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  • Como são lindos os Gulags (Caravanas, de Chico Buarque)

    A humanidade sempre olhou para o futuro com um desses dois sentimentos: inveja das inovações que haveriam de vir ou desprezo pelas promessas da juventude. É de encruzilhadas que a história da humanidade é composta. E estamos diante de mais uma. É como se estivéssemos prestes a levar um tombo. Um grande vacilo universal. Pênalti! Lembro das primeiras aulas do colégio, o destino da Terra era certo: a água do mundo vai acabar, o mico-leão-dourado vai ser extinto, as calotas polares vão derreter... Ainda não aconteceu, mas a ameaça persiste. Estamos prestes a... a quê? Falando assim parece que eu vou começar um ensaio antropológico. Não. Vou falar de uma coisa bem simples, mas que também nos remete à questão “aonde estamos indo?”. Chico Buarque. Poeta ou farsante? Vai pra Cuba ou pra Paris? O velho Francisco ou o coroa antenado? Esquerda ou direita? A grande encruzilhada passa pela identidade de cada povo. E a cultura é a manifestação maior dessa identidade. Gostar ou não do Chico deixou de ser uma questão de avaliação artística. Virou um posicionamento moral. A simples menção de seu nome pode gerar um franzir de testa ou um sorriso amistoso. Época peculiar. Não vou defender o posicionamento político dele. Tampouco criticar. Mas vou defender seus admiradores. Digo, primeiramente, que quem gosta do Chico, da sua poesia e até das suas ideias não é - necessariamente - um comunista genocida. Você acha mesmo que quem tem uma inclinação política de esquerda achou lindos os gulags e os paredóns? E que os de direita são todos sádicos, que acham que o pobre deve permanecer pobre? Que um cristão concorda, servil, com a inquisição? Tão ridículo quanto pensar isso é desmerecer a obra de um artista pelas suas convicções pessoais. Na verdade, se formos analisar a importância histórica de algumas figuras, seu próprio caráter é por vezes irrelevante. O fato de Wagner ter sido antissemita ou de von Karajan ter se filiado ao partido nazista pouco diz sobre seus legados artísticos. Picasso, ah o Picasso! Duas de suas mulheres enlouqueceram e duas se mataram. Devia ser um “ser humaninho” difícil. E nós, se acharmos a Guernica fascinante, automaticamente aprovamos o abuso familiar? Tudo bem que, no caso do Chico, ele está vivo e coloca nas letras suas ideias de mundo. Mas pare para ver como é lindo o mundo do Chico. Não tem paredóns nem gulags. Nem fogueiras. Tem um deus que arrancou as próprias tripas pra fazer a primeira lira e criar música. Seu mais recente disco, “Caravanas”, é magistral, em uma análise técnica. Tem só 9 canções, sendo 2 regravações, mas ele conseguiu, com 7 inéditas, dizer que se renova a cada álbum. Nesse sentido, é mais novo, atual e antenado que muitos de nós. A primeira faixa, “Tua Cantiga”, parceria com Cristóvão Bastos, tem um eu-lírico que, se não é machista, como muitos tentaram apontar, também não é um grande pai de família. Tá: o que um artista escreve reflete um pouco o que ele é. Tudo bem. Então Chico é como esse canalha, que larga mulher e filhos pra seguir a musa? Aí é que está a questão. A letra não fala sobre o Chico. A letra é o Chico. Um compositor que tem coragem de, no mundo do politicamente correto, colocar como protagonista da sua música de trabalho um vilão. Correndo o risco de ser confundido com ele! E aí ele diz “paratodos”: eu sou o passado, mas ainda posso apontar o futuro. Pois há de chegar o dia em que o Brasil vai entender que o poeta é livre. Deve ser julgado pela qualidade do seu trabalho. Lembram de quando um compositor passava horas escolhendo o melhor acorde? A melhor modulação? A melhor palavra? Isso ainda existe, ainda é possível. Foi o Chico que me contou. Não creio, porém, que a gente deva tomar esse disco como um manifesto ou como uma revanche pessoal de Chico. Esse disco não é contra ninguém. É a favor de várias coisas. Dentre elas, e principalmente, pra mim, a música brasileira. E isso não é pouco.

  • Trenodia para as vítimas de hiroshima: um grito congelado no clarão da bomba

    Em 1960, o compositor polonês Krzisztof Penderecki assombrou a todos com uma composição especial. A Trenodia para as Vítimas de Hiroshima (Threnody for/to the Victims of Hiroshima). A peça, assombrosa, não é nada convencional, mesmo para a época, quando a música se tornava cada vez mais experimental. Ela o alçou à fama mundial. Tenho um amigo muito querido, o Alencar, que conta que, quando trabalhava na Rádio Universitária, deparou-se com um disco com essa obra. Na capa do LP, tinha escrito "disco com defeito". O disco estava perfeito! Em vez de tentar descrever toda a ação que vitimou milhares, ele foca num momento e o dilata. Todos os japoneses gritam ao mesmo tempo. Na peça, esse momento é congelado, e esticado a ponto de ser perturbador. Sabemos que depois que a bomba de Hiroshima explodiu, entre o clarão e o momento em que os cidadãos foram atingidos, não se passaram os 8 minutos, como na obra: foi uma fração de segundo. É como se o compositor desse um zoom nesse momento e nos fizesse ouvi-lo ampliado e arrastado, com toda a sua confusão e desespero. Penderecki usa uma técnica polonesa chamada Sonorismo, que explora novas sonoridades nos instrumentos (no caso, 52 cordas), bem como novas formas de articulação, timbre, dinâmica e movimento. Faz uso também de clusters, acordes compostos por notas bem próximas, vizinhas. Tudo isso cria uma textura bizarra e altamente expressiva. Claro que a obra não fala só da explosão: tem corpos caindo, motores passando, sirenes soando... Até que vai morrendo. Trenodia, ou Elegia, é uma peça composta para celebrar a morte de uma ou, no caso, várias pessoas. A peça chocou o mundo, com sua visão crua e seca da tragédia. Vejam bem, ele podia escrever uma peça como o Adagio para Cordas, de Samuel Barber. Uma música sentimental e bonita, que parece falar do trágico, também. Mas ele opta pelo grotesco. E acaba tendo um efeito devastador na nossa psiquê. Eu comparo o efeito a uma situação em que a fotografia fala mais que um filme. O momento congelado, mais que uma narrativa linear. Krzisztof Penderecki faleceu em 20 de março desse 2020, aos 86 anos, em Cracóvia. Foi um compositor extremamente bem sucedido, tendo, nos anos 70, dado uma guinada de estilo: largou a vanguarda e veio fazer música tonal pós-romântica. A Trenodia foi usada como parte da trilha sonora de filmes como: Filhos da Esperança, de Alfonso Cuarón; As Criaturas Atrás das Paredes, de Wes Craven; e Odisseia para Além do Sol, de Robert Parrish. O compositor ganhou 4 Prêmios Grammy. Krzisztof Penderecki

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A Arara Neon é um blog sobre artes, ideias, música clássica e muito mais. De Fortaleza, Ceará, Brasil.

2024

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