquestra entra, toca o mesmo tema, mas modulado, em outro tom. Temos um caráter de coda já nessa variação, mas o coda em si é a próxima. Variação 24: A tempo un poco meno mosso (22m23s) Concentrada no piano, essa variação vai dar fim à música, de maneira brilhante. É, sem dúvida, a variação mais difícil para o piano, e que torna a música virtuosística. A parte do piano contém glissandi e saltos de mão. A orquestra toca o Dies Irae (23m07s) e depois temos o final. Considerações finais Conhecemos uma das mais adoradas e queridas peças de Sergei Rachmaninoff. Alguns a consideram seu Concerto para Piano Nº 5. De escrita exemplar e com um plot twist no final - a bela melodia da variação 18 - é uma obra arrojada e elegante. O uso do Dies Irae, que pode incomodar alguns (porque Rachmaninoff sempre usa) é bem dosado e discreto. Na estréia, em novembro de 1934, na Lyric Opera House, em Baltimore, EUA, com a Orquestra de Filadélfia, regida por Leopold Stokowski, conta-se que o compositor, que tinha medo de palco, estava com uma ansiedade enorme. Por conselho de seu amigo, o grande pianista Benno Moiseiwitsch, ele bebeu um pouco de álcool antes de entrar. A performance foi um sucesso estrondoso. Ele nunca mais entrou em um palco sem beber um pouquinho. Hoje, é uma das peças mais gravadas do compositor. Segundo a revista Gramophone, existem 400 gravações da peça, que é um número absurdo, comparável ao de uma Sinfonia de Beethoven. É uma jóia do Romantismo Tardio, numa época que já havia visto a "Sagração da Primavera", os Concertos de Bartók, a Música Dodecafônica e tanta coisa dissonante. Rachmaninoff era o compositor que o mundo permitia ainda ser romântico para nos mostrar as belas músicas que sua alma criava. Gravações recomendadas - Sergei Rachmaninoff ao piano, com a Orquestra de Filadélfia, regida por Leopold Stokowski - Gravada no natal de 1934, mostra a facilidade com que as mãos gigantes do gigante russo enfrentavam até as mais ligeiras passagens. É uma gravação de valor altíssimo, em que podemos ouvir as verdadeiras intenções do compositor, os rubatos, as intensidades e os andamentos. Mais que isso, para a época, é uma gravação excelente, quase sem chiado. Quando eu tinha 10 anos, descobri que um primo tinha uma caixa com todas as gravações de Rachmaninoff e aperreei meu pai para comprar dele. Não podia deixar de ouvir Rachmaninoff interpretando Rachmaninoff. Ele foi considerado o maior pianista do século XX por outros pianistas. https://open.spotify.com/album/3lBtQKO6qNcANSdgIh1DsB?si=qJuYgTdHT5GwH36itc3PsQ - Earl Wild, com a Royal Philharmonic Orchestra, regida por Jascha Horenstein - O som dessa gravação incomoda um pouco. É um tanto artificial. Mas o pianista americano Earl Wild tem na obra concertante de Rachmaninoff um dos pontos altos de sua discografia. É uma versão diabólica, sem leveza, mas muito interessante, de 1965. - Yuja Wang, com a Orquestra de Câmara Mahler, regida por Claudio Abbado - Uma das versões mais modernas, com a excepcional pianista chinesa Yuja Wang. O som é impecável, dá pra ouvir cada inflexão, cada instrumento. Recomendadíssima. É de 2011. - Daniil Trifonov, com a Orquestra de Filadélfia, regida por Yannick Nézet-Séguin - O jovem pianista russo Daniil Trifonov gravou seu ciclo (os 4 Concertos e a Rapsódia) com a mesma orquestra com que o compositor gravou. O resultado é admirável. Mais uma vez temos um som excepcional, da gravação, um solista que é um dos maiores da atualidade e, agora, uma orquestra lendária, com seu jovem e talentoso líder. De 2015. - Arthur Rubinstein, com a Sinfônica de Chicago, regida por Fritz Reiner - Essa foi considerada por muito tempo a gravação modelo da obra. De fato, é sensacional, Rubinstein toca com tranquilidade. É de 1956. - Vladimir Ashkenazy, com a Orquestra do Concertgebouw, de Amsterdã, regida por Bernard Haitink - Ashkenazy gravou antes, nos anos 70, com a Sinfônica de Londres, regida por André Previn. Mas essa aqui, de 1985, é claramente melhor. O som, a orquestra, o regente, tudo para criar a versão perfeita da Rapsódia. Tudo bem, o som é excelente, mas não é perfeito. Às vezes os instrumentos se misturam. Mas é apenas uma pequena incoveniência. Trata-se da gravação com mais impacto e peso, além de lirismo e pura beleza. https://open.spotify.com/album/5XV0gqduqUWvvezMiMUE5T?si=FclVjXlsSbKtAa59WcKelA E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música ClássicaVamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Melhores Orquestras do Mundo: Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de DvořákMúsicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/SgambatiMúsicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de RavelMúsicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-LobosMúsicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de WagnerMúsicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms - 10 Obras para se Conhecer Bartók - 10 Obras para se Conhecer Chopin Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano- Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno- Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina- Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? 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  • Top 10 Álbuns de João Gilberto

    Perfeitamente. Vamos listar aqui os 10 melhores discos do João Gilberto na minha opinião. Como a discografia dele de estúdio é pequena, incluí seus melhores discos ao vivo. Compreendam que ele é um dos meus músicos favoritos. A lista reflete apenas a minha opinião. Além da grande verdade cósmica. João Gilberto (1931-2019) foi um cantor e violonista brasileiro, baiano de Juazeiro, que até hoje é considerado o pai da Bossa Nova. Esse estilo é uma maneira de tocar e cantar samba que João desenvolveu durante uma pausa na sua carreira. Acabou se tornando também um jeito de compor (melodias e harmonias) e de letrar (com uma puerilidade que lhe é típica). 10. Eu sei que vou te amar Se alguém lhe pedir uma aula de João Gilberto, ponha pra ouvir Pra Que Discutir Com Madame?, de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida. Nessa música ele faz o equilíbrio ideal entre seus rubatos. Ele canta a linha antes da hora e, depois, pra compensar, usa a própria respiração para completar o compasso. Na parte B, usa seu lirismo infinito, e ainda enxerta uma melodia de Tchaikovsky - a música fala de uma certa "madame" que critica o samba como coisa da ralé (personagem real). Isso Aqui o Que É, de Ary Barroso tem uma versão maravilhosa. O álbum ao vivo, de 1994, tem clássicos de Tom Jobim, como Eu Sei Que Vou Te Amar, Desafinado, Meditação, Chega de Saudade e Corcovado. E uma das minhas favoritas, de Hekel Tavares e Joracy Camargo - Guacyra. 9. João Gilberto en México Gravado em 1970 no México, lançado no Brasil como "Ela É Carioca", esse disco é um dos grandes álbuns de estúdio do João. É raro a gente ouvir o cantor acompanhado de coisa mais que seu violão, portanto aqui temos músicas com arranjo de Oscar Castro Neves. Temos letras em português, espanhol e o que quer que O Sapo seja. De João Donato, essa canção depois receberia uma letra de Caetano Veloso e passaria a se chamar A Rã. Não sei se o anfíbio evoluiu ou involuiu. João Marcelo, feita por João para seu filho, é só instrumental. É uma evolução harmônica impressionante. Outra sem letra é Acapulco, de Tom Jobim. E João canta Besame Mucho (Consuelo Velázquez), que ele gravaria outras vezes. 8. Brasil Esse disco, de 1981, é uma obra prima de João, de Caetano Veloso, de Gilberto Gil e de Maria Bethânia. Ele quase enlouquece o trio tentando extrair as articulações e a afinação perfeitas. Mas quando a voz de Gil se abre na primeira música, a Aquarela Brasileira, ilumina tudo. Logo depois vem Caetano. Foi nessa música que eu percebi como a voz dos três é belíssima. Disse Alguém é um Foxtrot de Haroldo Barbosa, Gerald Marks e Seymour Simons e que eles cantam com coordenação perfeita. Bethânia entra em No Tabuleiro da Baiana, de Ari Barroso. Sua voz aparece grave, quase no registro limite, mas sem esforço. É uma faixa encantadora. O disco, curtinho, tem no Foxtrote seu ponto fraco, pela música, mas as outras 5 faixas são perfeitas. 7. João (1991) Esse disco, de 1991 é excepcionalmente gravado. Um som de alta definição. Os arranjos de Clare Fischer são muito bem vindos. Ele usa os sopros, especialmente clarinetes, tanto quanto as cordas, o que dá ao disco uma sonoridade bem diferente dos outros discos de estúdio do João. O repertório é especialmente atraente, porque tem músicas que ele não gravou em outros discos (João era afeito a regravar mil vezes a mesma música). Mas Eu Sambo Mesmo (Janet de Almeida), Siga (Fernando Lobo e Hélio Guimarães), Rosinha (Jonas Silva), Sampa (Caetano Veloso) e Palpite Infeliz (Noel Rosa), só aqui. É o meu disco favorito dele. 6. Live in Montreux João em Montreux, em 1986 é o recital perfeito. O público claramente viria a votar no Bolsonaro futuramente. Mas o som é muito bom. A supracitada Pra Quê Discutir com Madame? é excepcional. Menino do Rio, de Caetano Veloso, está linda. Assim como Morena Boca de Ouro (Ary Barroso) e Rosa Morena (Dorival Caymmi). 5. Chega de Saudade O primeiro disco dele, com arranjos orquestrais de Tom Jobim, que também assina as composições Chega de Saudade, Brigas, Nunca Mais e Desafinado, é de 1959. Sendo um dos discos inaugurais da Bossa Nova, ele traz canções que já nasceram bossa, como as de Tom, as de Carlos Lyra e também já mostrava a tendência de João de pegar clássicos do samba e trazer para o seu universo, com músicas de Ary Barroso e Dorival Caymmi. 4. João Gilberto (1973) Só João e uma percussão mínima. Esse disco, de 1973, é também chamado de "Álbum Branco" do João Gilberto. Começa com uma versão inevitável de Águas de Março (Tom Jobim), que, com a instrumentação limpa poderia soar apagada, se não fossem as pequenas variações que ele impõe. Undiú (João Gilberto), com seus acordes pedais, lembra um mantra. Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso) ele faz só com o violão e a percussão, formando uma versão que seria imitada por décadas. Avarandado (Caetano Veloso) é um dos pontos altos do disco, assom como Izaura (Herivelto Martins e Roberto Roberti), que ele canta com Miúcha. 3. Amoroso Amoroso, de 1977, é consenso. Os arranjos de Claus Oregman, que estava se especializando em música brasileira, são fantásticos. Deve ser o disco com arranjos mais exuberantes de João. Ele canta em inglês, espanhol, italiano e português. Tim Tim Por Tim Tim, de Haroldo Barbosa e Geraldo Jaques está lindíssima. Wave (Tom Jobim) tem sua versão definitiva, assim como Caminhos Cruzados, Triste e Zingaro (Retrato em Branco e Preto). A diferença entre esse disco e o do México é, especialmente a qualidade dos músicos de sessão. Além de a gravação ser perfeita. 2. João Voz e Violão Esse disco, de 1999, é como se fosse um recital. Ele toca e canta e só. Não tem orquestra nem percussão. Dos seus discos de estúdio, é o mais nu. A capa é clara: cala a boca e escuta João. A maioria das músicas ele já tinha gravado, mas a gravação é bem vinda. O som é tão intimista que quase chega a ser invasivo. Parece que ele está no pé do seu ouvido, com a voz mais cremosa do mundo. Ele canta Desde que o Samba é Samba e Coração Vagabundo, de Caetano Veloso e Eu Vim da Bahia, de Gilberto Gil, além das representativas Desafinado e Chega de Saudade, de Tom Jobim. 1. Getz/Gilberto Getz/Gilberto, de 1964. Não dá pra escapar dele. Mesmo se desconsiderarmos a importância histórica dele, ele ainda se sustenta no primeiro lugar da discografia dele. E do Stan Getz, possivelmente. Bateria, baixo e aquele piano mínimo do Tom Jobim. Getz improvisa sem as vulgaridades que, às vezes, embotam o saxofone americano. Ele tem muito bom gosto. Os pontos altos são Doralice (Dorival Caymmi), Pra Machucar Meu Coração (Ary Barroso), que ele canta de dar dó, Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça), em que Getz brilha e Vivo Sonhando (Tom Jobim). Veja os posts abaixo. Vai gostar.

