Por Rafael Torres
Hoje resolvi introduzir uma nova forma de tentar ser solícito em vossa apreciação musical. Não vai funcionar com obras grandes, mas Poemas Sinfônicos, Aberturas e peças individuais para Piano são ideais.
Não vou abrir mão de falar sobre a biografia do compositor e de entregar uma pequena contextualização histórica. Mas vocês vão ficar bem.
Vai funcionar assim: a postagem vai se parecer com qualquer outra de Análise, vou tentar deixar as coisas claras (do meu jeito estranho) e apresentar compositor, obra (em vídeo) e até gravações recomendadas, no fim. A diferença vai ser a análise em si. Em vez de uma análise detalhada, com diversos parágrafos, vou fazer apenas algumas observações, por vezes indicando a minutagem, de coisas a que vocês devem observar.
Vamos começar?
Música Russa
Se você vem acompanhando a minha série sobre história da música, verá que na Idade Média, na Renascença e no Barroco os compositores russos são inexistentes. Simplesmente não havia tradição musical erudita na Rússia até o Romantismo (século XIX). Mas eis que, em 1804, nasce Mikhail Glinka, o primeiro compositor russo de real importância. Ele escreveu Óperas em língua russa (apontando o caminho para o nacionalismo em todo o mundo), música orquestral, música de câmara e música para piano. A título de contextualização, ele nasceu mais ou menos na mesma época de Hector Berlioz (França), Fanny Mendelssohn-Hensel (Alemanha), Felix Mendelssohn (Alemanha), Robert Schumann (Alemanha), Frédéric Chopin (Polônia), Franz Liszt (Hungria) e Richard Wagner (Alemanha).
E parece que um leque se abriu, porque a partir dos anos 1830 começou a aflorar uma talentosa geração de compositores que, anos depois, em 1956, formaria em São Petersburgo o famoso "Grupo dos Cinco": cinco compositores empenhados em criar um estilo de música clássica verdadeiramente russo, dando continuidade ao trabalho de Glinka. Eram eles: Mily Balakirev (o mentor); Cesar Cui (um militar); o nosso Modest Mussorgsky; o talentosíssimo Nilolai Rimsky-Korsakov e Alexander Borodin (o químico).
De todos, Balakirev e Rimsky-Korsakov foram os mais ativos e atingiram uma importância capital na vida musical do país. Sem contar que 4 dos 5 se tornariam professores ou influenciadores da brilhante geração de Anatoly Lyadov, Alexander Glazunov, Piotr Tchaikovsky, Sergei Rachmaninoff e até mesmo dos modernos Sergei Prokofiev, Igor Stravinsky e Dmitri Shostakovich.
O Grupo dos Cinco
Mily Balakirev - O líder do grupo, extremamente talentoso, embora carente de uma série de conhecimentos teórico. Deveria ser mais celebrado, hoje em dia;
Cesar Cui - O mais desconhecido, hoje e então. Compunha pouco e era militar de alta patente. Talvez fosse o mais desinteressado;
Nikolai Rimsky-Korsakov - Sem dúvida, o mais talentoso, aquele que era capaz de escrever qualquer coisa em música. É considerado o pai da maneira russa de orquestrar, mesmo sendo quase autodidata. Escreveu um importante tratado sobre orquestração (finalizado, após sua morte, pelo seu enteado, Maximilian Steinberg). Tem obras famosíssimas, com a Suíte Sinfônica "Sheherazade", a Suíte Cappricio Espagnol e a Abertura Festival da Páscoa Russa, o Poema Sinfônico "Dubinushka" e mais Sinfonias, Óperas e Concertos;
Alexander Borodin - Também muito talentoso, nos deixou uma obra não muito grande, mas admirável (suas duas Sinfonias são amplamente e merecidamente apreciadas, atualmente). Teve, sempre, que dividir a carreira de compositor com a de químico (em que era respeitadíssimo).