  • 10 Obras para se Conhecer Bartók

    Um dos compositores da Hungria mais importantes no século XX é Béla Bartók (1881-1945). Importante é a palavra certa, porque sua música nunca se tornou popular. Digo entre os não admiradores de música clássica. É uma música difícil, dissonante, repleta de elementos exóticos, a escrita é diferente. Por exemplo, no seu 1º Concerto para Piano, o piano é usado como um instrumento de percussão. Não obstante, tem admiradores fervorosos, porque nessa mesma música se pode encontrar momentos arrepiantes, empolgantes, modernos e que você não encontra em nenhum outro lugar. Ao lado de Igor Stravinsky, Sergei Prokofiev e Paul Hindemith, foi o difusor da principal linguagem musical do começo do Modernismo. Especialmente anos 1900 a 1940. As peças que listarei aqui são todas importantes no seu repertório. Algumas são bem longas, outras nem tanto. Mas garanto que conhecendo qualquer uma você estará apto a desfrutar o mundo de ideias desse grande compositor. I. Música Para Cordas, Percussão e Celesta (1936) Já fiz uma postagem sobre essa obra (veja aqui). Trata-se de uma das mais conhecidas do compositor. Extremamente densa e inovadora, pode demorar a ser apreciada. Mas se você insistir, garanto que será recompensado. São 4 movimentos cuidadosamente calculados (é aqui que a música se aproxima da matemática). Como disse anteriormente, trata-se de uma nova linguagem musical, à qual você precisa se adaptar. Nada de melodiazinhas assobiantes. Gravação recomendada - Susanna Mälkki, regendo a Filarmônica de Helsinki II. Concerto para Orquestra (1943) Esta peça é outra história. É otimista e tem um linguajar mais acessível. Aliás, pertence a um período em que Bartók mudou um pouco sua atitude em relação à composição. Ele queria atingir um público maior e menos acadêmico. Foi uma das últimas obras sinfônicas dele, composta para a Sinfônica de Boston e seu regente Serge Koussevitsky. Sabemos que um Concerto é uma obra em que um ou mais insrtrumentos se contrapõem à orquestra. Desse modo, é contraituitivo falar em Concerto para Orquestra, mas o que acontece aqui é que todos os instrumentos são testados. A música é longa, com 5 movimentos e procura destacar os instrumentos individuais e os naipes de instrumentos com uma escrita absolutamente virtuosística. Existem vídeos no YouTube de trompetistas ensinando a tocar determinada passagem... Gravação recomendada - George Solti, regendo a Sinfônica de Chicago III. O Mandarim Milagroso (Suíte de Balé-Pantomima) (1924) Em 1924 Bartók terminou um Balé-Pantomima com um enredo um tanto chocante para a época, envolvendo seduçao e roubo por parte de uma gangue que usa uma dançarina para atrair as vítimas. A última vítima é um Mandarim (um rico Chinês) que deseja a dançarina e avança sobre ela. Os ladrões tentam matá-lo por sufocamento, por facadas e percebem que o Mandarim não morre. Quando derrubam um lustre sobre ele, ele se torna em um espírito esverdeado. Percebendo que ele não iria embora, a moça pede que o soltem e ele cai mais uma vez sobre ela, consumando um estrupro. Não sei por que Bartók achou que isso ia dar certo. Era O Mandarim Milagroso. Obtendo pouco sucesso com o balé, Bartók retirou dele uma Suíte, a ser tocada em concerto, desprovida da encenação. Esta foi bem mais bem-sucedida. A escrita orquestral é impressionante e imponente. No começo temos uma descrição de uma cidade grande e selvagem. Sugiro que escute a suíte sem se preocupar com o enredo. A suíte competa dura cerca de 16 a 19 minutos, enquanto o bale, dura 33 minutos. Gravação recomendada - Esa-Pekka Salonen, regendo a Filarmônica de Los Angeles IV. Concerto para Piano Nº 2 (1931) Um dos concertos para piano mais difíceis do repertório. Tão difícil que só passou a ser gravado com mais frequência recentemente (nas últimas décadas). Ele segue a chamada forma de arco de Bartok - Rápido-Lento-Rápido-Lento-Rápido. O segundo movimento é fantasmagórico, com suas cordas em surdina. Também não é uma peça fácil de ouvir, exige um bocado do ouvinte, pois além de incorrigivelmetne dissonante, é todo contrapontístico. Gravação recomendada - Géza Anda, ao piano, com a Orquestra Sinfônica da Rádio de Berlim e Ferenc Fricsay na regência. V. Concerto para Piano Nº 3 (1945) Diferente do anterior, esse concerto é simples e agradável. E bem mais fácil. Se você acha a música de Bartók muito difícil e dura, esse concerto certamente apelará a você. Feito como um presente surpresa de aniversário para a sua esposa Ditta Pásztory-Bartók, que era uma competente pianista, mas que jamais poderia enfrentar os outros concertos, é uma obra cheia de ternura e melodias cantáveis. Isso tudo sem abrir mão do estilo próprio do copositor. Com 3 movimentos, dura cerca de 25 minutos. Gravação recomendada - Martha Argerich ao piano, com a Sinfônica de Montreal regida por Charles Dutoit VI. Quarteto de Cordas Nº 4 (1928) Os seis Quartetos de Cordas de Bartók são considerados as obras primas do gênero no século XX. Ao lado dos de Shostakovich e de Villa-Lobos. O quarto talvez seja o mais famoso e mais adorado. Foi escrito e 1928 e estreado em Budapeste em maio de 1929. Com ele, revemos a forma em arco de Bartók: o primeiro e o último (quinto) movimentos têm material em comum, assim como o segundo e o quarto - até as durações são parecidas. O terceiro, no centro, não interage com os outros e contrasta com eles. E que beleza é esse terceiro movimento!.... Gravação recomendada - Emerson String Quartet VII. Sonata para 2 Pianos e Percussão (1937) Exemplo da altamente complexa música bárbara do compositor húngaro. Tem 3 movimentos e dura cerca de 25 minutos. A percussão (2 percussionistas) está inteiramente integrada aos dois pianos. Quanto a eles, não há um primeiro e um segundo. Ambos são igualmente importantes (aliás, a percussão também, que conta com 3 tímpanos, xilofone, 2 tambores, pratos, prato suspenso, bumbo, triângulo e gongo). O piano, lembremo-nos, é um instrumento de percussão, e aqui isso é bem ressaltado. Gravação recomendada - Martha Argerich, Nelson Freire, Peter Sadlo e Edgar Guggeis VIII. Concerto para Violino e Orquestra Nº 2 (1938) Quando Bartók era vivo, esse era conhecido simplesmente como seu Concerto para Violino. O Nº 2 veio porque 11 anos depois de sua morte estrearam, à revelia, seu 1º Concerto, escrito em 1911 e esquecido. O Segundo é uma peça muito bem estruturada e orquestrada, cheia de temas dodecafônicos, mas que não é difícil de ouvir. Tem 3 movimentos e dura cerca de 36 minutos. Gravação recomendada - Isabelle Faust (violino), com a Orquestra Sinfônica da Rádio Sueca, regida por Daniel Harding IX. O Príncipe de Madeira (balé) (1917) Essa partitura sensacional é o segundo e último balé de Bartók, que nunca fez o sucesso da suíte do seu primeiro, O Mandarim Milagroso. O compositor emprega aqui sua maior orquestra, com 4 flautas (2 alternando para flautim), 4 oboés (2 alternando para corne inglês), 4 clarinetes (2 alternando para clarinete em mi bemol e clarone), 4 fagotes (2 alternando para contrafagote) 1 saxofone alto, 1 saxofone tenor (alternando para saxofone barítono), 4 trompas, 4 trompetes, 2 cornetas, 3 trombones, tuba, tímpanos (1 executante) e mais 5 executantes de bombo sinfônico, pratos, caixa-clara, tambor de campo, triângulo, gongo, glockenspiel, xilofone, castanholas, 2 harpas, celesta, 16 primeiros violinos, 16 segundos violinos, 12 violas, 10 violoncelos e 8 contrabaixos. A música é sensacional, evocativa e de fina orquestração. A história, muito simples, fala de um príncipe que se apaixona por uma princesa, mas é impedido de alcancá-la por uma fada que faz a floresta e o vapor atrapalharem. Numa tentativa de atrair a atenção da princesa, ele pendura sua capa, seu cabelo e uma coroa em um bastão. A princesa vê esse príncipe de madeira e dança com ele. A fada dá vida ao príncipe de madeira e a princesa sai com ele, no lugar do príncipe de verdade. Ele cai em desespero. A fada tem pena dele, ao vê-lo dormir, veste ele elegantemente e tira a vida do príncipe de madeira. A princesa retorna e se reúne ao príncipe de verdade, por fim. Pode não ser muito, mas é consistente com as histórias de balé da época e gera uma música sensacional. Além do mais, você pode escutar sem reparar nos aspectos narrativos, ouvindo apenas como música. Gravação recomendada - Orquestra Filarmônica de Helsinki, regida por Susanna Mälkki X. Divertimento para Orquestra de Cordas (1939) Lembra do Paul Sacher, regente suíço que, para o aniversário de 10 anos da sua orquestra (Orquestra de Câmera da Basiléia), encomendou a 2ª Sinfonia de Honegger e a Música para Cordas, Percussão e Celesta, de Bartók? Ele encomendou ao compositor esse Divertimento para Orquestra de Cordas, que é uma beleza. A escrita de Bartók para cordas era realmente uma preciosidade. Ele usa instrumentos como solistas e em conjunto. A peça tem 3 movimentos e dura cerca de 25 minutos. Gravação recomendada - Orquestra Sinfônica da NHK, de Tóquio, regida por Paavo Järvi Conhecendo essas dez obras, você não apenas estará conhecendo as mais importantes de Bartók, mas uma boa parte de sua obra. Conseguimos fazer uma seleção que abarca toda a sua criação, com excessão da música para piano solo e da ópera O Castelo de Barba-Azul. É uma música que vale a pena conhecer, como um pintor tem sua linguagem própria, Bartók tem seu estilo e ele é pleno de riqueza e dos mais variados climas. E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música Clássica Vamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Melhores Orquestras do Mundo: Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de Dvořák Músicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/Sgambati Músicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de Ravel Músicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-Lobos Músicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de Wagner Músicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano - Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina - Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos.

  • Como a Música Clássica Morreu

    No ano de 1900 íamos bem. Sergei Rachmaninoff escrevia seu 2º Concerto para Piano, Sir Edward Elgar acabara de apresentar as Variações Enigma. A 9ª Sinfonia de Antonín Dvořák e a 6ª Sinfonia ("Pathétique") de Pjotr Tchaikovsky estavam frescas na memória. Em 1915 tudo estava ainda sob controle. O público ficara absolutamente confuso com A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, anos antes, mas as consequências da Sagração foram benéficas. Além disso, Maurice Ravel tinha composto seu balé Daphnis et Chloé, sucesso absoluto há mais de um século. Tínhamos, ainda: O 2º Concerto para Piano de Sergei Prokofiev; As últimas Sonatas para Piano de Alexander Scriabin; Os Prelúdios para Piano de Claude Debussy (Livro 1 e Livro 2); A Cotovia Ascendendo (The Lark Ascending), para Violino e Orquestra, de Ralph Vaughan Williams; A Sinfonia Alpina, de Richard Strauss; Os Estudos para Piano, de Debussy; A Suíte Cita, de Prokofief; Taras Bulba, de Leoš Janáček. Isso para citar só algumas das peças mais bem sucedidas compostas na entrada da Primeira Guerra Mundial. Acontece que a música erudita tem a necessidade de evoluir. E ela ainda não considerava que havia evoluído de um evento específico. Lá atrás, em 1865, Richard Wagner mostrara ao mundo sua ópera Tristão e Isolda. Ela continha um acorde (um acordezinho) que, entre os músicos, causou alvoroço. Era o Acorde de Tristão (link externo). O acorde e a melodia que o cercam era o Leitmotiv do personagem Tristão. O que tinha esse acorde? Bom, desde sempre, a música havia se pautado na dicotomia entre acordes que criam tensão e acordes que criam relaxamento. O acorde de dominante, por exemplo, gerava tensão, que só era resolvida quando se tocava o acorde da tônica. O fato é que o acorde de Tristão nunca era resolvido. Veja, é um Fá meio diminuto. Deveria ser resolvido com (sei lá) um Dó Sustenido (o Fá meio diminuto pode ser visto como um Sol sustenido menor com sexta). Ou com um um Mi bemol... O fato é que, observe na partitura, ele não resolve, prossegue em uma escala cromática e acaba em Mi maior, que dificilmente nos dá a sensação de relaxamento. Agora, Wagner não estava nem aí para isso. Foi a solução artística que ele encontrou para sua partitura. Mas outros compositores viram mais, muito mais. Viram uma brecha para o distanciamento da música tonal. Aquele acorde abria possibilidades. Com um papo meio estranho de "igualdade" entre todas as notas, sem hierarquia, sem notas mais importantes (como se as notas fossem "seres humanos"), surge, em 1919, o Dodecafonismo. A Música Serial. A sua origem, digamos, o primeiro incômodo que a gerou foi o Acorde de Tristão. Mas foram muito além de resolvê-lo. Naquela música, todas as notas tinham valor igual, não existia tensão e relaxamento. Para garantir isso, o compositor gerava uma matriz com as doze notas da escala musical (contando sustenidos ou bemóis) e sorteava qual fila usar. Se ele escolhia começar com Retrógrado Inverso 7, RI7, tinha que usar o fá, o sol bemol, o mi bemol... até o si. Depois, escolhia outra fila. Os compositores Dodecafônicos, dentre os quais os principais eram Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern, receberam a alcunha de Segunda Escola Vienense. Pressupondo que a primeira era formada por Wolfgang Amadeus Morzart, Joseph Haydn e Ludwig van Beethoven (lembrando que esses compositores jamais se organizaram sob um nome, e que, possivelmente, Mozart nunca conheceu Beethoven). Não posso deixar de pensar que a Primeira Escola eram os organizadores das regras da música, enquanto que a Segunda, os destruidores. Digo isso porque, pelo menos na minha visão, a música Dodecafônica é fria, sem vida (embora tenha expressividade) e, principalmente, ela distanciou o público das salas de concerto. Até então, para apreciar Stravinsky, você precisava ser antenado às tendências mais modernas, tinha que ser aberto, mas não tinha que pegar em uma partitura. Não tinha que ser músico. Posso dizer que, a partir de Schoenberg, a música se tornou complexa, cerebral, apreciada apenas por músicos. Que seja somado a isso o fato de que o rádio chegava e, com ele, a indústria cultural de Theodor Adorno. Adorno era um pensador alemão, pertencente à Escola de Frankfurt, que tinha treinamento em piano e simpatizava com a Segunda Escola Vienense. Acredito que, na época, eles não entendiam por que a música clássica estava em crise, e resolveram culpar essa indústria cultural. Não me entenda mal, essa indústria existe. Hoje, mais ainda. Um artista pop não é uma pessoa, é um amálgama de assessores, produtores, conselheiros e até músicos e professores de música. Ele pode fazer tudo menos o que quer. E não dá um passo sem perguntar a alguém. Eu concordo com Adorno no que diz respeito a isso. Só que a própria música clássica foi quem primeiro se distanciou do público. Aquela música não era acolhedora, não provocava emoções, não encantava. E o público, desapontado, migrou para o Swing. Ali, ninguém tinha que ter conhecimento prévio, a musica o fazia querer dançar e entrava fácil no seu ouvido. A partir de então, o público começou a querer cada vez mais essas músicas que não exigiam esforço (nem tempo) para ser apreciadas. A música erudita ainda teve muitos desenrolares autodestrutivos, como o serialismo integral, a nova complexidade, microtonalismo, espectralismo e a música eletroacústica. Atualmente, o movimento é mais saudável. Sabemos que temos que continuar fomentando compositores novos, não podemos viver apenas da música do século XIX. Então eles nos fornecem música mais palatável. Mas a grande verdade é que a maior parte do público de música clássica gosta de escutar novas interpretações de seus queridos clássicos. Que vão até os anos 30. E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música Clássica Vamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Melhores Orquestras do Mundo: Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de Dvořák Músicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/Sgambati Músicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de Ravel Músicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-Lobos Músicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de Wagner Músicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Scherzos - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Dvorák - Concerto para Piano - Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina - Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos.