Modest Mussorgsky - Nosso assunto de hoje. Ironicamente, em alguns aspectos é o mais conhecido, tocado e gravado dos cinco. Ironicamente por que era, dentro do grupo, considerado o mais deficiente, musicalmente. Como o irmão mais novo de alguém. Mas sua fama desproporcional vem graças ao compositor francês Maurice Ravel, que se apaixonou por uma dificílima suíte para piano que ele escrevera, "Quadros de Uma Exposição" (e que Rimsky-Korsakov retocou), e a adaptou para orquestra. E o fez de modo tão perfeito que alçou a peça ao nível de patrimônio cultural e intimidou (mas não impediu) outros compositores de a orquestrarem.
Mas e Mussorgsky?
Bom, com Mussorgsky a questão é um pouco difícil. Nascido em Karevo, um pequeno vilarejo no noroeste do Império Russo, tinha muito talento musical, mas sua educação formal foi um tanto superficial. Cadete da Escola de Cadetes, mas jamais abandonando a música, conheceu Alexander Borodin, seu futuro colega no "Grupo dos Cinco", em alguma taberna em São Petersburgo. Mussorgsky tinha 17, Borodin, 22. A cumplicidade foi imediata, enobrecida pela paixão de ambos pela música.
Um pouco mais tarde, após trocar cartas com Mily Balakirev, foi ter com este. Balakirev imediatamente reconheceu tanto o talento quanto a completa defasagem teórica do rapaz, em certos aspectos. Balakirev fez o que pôde, pois, como costumava dizer, não era um teórico, mas pouco a pouco foi completando as lacunas do treinamento de Mussorgsky. Este, logo largou a Escola de Cadetes e passou a se dedicar inteiramente à música.
Em visita a Moscou, ficou cada vez mais convicto de que amava "tudo que fosse russo", sem perceber que a maioria de seus ídolos e modelos musicais eram de fora.
O trágico na vida de Mussorgsky veio na forma de um severo alcoolismo, que, eventualmente o levaria à morte. Tendo morrido cedo, aos 42 anos, não nos deixou uma obra expressiva: as Óperas "Khovanshchina" e Boris Godunov, os Quadros de uma Exposição, na versão para piano, e este poema sinfônico, Véspera de São João no Monte Calvo, ou, simplesmente, Noite no Monte Calvo (você vai encontrar no Spotify, Deezer, Apple Music e afins como Night on the Bare Mountain).
Última e importantíssima coisa. No Grupo dos Cinco, Balakirev era um pouco ditatorial. Ele não aceitou a versão inicial que Mussorgsky o apresentou e, embora este ainda tenha tentado fazer umas adaptações (incluindo uma com coro), a obra jamais foi executada durante sua vida. Apenas 5 anos após sua morte, Nikolai Rimsky-Korsakov aplicou sua extremamente colorida orquestração e publicou a peça - obviamente atribuindo-a a Modest Mussorgsky - e o sucesso foi imediato, desde sua estreia em São Petersburgo, em 1886.
A versão de Rimsky-Korsakov (vou colocar um vídeo no final) atenuou o quanto pôde os lampejos diabólicos e quase insanos da peça original. Tratou de maneira mais elegante a transição entre os Temas e alterou, também, de maneira drástica e descaracterizou o final da peça. A versão de Mussorgsky termina com sons demoníacos, dissonantes e incômodos. Rimsky-Korsakov, compositor mais experiente, sabendo que isso não iria agradar, fez uma espécie de final feliz, em que as bruxas e Satanás são expulsos pelo simples badalo de um sino de igreja, retornando às trevas de onde vieram.
Durante décadas, foi a versão de Rimsky-Korsakov que foi continuamente gravada e tocada mundo afora. Aliás, continua sendo. Mas nos últimos anos a versão original de Mussorgsky começou a ressurgir e cair no gosto do público.
Em 1940 Walt Disney, o maestro Leopold Stokowski e a Orquestra de Filadélfia lançaram o filme "Fantasia". Uma das peças era uma aterrorizante animação de Noite no Monte Calvo, em uma orquestração de Stokowski baseada na de Rimsky-Korsakov. Nesta versão, destinada ao público infantil, Stokowski tratou de terminar a música de maneira ainda mais suave que a de Rimsky-Korsakov: ele liga o final de Noite no Monte Calvo a uma famosa Ave Maria, de Franz Schubert.
Sendo a Arara subversiva e avessa a finais felizes artificiais, é da versão original de Modest Mussorgsky que iremos tratar!
A Obra
Compositor: Modest Petrovich Mussorgsky, Karevo, Império Russo, 1839-1881;
Nome: Véspera de São João no Monte Calvo;
Composta: Entre 1860 e 1867;
Estreia da versão de Rimsky-Korsakov: Outubro de 1886, em São Petersburgo, com a Orquestra dos Concertos Sinfônicos Russos, regida por Rimsky-Korsakov. No exterior, foi estreada em 1889 durante a Exposição Universal de Paris, com regência de Rimsky-Korsakov e uma orquestra, que ele considerou excelente, formada por músicos de Colônia.
Estreia da versão original de Mussorgsky: anos 1920, com a Sociedade Filarmônica de Leningrado sob a regência de Nikolay Malko e em Fevereiro de 1932, também por Malko, na Inglaterra;
Duração: Cerca de 12 minutos;
Tonalidade: Impossível de definir.
Véspera de São João no Monte Calvo, versão de 1867, do próprio punho de Modest Mussorgsky é um Poema Sinfônico pertencente ao que deveria ser uma série (de Poemas Sinfônicos) inspirada em poemas (literários) de Nikolai Gogol. A peça descreve um Sabá, uma reunião de bruxas, na véspera de São João.
Mussorgsky escreveu, em carta a seu amigo Vladimir Nikolsky:
"se eu me lembro bem, as bruxas se reuniam nessa montanha... ... ficam fofocando, fazendo joguinhos e esperando por seu chefe, Chernobog (Satanás)".
Aparentemente, quando o Satanás chega, ele senta em um trono em forma de bebê (!), enquanto elas fazem um círculo em torno dele e entoam cantos. Eventualmente, esses cantos o atiçam e ele declara iniciado o Sabá e escolhe para si as bruxas que mais lhe chamaram a atenção. A montanha em questão é a mística Lysá hora, que se vê abaixo e cujo nome significa exatamente montanha careca. Segundo a lenda, fica perto de Kiev. Mussorgsky continua, na carta, com uma lista:
Reunião das bruxas, suas conversas, suas fofocas;
A jornada de Chernobog (Satanás);
Louvores obscenos a Chernobog;
Sabá.
E lembrem-se, vocês irão encontrar a música sob os seguintes nomes:
Night on Bare Mountain;
Night on the Bare Mountain;
Night on Bald Mountain;
Night on the Bald Mountain.
A orquestra da versão de Mussorgsky é a que segue. A de Rimsky-Korsakov é muito parecida, mas retira as Cornetas, acrescenta uma Harpa e um Sino.
Madeiras: Flautim, 2 Flautas, 2 Oboés, 2 Clarinetes, 2 Fagotes;
Metais: 4 Trompas, 2 Cornetas, 2 Trompetes, 3 Trombones, Tuba;
Percussão: Tímpanos, Bombo Sinfônico, Pratos, Pandeirola, Triângulo, Caixa Clara, Gongo (Tam-Tam);
Cordas: Violinos I, Violinos II, Violas, Violoncelos, Contrabaixos.
A peça dura em torno de 12 minutos. Vamos a ela?
Abaixo, temos a interpretação de Claudio Abbado com a Filarmônica de Berlim. Não reparem na imagem ruinzinha.
Reunião das bruxas, suas conversas, suas fofocas;
A primeira coisa em que você devem reparar é a agressividade da orquestração, inspirada, segundo Rimsky-Korsakov, em um grande sucesso dos anos 1860, a obra Totentanz (Dança dos Mortos), de Franz Liszt;
Repare na potência das percussões da Filarmônica de Berlim, já aos 22s;
De repente as cordas agudas param com seu ostinato e as Cornetas e os Trombones agudos assumem;
Aos 33s os Trombones graves e a Tuba executam o Primeiro Tema;
Depois de algumas pausas extremamente dramáticas, a música volta a seu movimento perpétuo;
A 1m01s, após uma pausa, a música parece começar do zero;
O Primeiro Tema é ouvido novamente aos 1m17s;
Repare no Segundo Tema, contrastante, quase burlesco, a 1m58s, nos Oboés, Fagotes e Trompas e logo imitado por Violoncelos e Violas;
Esses dois grupos passam a dialogar;
Esse trecho nos remete à Música Modal da Idade Média, com seus baixos em quintas paralelas;
Ficamos com aparições vagas do Primeiro Tema (2m18s) entrecortadas por sensacionais interrupções da orquestra toda.