  • Chopin - Os 4 Scherzos - Análise

    Algumas das obras mais importantes do composito polonês Frédéric Chopin (1810-1849) vieram em quartetos. São as Baladas, os Imrpomptus (Improvisos) e os Scherzi (ou Scherzos). Estes são peças de um movimentos só, com duração média de 7 a 11 minutos. Foram compostos entre 1833 e 1843. O compositor Fryderyk Franciszek Chopin era um músico das proximidades de Varsóvia, que abandonou em 1930, aos 20 anos, antes do Levante de Varsóvia. Foi parar em Paris, onde construiu sua carreira de pianista e compositor. Chopin escrevia quase exclusivamente para piano solo. Em Paris, ficou amigo de Franz Liszt e Robert Schumann e, principalmente, de Georges Sand, uma escritora cujo nome real era Aurore Dupin, com quem tinha uma relação turbulenta. Suas obras principais - que englobam mais ou menos 10 CDs - são as 58 Mazurkas, as 4 Baladas, os 4 Scherzi, os 4 Impromptus, 3 Sonatas, 20 Valsas, os 24 Estudos, os 21 Noturnos, os 24 Prelúdios, 2 Prelúdios desgarrados, os 2 Concertos para Piano e Orquestra e a Sonata para Violoncelo e Piano. Seus Scherzi foram compostos mais ou menos na mesma época das Baladas (anos 1830), e são frequentemente comparados a elas. Chopin morreu de possivelmente de complicações causadas pela tuberculose aos 39 anos, em Paris. Os Scherzi O termo Scherzo, popularizado na música por Beethoven anos antes (mas que já vinha sendo usado), significa brincando em italiano. As sinfonias e sonatas, até cerca de 1800 tinham 4 movimentos. O terceiro (às vezes, segundo) era o Minueto, um movimento em 3 partes (Minueto-Trio-Minueto) e em compasso de valsa. Beethoven foi o principal compositor a esquecer esse Minueto e substituir por um Scherzo. Suponho que ele viu os seguintes ganhos nessa substituição: Livrava-se da obrigação de escrever um movimento gracioso e leve em obras em que tal movimento ficaria fora de contexto. O Scherzo, embora tenha esse significado (de brincadeira) tem uma possibilidade que o Minueto não tinha - ele pode ser irônico, sardônico e consideravelmente mais rápido. Os Scherzi de Beethoven são pesados, graves e ambiciosos (e nem um pouco dançantes). O Scherzo se tornou lugar comum na sinfonia romântica, não lembro de nenhuma ter Minueto. O Scherzo herdou muito do Minueto, por exemplo, o compasso 3/4 e a presença do Trio (Scherzo-Trio-Scherzo). Agora, Beethoven não escrevia Scherzi avulsos. Eles eram um dos movimentos das suas sinfonias e sonatas. Em 1830, como mencionei Chopin abandona Varsóvia, chegando e se estabelecendo em Paris em 1831. Jamais voltaria à Polônia. Tinha, então, 21 anos e era um pianista completo, rivalizando apenas com Franz Liszt, compositor e pianista Húngaro que tinha a sua idade, mas ambições dilatadas com relação à fama. Os dois desenvolveram um respeito mútuo, mas uma amizade instável. Pois foi com a chegada a Paris que Chopin resolveu compor seus trabalhos mais ambiciosos: as 4 Baladas, os 4 Scherzi e 2 Fantasias. Suas obras se tornaram complexas, dificílimas de executar e consideravelmente mais longas. Vale lembrar duas coisas: Um compositor pianista deveria compor músicas relativamente fáceis, depois, colocar a partitura para vender e ver moçoilas tocando em jantares burgueses. Antes de Paris, Chopin tinha, sim, composto obras ambiciosas: seus 2 únicos Concertos pra Piano, escritos ainda na Polônia a ser executados em recitais de despedia. Mas, como era um virtuose, na época dos virtuoses (violino, piano, violão etc.) a maioria de suas composições não eram destinadas a ser tocadas por aprendizes, mas sim, principalmente, por ele e colegas pianistas. A invenção de compor Scherzi como obras completas, destacadas de outros movimentos tem origens antigas. Monteverdi escreveu 3 Livros de Scherzi Musicali. Mas ele não estava criando uma forma. Apenas compôs e resolveu chamar de Brincadeiras Musicais. É difícil dizer que Chopin foi o primeiro a usar o termo Scherzo como o título de uma obra singular, comprida, complexa e (pelo menos em três casos) trágica. Mas seus Scherzi tiveram uma influência profunda no começo do romantismo. Qual a diferença entre a Balada e o Scherzo? Embora sejam peças virtuosísticas, de duração semelhante, as Baladas estão mais interessadas em nos apresentar temas cantáveis, melodias bonitas e cativantes em primeiro lugar. E, sobretudo, um clima mais ameno, com menos arroubos de criatividade quase insana. Nos Scherzi, Chopin se deu a liberdade de suprimir tudo isso em nome de uma escrita para piano intensa e quase assustadora - acredito que o nome Scherzo tenha um pingo de ironia. Além disso, os Scherzi começam mais agitados - alternando, como de praxe, com momentos mais calmos. E são repletos de acordes medonhos, súbitos. Scherzo nº 1, em Si Menor, Op. 20 (1835) Composto em forma A-B-A + Coda, é uma das obras mais difíceis de Chopin. Tocá-la com brilho é um trabalho realmente fenomenal. Mais abaixo indico algumas gravações dos 4 Scherzi. No vídeo abaixo você pode verificar que se trata de uma obra turbulenta, agitada e cheia de vozes internas. As vozes internas, melodias que se pronunciam cercadas por outras mais importantes, são marca da escrita de Chopin, e conferem brilho e riqueza à escrita. Scherzo nº 2, em Si Bemol Menor, Op. 31 (1837) Um dos mais bonitos, tabmbém povoado de acordes súbitos, no fundo, se revela uma música lírica e adorável. Sua parte B começa apenas com a alternância de dois acordes, e se desenvolve em uma melodia típica de Chopin. Scherzo Nº 3 em Dó Sustenido Menor, Op. 39 (1839) Uma peça de humor extremamente irônico, não exatamente trágico, mas sardônico. Sua parte B, com os acordes descendentes nos agudos é mágica. Scherzo Nº 4 em Mi Maior, Op. 54, (1843) Trata-se de um dos mais conhecidos do grupo. Extremamente difícil de tocar rapidamente e, ao mesmo tempo, casualmente. É o único Schezo otimista, quase pastoril, do compositor. Apenas a parte B, que podemos chamar de Trio, evoca uma nostalgia doce. Gravações recomendadas - Roberto Szidon - As gravações que o gaúcho fez para a Deutsche Grammophon ainda estão no catálogo e podem ser encontradas nas plataformas de Streaming. São excelentes atestados de um pianista brasileiro que merecia maior sucesso. - Maurizio Pollini - Falar de Chopin sem mencionar Pollini é impossível. Seu talento nato para a melodia, para o rubato discreto, aliados à sua técnica irrepreensível nos trazem interpretações riquíssimas. - Ivo Pogorelich - Um tanto exagerado nas pausas dramáticas e rubatos, seu som é incrivelmente transcendental. - Yundi Li - O pianista chinês toca com uma facilidade assustadoramente monstruosa. - Beatrice Rana - Essa jovem pianista italiana gravou os Scherzi junto com os Estudos op. 25, num disco arrebatador. Os graves são verdadeiros terremotos, o que nos faz pensar que talvez ela toque num piano Bosendörfer.

  • Dvorák - O Concerto para Piano - Análise

    O compositor tcheco Antonín Dvořák (1841-1904) foi um dos maiores do romantismo tardio. Sua obra é imensa e é impressionante pensarmos que ele escrevia Sinfonias, Concertos, Poema Sinfônicos, Música para Piano, Música de Câmera, Ópera e Música Sacra. Tudo com muito bom gosto e brilho, se nem sempre com o mesmo sucesso. Sucesso, ele teve. Já li que a música mais tocada no ano de 1900 era sua Humoresque Nº 7, do livro 8 Humoresques, Op. 101, de 1894. Mas me refiro ao respeito e consideração pelas suas obras, que foram tratadas durante décadas como músicas apenas bonitinhas, mas sem refinamento e sem profundidade. Isso se deve ao fato de que ele tinha muita facilidade melódica, jorrando melodias inesquecíveis aos borbotões. Se, por um lado, isso lhe garantiu sucesso em vida, posteriormente foi problemático, porque os críticos (podemos chamar de haters?) adoram filosofar que, se uma obra tem muitas melodias bonitas, ela é "fácil" demais, "superficial". A música "boa" tem que ser difícil, dissonante, de melodias escondidas. Acho que esse preconceito está caindo. Mas demorou. Atualmente, de suas 9 Sinfonias, as últimas 6 são muito tocadas, sendo que as últimas 3 são realmente populares. E a última delas, por fim, talvez seja a sinfonia mais amada pelo público, a Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo". As outras são a Sétima e a Oitava. Dvořák escreveu três concertos, nunca mais de um para o mesmo instrumento. O Concerto para Piano em Sol Menor, Op. 33, de 1876, que nunca foi muito bem aceito, embora seja um concerto romântico de altíssima qualidade; o Concerto para Violino em Lá Menor, Op. 53, de 1879, que os violinistas gravam depois de já ter gravado 2 vezes os concertos de Brahms, Mendelssohn, Tchaikovsky e Beethoven; e o Concerto para Violoncelo em Si Menor, Op. 104, de 1895, este, sim, considerado uma obra magistral - talvez até o maior concerto para violoncelo já escrito. O Concerto para Piano Vamos fazer uma análise do primeiro deles, o Concerto para Piano. E vamos entender por que ele não é tão tocado. É seu Op. 33, em Sol Menor, e foi composto em 1876. Desconhecemos as motivações para o compositor escrever o concerto. Não parece que algum pianista ou algum barão europeu o tenham encomendado um. A modesta orquestra pedida contém 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas (primeiros violinos, segundos violinos, violas, violoncelos e contrabaixos) e o piano solista. O Concerto estava pronto e orquestrado em 14 de setembro de 1876 e a esrtreia foi em março do ano seguinte, com a Orquestra Filharmonie, do Teatro Provisional de Praga, regida por Anton Čech, com Karel Slavkovsky ao piano. Dvořák chegou a dizer-se incapaz de criar um concerto com um piano virtuose, em que o piano batalhe contra a orquestra, e que deveria pensar em outras coisas... Que seja dito que o senso comum prega que Dvořák era um bom pianista, mas estava longe de ser um virtuose do calibre de Liszt, Chopin ou mesmo Brahms. Mas era um compositor nato. É perfeitamente possível que ele soubesse exatamente o que estava fazendo. De qualquer forma, o pianista e pedagogo tcheco Vilém Kurz reescreveu com mais brilho a parte do piano. A primeira tentativa de Kurz foi tripudiada pela crítica, que dizia que parecia que o concerto era para "duas mãos esquerdas" (é que uma parte de piano bem escrita, leva em consideração as mãos, os polegares). Ele trabalhou de novo e melhorou a parte - lembrando que ele só mexeu na parte do piano - e essa versão é que ficou sendo a mais tocada. No álbum de Sviatoslav Richter e Carlos Kleiber, que contém a gravação abaixo, a nota diz que é justamente por isso que o concerto é pouco tocado. A versão de Kurz é difusa, não adiciona nada de muito musical e parte do pressuposto de que a versão original é defeituosa. Richter e Kleiber, isso nos anos 70, empreenderam gravar a versão original com a Orquestra Estadual Bávara de Munique. Foi o começo da restauração da reputação da obra. Os poucos pianistas que tinham a obra no repertório, mudaram da versão de Kurz para a original rapidinho. E vários o incorporaram ao repertório! O veredicto é que a obra não tem os artifícios típicos de uma parte de piano. Longos arpejos, oitavas poderosas e ligeiras alternâncias em terças não estão aí. Isso o torna, na verdade, mais difícil de tocar, pois o pianista não está habituado a uma escrita tão crua. Foi preciso Sviatoslav Richter gravá-lo com convicção para mostrar-nos a beleza melódica e harmônica dessa peça tão embebida de melancolia. Abaixo, nosso vídeo-áudio-guia, com a Orquestra Estadual Bávara de Munique, regida por Carlos Kleiber, com Sviatoslav Richter ao piano. Concerto Para Piano e Orquestra em Sol Menor, Op. 33 1º Movimento - Allegro agitato (0m0s) Exposição Começamos já com a apresentação do Primeiro Tema nas cordas, digna de Félix Mendelssohn (vide sua Sinfonia Nº 3 e seu Oratório Paulus). Ela escala e se torna tensa, ameaçadora (47s). Ficamos a sentir falta da percussão e nos perguntando se um Dvořák mais maduro a teria incluído. O fato é que não. O compositor tem outros planos para esse concerto. A partir dos 54s a escrita polifônica é notável e muito bem realizada. Repare, em 1m03s, em como os sopros vão entrando de maneira sutil e gradual - na verdade, eles já haviam sido ouvidos, mas como coadjuvantes. Temos primeiro a trompa, depois o clarinete, depois a flauta. Aos 1m23s ouvimos o Segundo Tema, no clarinete e fagote, de caráter pastoral. Os violinos o repetem (1m32s) em tom menor, com mais drama. Não deixe de notar uma linda aparição do Primeiro Tema no oboé, em 1m59s. Ele chama o piano. O piano entra tocando o motivo do Segundo Tema (2m15s) (não literalmente, mas em acordes diminutos). Note que, a partir de 2m29s, a orquestra (depois o piano) começa a fazer uma subida de três notas que vai se transformar em uma referência ao Primeiro Tema (2m41s). Aos 3m30s o piano restaura o Primeiro Tema, mas em tom maior, com muito menos drama e mais nobreza. A orquestra responde (3m38s) também de maneira diferenciada. Eles travam um duelo sobre esse tema nos próximos minutos até que vão relaxando e dando lugar ao Terceiro Tema (5m03s), que tem um caráter de Século XVIII - Classicismo, Mozart. Aos 5m47s eles começam a trabalhar um pouco o Terceiro Tema: a orquestra inicia e o piano faz pequenas cadências, em um momento adorável. Desenvolvimento O Desenvolvimento tem início aos 6m51s, da maneira mais súbita possível, com um súbito forte do piano. Eles começam trabalhando o inverso, primeiro o Terceiro Tema, atribuindo-lhe ares tensos e evocativos. Há momentos de duelo entre o piano e a orquestra, nessa parte eles estão em conflito. Até que, aos 7m46s surge o Primeiro Tema, orgulhoso, na orquestra - esse tema sempre foi dela. Ele também é devidamente desenvolvido até um extraordinário diminuendo (8m23s), quando ela o entrega ao piano. Agora, o piano passa novamente a dialogar de maneira educada com a orquestra. No auge do desenvolvimento, o compositor solta sua criatividade - a de Dvořák era infinita - e, às vezes, tudo o que ouvimos de familiar é um fim de frase, ou início. O discurso musical, se a música "esquenta" ou "esfria", isso é o que dá o tom da composição aqui. Recapitulação Aos 10m51 tem início a recapitulação. Os temas serão exibidos de novo, teoricamente na sua forma original ou próximo dela, mas não aqui. Começamos com o Primeiro Tema, tocado pela orquestra de maneira bem mais assertiva. Aos 11m20s o piano nos dá o Segundo Tema, também alterado e desprovido de suas alusões pastoris. Aos 13m17s o Terceiro Tema aparece no piano, gerando várias consequências com a orquestra, logo depois. Aos 15m17s a orquestra prepara para a cadência. Esta começa aos 15m33s. A cadência pode não ser prodigiosa na sua escrita para piano, mas certamente é de muita invenção e criatividade. Tem um trecho em que o piano vai fazendo o mesmo motivo, mas os acordes vão se movendo, como um lagarto. Enfim, é escrita com muita musicalidade e a reentrada da orquestra é sutil. Coda Os sopros vão entrando aos poucos: primeiro fagotes e trompa (14m57s), depois clarinetes e oboé, realizando um motivo saltitante, uma nota curta, outra longa. Esse motivo tem repercussões importantes (17m06s), se metamorfoseando para arrebanhar a tensão para o final da música. O final em si tem um a escrita orquestral e pianística brilhante, terminando o primeiro movimento de forma apropriada. 2º Movimento - Andante sostenuto (18m27s) O 2º movimento é uma linda cantilena, que tem seu Primeiro Tema declamado logo no início, pela trompa e repetido pelo piano (19m). Os violinos, em surdina, fazem frazeados de continuidade. Seguem-se várias frases de inegável beleza. Ouvimos o que se pode chamar de Segundo Tema aos 20m09s, repetido pelo fagote aos 20m29s, com um sutil acompanhamento do piano e das flautas. A frase também vai se desalinhando, ganhando proporções novas em suas aparições no piano, no clarinete e na flauta. Até que volta o Primeiro Tema, dessa vez no piano (21m42s). E perceba que o compositor não nos deixa esquecer a sonoridade da trompa, com notas longas. Um novo súbito forte do piano nos traz a uma nova seção (22m15s), que em alguns momentos chega a ser lépida, no meio desse movimento lento e melancólico. Isso desemboca no atestamento, por um solitário fagote, do Segundo Tema (24m01s). Então um coro de trompas e fagotes faz retornar o Primeiro Tema (24m14s). Os clarinetes o repetem (24m36s) com contracantos dos fagotes e pizzicatos das cordas. Ocorrem, ainda, algumas aparições desse tema e o movimento se encerra de forma criativa. III. Allegro con fuoco (27m20s) O finale é um rondó, que é uma forma em que uma parte se alterna com outras em sucessão: A-B-A-C-A-D-A etc. O piano inicia, sem acompanhamento, mesmo da outra mão, com uma melodia bastante rítmica, com três notinhas marteladas. É o Primeiro Tema do movimento. A mão direita entra em cânon (você jura que vai sair uma fuga). A partir de então, começa a acumular tensão (27m31s) para a entrada da orquestra, em fortíssimo e legato, apresentando o mesmo tema. O caráter rítmico do movimento nos faz pensar na música folclórica tcheca. E, na realidade, é no último movimento que os compositores costumam enxertar ritmos de sua pátria mãe. Aos 27m58s aparece, no piano, o Segundo Tema importante desse movimento, que também é dançante. Outra coisa muito importante aqui são as três notas marteladas, tocadas em rápida sucessão. Observe como elas servem para fechar frases, para encerrar seções e para ligar uma ideia a outra. Por exemplo: partes A e B são diferentes, mas têm essas notas em comum. Isso garante unidade à música. Aos 29m02s surge o Terceiro Tema, de índole mais contemplativa e calma, fazendo um contraste com os outros dois. É repetido imediatamente nas cordas (29m17s). Aos 29m32s vemos uma repercussão desse tema, como se o piano já o fosse desenvolver. Até que, aos 30m25s, a orquestra ataca com uma frase do Segundo Tema, desfigurada, apressada. Aos 30m50s o oboé nos traz o Primeiro Tema. As três notas marteladas continuam a exercer seus múltiplos papéis, elas nunca nos abandonarão. Aos 31m12s temos o Segundo Tema, no piano, e aos 31m25s ele parece ser desenvolvido, para logo ser misturado ao Primeiro Tema. É o que eu chamo de Rondó capcioso, porque se formos ser estritos, teremos que chamá-lo de Rondó-Sonata. Ele desenvolve os temas, característica da Forma Sonata, e alterna os mesmos, característica da Forma Rondó. Observe, a partir de 34m04s, as três notas marteladas fazendo sua mágica - não no piano, mas na orquestra, como acompanhamento. Aos 34m45s quem volta é o Terceiro Tema, nas cordas. E ele carrega o movimento até o coda. O Coda (37m02s) é montado sobre as três notas marteladas e os três temas. Considerações finais E então? Sentiu falta de arpejos corajosos da mão esquerda? De oitavas? No final das contas, ficamos com uma música extremamente elegante e melódica. Verdade que não tem o brilho técnico do piano romântico, mas me parece que Dvořák estava com outro ideal em mente. Esse concerto é clássico, tem muito mais afinidade com um concerto de Mozart que com um de Brahms. Como se fosse um aceno do compositor ao século anterior. Se tentarmos compará-lo aos de Brahms (veja aqui o Primeiro e o Segundo), realmente ele se complica. Mas, se olharmos a orquestração (madeiras a dois, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos e cordas) veremos que ele não estava disposto a nos deleitar com sua orquestração fabulosa. Ele quis nos dar a chamada "sinfonia com piano solista" (só não gosto do termo). Não há nada de errado nisso. O Segundo Concerto de Liszt é dessa categoria, e é uma obra prima. Dvořák também nos deu uma obra prima. Gravações recomendadas - Sviatoslav Richter ao piano, com a Orquestra Estadual Bávara, regida por Carlos Kleiber - Essa gravação, de 1976 (portanto, um século depois da composição do concerto) faz o que era necessário: junta o incontestável talento ucraniano Richter com um dos maestros que inspiram mais devoção até hoje, Carlos Kleiber. E é uma das maiores gravações dos dois, mantendo-se de pé como uma das gravações de referência do concerto até hoje. É a minha favorita. - Andras Schiff ao piano, com a Filarmônica de Viena, regida por Christoph von Dohnányi - Uma gravação excelente e com sonoridade muito boa. É de 1988. Assim como a de Richter, usa a versão original da partitura. E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música Clássica Vamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Melhores Orquestras do Mundo: Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de Dvořák Músicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/Sgambati Músicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de Ravel Músicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-Lobos Músicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de Wagner Músicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 15 Sinfonias Injustiçadas - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Bach - Chaconne em Ré Menor - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina - Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos.

  • Debussy - Les Chansons de Bilitis - A mentira Invejável

    Les Chansons de Bilitis (Pierre Louÿs) Em 1894, o poeta francês Pierre Louÿs publicou uma coleção de poemas eróticos chamada As Canções de Bilitis. Segundo o poeta, ele apenas havia traduzido de manuscritos gregos encontrados em um túmulo no Chipre. Eram narrados por Bilitis, uma cortesã contemporânea de Sappho. À maneira de Sappho, os poemas eram eróticos, de teor lésbico e entusiasmaram até os maiores estudiosos. Ocorre que era uma farsa. Louÿs havia criado, ele mesmo, os poemas e os publicado como se fossem traduções. Como disse, até os mais cultos estudiosos da cultura grega caíram na mentira. O poeta havia emulado com habilidade a escrita clássica e tinha até dedicado uma seção do livro a uma fictícia biografia de Bilitis. Os 143 poemas em prosa tratavam da intimidade de Bilitis, de sua infância até a velhice. O trabalho, que ficou conhecido como uma pseudotradução, continha uma biografia de Bilitis, do arqueólogo fictício que havia descoberto os poemas e até uma seção não traduzida (em grego clássico). Embora fosse muito elaborado, com versos próprios de Louÿs e outros emprestados até mesmo dos escritos de Sappho, e com alusões a brincadeiras e costumes gregos antigos, a mentira não tardou a ser descoberta. Mas isso não afetou a popularidade do livro, e Louÿs, em vez de criticado, foi acolhido e celebrado pela sua engenhosidade. Les Chanson de Bilitis (Claude Debussy) Três anos depois, o compositor e amigo de Louÿs, Claude Debussy (1862-1918), musicou 3 dos poemas, para soprano e piano. Mas não é isso que nos interessa. Um pouco mais tarde, em 1900 ele compôs o trabalho que nos detém aqui. Fez uma espécie de música de cena para 12 dos poemas que ele chamou de Música Cênica para As Canções de Bilitis, ou simplesmente As Canções de Bilitis. Uma mulher lia os poemas e, entre um e outro, havia a música mágica de Debussy. A instrumentação era: duas flautas, duas harpas e celesta, além da narradora. A obra não foi e não é um sucesso, aparentemente tendo apenas uma apresentação na vida de Debussy. Hoje mesmo a peça é pouco conhecida. Posteriormente, em 1914, ele aproveitou a música para compor as Seis Epígrafes Antigas, para piano, estas, celebradas e tocadas até hoje. A peça de que tratamos aqui é a Música Cênica para as Canções de Bilitis, que passaremos a chamar de Canções de Bilitis. Quando eu tinha uns 14 anos ganhei um CD do The Nash Ensemble com música de câmera de Debussy. Fiquei apaionado, porque foi por onde eu descobri sua música. A última obra era exatamente uma interpretação das Canções de Bilitis. Eu não entendia francês muito bem, apenas o suficiente para me encantar. Chant Pastoral Il faut chanter un chant pastoral, invoquer Pan, dieu du vent d'été. Je garde mon troupeau et Sélénis le sien, à l'ombre ronde d'un olivier qui tremble. Sélénis est couchée sur le pré. Elle se lève et court, ou cherche des cigales, ou cueille des fleurs avec des herbes, ou lave son visage dans l'eau fraîche du ruisseau. Moi, j'arrache la laine au dos blond des moutons pour en garnir ma quenouille, et je file. Les heures sont lentes. Un aigle passe dans le ciel. L'ombre tourne: changeons de place la corbeille de figues et la jarre de lait. Il faut chanter un chant pastoral, invoquer Pan, dieu du vent d'été. Canto pastoril (tradução livre) Devemos cantar um a canção pastoril; invocar Pan, o deus do vento verão. Guardo o meu rebanho e Selénis, o seu, à sombra redonda de uma oliveira que estremece. Selénis está deitada no prado. Levanta-se e corre, ou procura cigarras, ou colhe flores com ervas, ou passa a água fresca do ribeiro pelo rosto. Eu, eu arranco lã do dorso branco dos carneiros para prover a minha roca, e fio. As horas são lentas. Uma águia passa pelo céu. A sombra gira: mudemos de lugar o cesto das flores e o jarro de leite. Devemos cantar um a canção pastoril; invocar Pan, o deus do vento verão. A obra Os poemas são, como você viu acima, bem sutis e se fazem de cotidianos. São finamente elaborados. A música que Debussy proveu é simplesmente maravilhosa, constando, às vezes, simplesmente de climas com melodias vagas. A execução dura pouco mais de meia hora. Gravações recomandadas As que eu recomendo são justamente as duas que conheço, ambas muito boas. Aliás, os discos que as contém são fabulosos: - Ensemble Wien-Berlin, narrado por Catherine Deneuve. - The Nash Ensemble, narrado por Delphine Seyrig. E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes, quadro que ficará sendo eternamente atualizado. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música Clássica Vamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Melhores Orquestras do Mundo: Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de Dvořák Músicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/Sgambati Músicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de Ravel Músicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-Lobos Músicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de Wagner Músicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina - Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? Parte 3 - Curiosidades Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense. Papo de Arara (Entrevistas) Hermes Veras, poeta e antropólogo Liduino Pitombeira, compositor cearense Leonardo Drummond, da Kuba Áudio Luiz Cláudio Ramos, músico (violonista e arranjador) Verônica Oliveira, faxineira hipster Daniel Pirraça, designer de jogos Yandra Lobo Júlio Holanda Gidalti Jr., quadrinhista Emmanuele Baldini, violinista e regente E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos.

  • Brahms - Sinfonia Nº 2 - Análise

    Uma vez que tinha vencido o enorme desafio de compor sua Primeira Sinfonia, finalizada em 1876, e tirado um gigantesco peso das costas, Johannes Brahms se sentia leve e, principalmente seguro. Sua próxima sinfonia não precisava ser mais tão estudada nos mínimos detalhes para causar o tipo de impacto de que ele precisara. Em outras palavras, ele agora podia ser espontâneo, sabia que, da sua segunda sinfonia, se esperaria uma obra genial, mas não precisava ser um trovão. Em vez disso ele compôs uma sinfonia quase pastoral, que fala de sossego e felicidade. (Embora Brahms tenha famosamente dito que era a peça mais triste que ele já tinha composto, isso porque era nostálgica, e nostalgia pode agradar ou pode doer.) No verão de 1877, em uma visita a Pörtschach am Wörthersee, um recanto pra lá de belo na Áustria, ele compôs a Segunda. Nessa idade ele tinha estabelecido um ritual de trabalho. Faria concertos no inverno e, no verão, se tocaria para algum balneário para ficar perto da natureza e compor. Sobre este resort em particular ele dizia que "as melodias eram tão abundantes que se tinha que tomar cuidado para não pisá-las". Ele ficaria lá até 1879 e comporia seu importantíssimo Concerto para Violino, Op. 77 e muitas outras coisas. A Sinfonia A Segunda Sinfonia, em Ré Maior, Op. 73 é composta para: 2 Flautas 2 Oboés 2 Clarinetes 2 Fagotes 4 Trompas 2 Trompetes 3 Trombones 1 Tuba Tímpanos Violinos I Violinos II Violas Violoncelos Contrabaixos É a típica orquestra proto-romântica, ainda que um tanto conservadora. Ela tem 4 movimentos e dura cerca de 40 a 50 minutos, sendo uma obra longa. Abaixo, temos a nossa habitual e sempre impecável hr-Sinfonieorchester (Sinfônica da Rádio de Frankfurt), regida pelo colombiano Andrés Orozco-Estrada. 1º Movimento - Allegro non troppo (21s) O primeiro movimento já começa apresentando o Tema A, primeiro nos violoncelos, continuando nas trompas e, logo, nas flautas. Aos 2m33s o Tema B aparece, em terças, nas violas e violoncelos. É o chamado tema Lullaby, ou canção de ninar. Aos 4m01s aparece uma transição que ele vai usar muito no movimento. Aos 4m30s aparece o Tema B nas cordas e, sobre ele, arabescos da flauta. Por volta dos 5m a orquestra se prepara para a repetição, que começa aos 5m20s. Tudo é repetido, como era de praxe. O desenvolvimento começa aos 6m17s, com a trompa já trabalhando o Tema A e ele já sendo desenvolvido pelo oboé. Repare na escrita contrapontística para cordas (10m50s) sobre a segunda frase do Tema A. Aos 11m18s temos uma insinuação dos trombones que também vai ter consequências. É um caso que prova a habilidade de Brahms em orquestrar, pois a escrita coral dos trombones é perfeita. O ponto culinante do movimento é aos 13m. Aos 13m17s temos a recapitulação. O Tema A é exposto nos oboés, e depois nas cordas agudas. Ele parece se perder (14m20s), mas o chamado dos trombones faz a orquestra cair no Tema B (14m38s). Tudo é orquestrado com um misto de brilho e discrição. Na verdade, vai depender do maestro, isso soar brilhante ou comedido. Aos 16m35s vemos o Tema B em tom maior nas flautas e oboés. O coda começa depois de uma divagação na trompa (17m28s) e de lembranças do Tema A nas cordas. Começa exatamente com as madeiras, aos 18m57s, com as cordas em pizzicato. Aos 19m19s temos um momento maravilhoso em que as madeiras se alternam fazendo as três primeiras notas do tema para concluir o movimento. Os trompetes entram com a resposta (19m24s) e tudo vai se concluindo com calma. 2º Movimento - Adagio non troppo (20m19s) O segundo movimento todo é quase tomado por essa linda cantilena dos violoncelos, em que consiste o Tema A. Ele é repetido pelos violinos e flautas (21m25s). A trompa anuncia o Tema B (21m51s). Ele é repetido nos oboés, nas flautas e nos contrabaixos. E se transforma, mais uma vez nas mãos das cordas (22m38s), numa bela melodia. Após um breve desenvolvimento, o Tema A começa a dar as caras (25m23s). Ameaça de novo aos 25m53s, no oboé. Até que volta aos 26m29s, mas não plenamente, e sim com a contra melodia dos fagotes. As cordas fazem uma espécie de variação. Repare na bela modulação aos 26m59s. Jogada de mestre. Depois temos ainda alguns conflitos e a música resolve em paz. 3º Movimento - Andante grazioso (quasi andantino) (30m20s) O terceiro movimento é um minueto. Jocoso e inocente, é o mais curto da obra. Já abre com o Tema A no oboé. Repete aos 31m04s. Tem algumas explosões da orquestra, mas no geral é bem tranquilo e bonito. 4º Movimento - Allegro con spirito (35m14s) O quarto movimento começa quase sem interrupção com as cordas em piano (sotto voce). Aos 35m41s a orquestra explode. Trata-se de uma das músicas mais festivas de Brahms. Confesso que não me atrai como o resto da obra. Mas tem vários momentos de charme. É em forma sonata. Considerações finais A sinfonia foi estreada em 30 de dezembro de 1877, com a Filarmônica de Viena regida por Hans Richter. Foi um sucesso retumbante. De todas as 4 Sinfonias que viria a compor, esta é sua favorita. Também é a de que eu gosto mais, mas talvez por motivos nostálgicos. Eu, adolescente, tinha planos de escutá-la sozinho em alguma alta colina em Machu Picchu, numa fria noite, que deve ser uma experiência transcendente. Gravações importantes - Cláudio Abbado, com a Filarmônica de Berlim - Trata-se de uma gravação não muito conhecida de Abbado, muito tempo antes de ser titular da orquestra. Quando se tornou o regente da Filarmônica ele regravou tudo e são essas versões que escutamos até hoje. Mas essa aqui, de 1971, é especial. Nem sei se é especial só porque é a que está gravada na minha memória, mas nunca achei outra que se comparasse a ela em lirismo. Mas você infelizmente não a encontra no Spotify. - Eugen Jochum, com a Filarmônica de Londres - Jochum gravou as sinfonias 2 vezes: com a Filarmônica de Berlim e com a Filarmônica de Londres. As duas são de tirar o fôlego. Mas eu escolho o remake londrino, de 1977, porque o som estéreo é bem melhor. Você vai encontrar no segundo disco da coletânea abaixo: https://open.spotify.com/album/2mv6PrblJaI2FfdYUFWyFX?si=12nrHj-eT-GftDj_afvZ3g - Daniel Barenboim, regendo a Staatskapelle de Berlim - Essa gravação é recente, e a orquestra está ótima. Baremboim a faz tocar com uma tranquilidade que é comovente. As curvas não são tão sinuosas (isto é, ela nunca passa do piano (fraco) para o forte de uma vez), e, por isso mesmo, tem uma unidade, um som próprio. Muito agradável. É de 2018. - Marin Alsop, regendo a Filarmônica de Londres - A americana Alsop, que foi regente da OSESP, gravou as 4 sinfonias com a Filarmônica de Londres. São gravações excepcionais. Alsop é uma das primeiras mulheres a se destacar no pódio, foi a primeira a ocupar o cargo de regente titular de uma orquestra grande americana, abrindo espaço para outras como Nathalie Stutzmann e Susanna Mälkki. Essa gravação, de 2005, é completamente acertada, nos mínimos detalhes, e a orquestra está perfeita. - David Zinman, regendo a Tonhalle Orchestra, de Zurique - Zinman usa uma orquestra reduzida (menos instrumentos de cordas do que a maioria das gravações que vemos aqui, o que se aproxima mais do que Brahms deve ter ouvido em sua época) e algumas técnicas de interpretação histórica, como vibratos comedidos e dinâmicas conservadoras. Por isso mesmo, é uma gravação ímpar, limpíssima e agradável. É de 2012. - Mariss Jansons, regendo a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdã - Outra gravação de 2005. Jansons tira um som incrível das madeiras, metais e cordas da Concertgebouw. Uma das gravações mais expressivas.

  • Bach - Chaconne em Ré menor - A Maior Dimensão do Raciocínio Humano

    É impossível falar da Chaconne em Ré Menor da Partita para Violino Solo Nº 2, BWV 1004, de Johann Sebastian Bach, sem ser passional. E sem ser pessoal. É uma peça de 14 minutos para violino solo, pertencente a uma suíte com quatro outros movimentos menores, mas que é muito tocada destacada da suíte. É um verdadeiro milagre musical, uma jornada existencial sobre a qual já foram escritos muitos artigos acadêmicos e ensaios. Agora, você pode ler tudo sobre ela mas nenhum ser humano deveria passar a vida sem escutá-la com atenção ao menos uma vez. Já foi transposta para a mão esquerda do piano (Johannes Brahms), para as duas mãos do piano (Ferrucio Busoni), para violão (incontáveis transcrições), para cravo, órgão, acordeon e até orquestra sinfônica moderna. Por que ela não é uma mídia. Aliás, também é. É uma façanha que a peça se encaixe tão bem na escrita para violino, mas também se preste a outros instrumentos sem perder grandeza. A obra Primeiramente vou falar da versão para violino solo, que é a original, escrita por Bach. É de cerca de 1717 a 1720. Nesse período, Bach morava em Köthen, tendo sido contratado como Kapelmeister (uma espécie de diretor musical) da orquestra da corte do príncipe Leopold, de Anhalt-Köthen. O prícipe era músico e Calvinista, doutrina que não usava música elaborada demais nos cultos. Por conta disso, a maior parte do trabalho de Bach nesse período era secular e ele pôde se dedicar à escrita instrumental - na maioria dos outros postos que ocuparia, trabalhava com corais e solistas, compondo missas e oratórios. Não se sabe o que levou o compositor a compor exatamente essa Partita, ou as Suítes para Violoncelo, tão conhecidas, do mesmo período. Possivelmente para ajudar no seu próprio domínio dos instrumentos. Ou pelo menos da escrita desses instrumentos. E, de fato, as peças que compôs para violino solo e para violoncelo solo são tão importantes que não há músico que não as incorpore ao repertório. Bach é uma coisa muito engraçada. Qualquer músico erudito tem que aprender suas peças, mas depois vem a adolescência, em que o músico parte para coisas de escrita mais chamativa. No final da vida, o músico se volta novamente ao compositor. Poucos músicos gravaram a Chaconne na juventude, porque é arriscado, vão dizer que você é muito jovem e não tem como compreender a dimensão de uma música tão titânica. Veja lá. É uma música que, mesmo que você toque desde os sete anos de idade, só vai gravar e tocar em público muito mais tarde. Para não correr o risco de profanar uma obra que nem sacra era. O que é Chaconne? O termo Chaconne, ou Ciaccona, no italiano, como Bach escreveu na partitura (Chacona, em português), refere-se a uma forma. Aproveito para descrever um pouco sobre duas formas meio gêmeas que sempre geram uma fascinação quase mística: a passacaglia e a chacona. São formas derivadas do Tema com Variações. Ou seja, são elaborações sucessivas sobre uma ideia só. No caso do Tema com Variações em si, essas elaborações, ou variações, são todas inspiradas no Tema (daí o nome). Tem-se literalmente uma musiquinha base, que às vezes nem era do compositor em questão, que fazia variações sobre ela. Era uma forma muito singular e segura de demostrar domínio sobre a própria criatividade musical. A Chacona e a Passacaglia são semelhantes, mas com uma diferença. Não há exatamente um tema sobre o qual o compositor vai trabalhar. Ele trabalha sobre uma sequência de acordes ou de baixos. Leia um pouco sobre a Passacaglia no nosso artigo sobre a 4ª Sinfonia de Brahms, cujo último movimento é nesse formato. Então, primeiramente a música apresenta uma série de acordes, ou apenas o baixo deles, e depois, sucessivamente, o compositor vai criando elaborações em cima destes. No caso da Chaconne em Ré Menor, é uma sequência harmônica, ou seja, são acordes. O violino os apresenta de maneira quase vazia nos primeiros quatro compassos (embora haja uma melodia imlícita) e já começa a fazer suas variações. Basicamente, são 64 frases diferentes, nas quais ele sempre segue os mesmos acordes. Mas perceba que, por se tratar de uma escrita para violino solo, um instrumento basicamente melódico, Bach pode suprimir o baixo desses acordes. Mas a harmonia sempre fica subentendida. É aí que entra o seu conhecimento da linguagem e das peculiaridades de escrita do violino. Quando a melodia que ele quer apresentar se distancia muito dos acordes iniciais, o compositor se preocupa sempre em nos situar, colocar ordem. Das mais diversas maneiras: ele usa acordes de três ou quatro notas tocados em anacruze (um pouco antes do tempo principal), usa cordas soltas (lembrando que o violino tem o Ré solto, um Lá solto, que é a dominante; e um Sol como a corda mais grave, podendo ser usado como subdominante ou nos deixando sempre um Lá grave à mão ali pertinho) ou, quando a coisa está muito complexa, ele dá um jeito de encaixar uma nota em uma corda vizinha que nos conceda a harmonia. Ele nunca trapaceia. Ok, mas até aqui temos uma música que exige domínio da escrita para o instrumento e criatividade para criar frases interessantes. Nada que não se já tivesse feito anteriormente. Mas o negócio da Chaconne em Ré Menor é que ela é monumental. Tem 14 minutos e uma hierarquia, uma ordem, uma narrativa (se você não gosta dessa palavra, me perdoe, mas ela é muito importante na música). Isso, Bach vai na sua alma e dá um nó, como diria Manuel Bandeira. Cada audição da música é uma viagem pela eternidade e pela profundeza da alma. E olha que interessante: não da alma de Bach, mas da sua. Você se encontra naquela música toda vez que escuta. E se descobre. E nunca uma música foi tão poderosa. Sem falar de Deus, Bach atinge, às vezes, profundezas maiores do que qualquer palavra possa transmitir. É o poder da música. É por isso que eu não vou fazer uma análise estrutural da peça (ao menos não dessa vez). Não é o mais relevante. O mais importante e a jornada individual que cada ser humano tem com ela e a relação que cria com a peça (mesmo que não seja músico). Seu poder é tão forte que mesmo quem não toca violino dá um jeito de tocá-la. Já vi baixistas tocando, completinha. As transcrições Fizemos uma playlist no Spotify para você se embebedar da Chaconne. Colocamos várias gravações dos mais importantes violinistas modernos (Jacha Heifetz, Itzak Perlman, Hilary Hahn etc.), dos violinistas que usam HIP (a interpretação historicamente informada) (Monica Huggett) (aliás, sugiro que você se desprenda dessa ideia de querer saber como era tocada à época de Bach, algumas das melhores performances são quase românticas), a excelente interpretação do nosso mais recente entrevistado, o violinista Emmanuele Baldini, de pianistas (Arturo Benedetti Michelangeli, Hélène Grimaud, Evgeny Kissin), da mão esquerda do piano (Igor Levitt e Daniil Trifonov) de órgão, cravo, violão e orquestra. As mais importantes destas transcrições são as para piano (são duas, uma de Brahms para a mão esquerda e uma de Busoni para as duas mãos) e para violão (especialmente a de Andrés Segovia, mas basicamente cada violonista faz a sua). Porque a Chaconne cabe no violão como uma luva. Ela está no repertório dos violonistas tanto quanto dos violinistas. As outras também são válidas, são muito mais que curiosidades. A orquestração de Hideo Saito, que soa como música romântica, tem seu próprio charme e, embora mais apelativa, afinal é uma orquestra, não perde nem um pouco de profundidade. A de Leopold Stokowski é ainda mais espetaculosa, mas também é interessante. Tem também as mais exóticas: violoncelo (arranjo de Johann Sebastian Paetsch) e acordeon (Ivano Battiston) e até uma para violino solo e orquestra (J. Milone). Se tratada com responsabilidade e carinho, a Chaconne cabe em todas essas versões, tendo em cada uma, mais e mais mistérios. As gravações recomendadas são as que estão na playlist. Eu não canso de escutar nenhuma. https://open.spotify.com/playlist/13XKqmoZJOrZWxdoz1D6TP?si=1e4b5ac71c00497b E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias. Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos. Algumas postagens importantes. Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia. Um "pequeno" Glossário de termos musicais. Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica Veja aqui: Como Ouvir Música Clássica Vamos Entender a Orquestra Sinfônica Música Clássica é Elitista? Preconceito Contra Música Clássica O Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) César Franck, o Aluno dos seus Alunos Rachmaninoff ou Rachmaninov? Como se pronuncia e escreve? Música Calada, A Arte de Federico Mompou As Melhores Orquestras do Mundo: Vol. 1 - Filarmônica de Berlim Vol. 2 - Orquestra do Concertgebouw, Amsterdã Vol. 3 - Filarmônica de Viena Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info). Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949. Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021. Veja também: Músicas Fofinhas 1 - Humoreske, de Dvořák Músicas Fofinhas 2 - Melodia de Orfeu, de Gluck/Sgambati Músicas Fofinhas 3 - Pavane pour une Infante Défunte, de Ravel Músicas Fofinhas 4 - Caixinha de Música Quebrada, de Villa-Lobos Músicas Fofinhas 5 - Fantasia Tallis, de Vaughan Williams Músicas Fofinhas 6 - Abertura Tannhäuser, de Wagner Músicas Fofinhas 7 - Rêverie, de Debussy E veja nossas famosas listas: - As Maiores e Mais Belas Sinfonias Já Escritas - Top 10 Maiores Pianistas do Brasil - Top 10 Sinfonias Imprescindíveis - Outro Top 10 Sinfonias a se Conhecer - Top + 10 Sinfonias para Escutar Sem Erro - Top 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top + 10 Obras Sinfônicas Extra Categoria - Top 10 Sonatas que Você tem que Conhecer - Top 10 Concertos Para Violono - Top 10 Concertos para Piano - 10 Discos para Entender Beethoven - 10 Discos para Entender Mozart - 10 Discos para Entender Villa-Lobos - Top 10 Música Clássica de Terror - Top 10 Maiores Orquestras Sinfônicas dos EUA - As 20 Maiores Orquestras do Mundo - Alguns dos Maestros Mais Importantes do Século XX - Top 10 Gravações do 1º Concerto para Piano de Brahms - Top 10 Gravações do 2º Concerto para Piano de Brahms Música Popular Brasileira: Top 10 Discos de Chico Buarque Top 10 Discos de Tom Jobim Top 10 Discos de João Gilberto Top 10 Discos de Edu Lobo Top 10 Discos dos Beatles 7 Discos Fora da Caixinha + 7 Discos Fora da Caixinha ++ 7 Discos Fora da Caixinha E análises de obras - Mozart e seus milagres - Réquiem - Mozart e seus milagres - Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra - Brahms - Sinfonia Nº 1 - Brahms - Sinfonia Nº 2 - Brahms - Sinfonia Nº 3 - Brahms - Sinfonia Nº 4 - Brahms - Concerto para Piano Nº 1 - Brahms - Concerto para Piano Nº 2 - Britten - Guia da Orquestra para Jovens - Elgar - Variações Enigma - Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta - Hekel Tavares - Concerto para Piano em Formas Brasileiras nº 2 - Chopin - Os Estudos - Chopin - As Baladas - Chopin - Os Prelúdios - Beethoven - Sinfonia Nº 3 "Eroica" - Beethoven - Sinfonia Nº 5 - Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral" - Beethoven - "Sinfonia Nº 10" (Completada por Inteligência Artificial) - Beethoven - O Concerto para Violino - Beethoven - Os Concertos para Piano - Berlioz - Sinfonia Fantástica - Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Dvorák - Sinfonia Nº 7 - Dvorák - Sinfonia Nº 8 - Dvorák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo" - Debussy - Prelúdio para a Tarde de um Fauno - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 1) - Debussy - Os Prelúdios para Piano (Livro 2) - Debussy - Les Chansons de Bilitis - Dukas - La Péri - Dukas - O Aprendiz de Feiticeiro - Holst - Os Planetas - Honegger - Sinfonia Nº 2 - Mendelssohn - As Hébridas (A Gruta de Fingal) - Mussorgsky - Quadros de Uma Exposição - Penderecki - Trenodia para as Vítimas de Hiroshima - Rachmaninoff - Concerto 1 - Rachmaninoff - Concerto 2 - Rachmaninoff - Concerto 3 - Rachmaninoff - Concerto 4 - Rachmaninoff - A Ilha dos Mortos - Ravel - Concerto para Piano em Sol - Ravel - La Valse - Ravel - Bolero - Ravel - Daphnis et Chloé (Suíte Nº 2) - Steve Reich - Música para Pedaços de Madeira - Richard Strauss - Sinfonia Alpina - Schubert - Quarteto Nº 14 "A Morte e a Donzela" - Schumann - Estudos Sinfônicos - Stravinsky - A Sagração da Primavera - Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 Compreendendo o Maestro: Parte 1 - História Parte 2 - Pra Que Serve? 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