Surge um trecho quase tonal, quase normal (2m35), mas que logo é respondido pelos ataques violentos das percussões (essa música exige muito dos percussionistas) e também pelo grito inescapável e dissonante dos metais;
Cortejo a Chernobog (Satanás);
Aos 3m03s tem início a Segunda Parte da peça. De caráter mais brincalhão, mas não menos diabólico, a orquestra brinca e dialoga consigo. A orquestração é magistral.
Aos 4m52 os Clarinetes e Fagotes fazem uma simples escala, (é o Terceiro Tema) e na partitura está escrito poco accelerando (acelerando aos poucos, caso a tradução seja necessária), que vai contaminando toda a orquestra, começando com as Flautas e o Flautim;
As percussões vão acordando e o Terceiro Tema é ouvido novamente nos Clarinetes (5m08s), em registro bem grave (registro chamado Chalumeau);
A partir deste ponto os instrumentos começam a acelerar mais fortemente e a agitação ameaça voltar;
Missa Negra;
Mas não volta, ainda. Temos ainda algumas espirais e pausas repentinas até que, aos 6m01s, os Oboés iniciam a Terceira Parte (marcada, na partitura, Tranquillo), tocando o Segundo Tema.
Repare sempre como o compositor trabalha com interrupções. O Segundo Tema é tocado e interrompido diversas vezes, como se a orquestra estivesse eriçada;
Aos 7m22s, o Segundo Tema aparece nas Violas. Conhecidas por seu som tristonho, foram uma excelente opção de Mussorgsky para transformar aquele mesmo tema burlesco em uma coisa mais ameaçadora;
O Segundo Tema vai ficando cada vez mais agudo: primeiro (paradoxalmente), nos Violoncelos (7m32s) (devido à elástica extensão dos instrumentos de corda, não é incomum vermos, por exemplo, um Violoncelo tocando acima mesmo de um Violino), logo nos Violinos (7m42s), com uma sutil mas extraordinária modulação;
O Segundo Tema fica alternando entre o modo Maior e o Menor (7m49s);
Outra coisa em que você precisa atentar é que, ao contrário de Sinfonias e Concertos, que têm uma forma definida (você tem que tocar o Tema A no lugar certo na exposição; o Tema B precisa ser modulado de tal forma na recapitulação...), no Poema Sinfônico a liberdade formal do compositor é muito maior. Isso é bom. Mas não é sempre bom. Você precisa saber o que está fazendo.
Essa liberdade não é nem de longe um problema para Mussorgsky, que manipula com extrema destreza todo os elementos musicais: ritmo, melodia, harmonia, estrutura, texturas, timbres...
Nos minutos seguintes ele fica brincando com seus temas, especialmente com o Primeiro Tema, tocando rápido, lento, nas madeiras, nas cordas em um tom ou em outro e, aos poucos, a música vai ganhando tensão e dinamismo;
Sabá;
Aos 12m02s, com uma nota longa e o anúncio dos trompetes, começa o Sabá. Isto é, se seguirmos a divisão que Mussorgsky originalmente tentou;
Porque, assim como nas outras partes, os elementos extra-musicais não estão apresentados de maneira tão evidente;
Mas voltemos. A música se torna mais dúbia, imprevisível;
E, ao mesmo tempo, mais agitada, os pratos golpeando sempre e trazendo um final brilhante.
Considerações Finais
O Poema Sinfônico de Mussorgsky tenta e consegue ser assustador. Devemos lembrar que ele foi um compositor, digamos, incompleto, e isso se nota na estruturação da obra, que tem momentos aparentemente fora de contexto e um tratamento temático um tanto rude, se bem que muito criativo e efetivo.
A versão de Rimsky-Korsakov, a mais tocada, procura resolver esses e outros problemas. Já nos primeiros compassos temos uma progressão, uma subida nos metais, muito mais eficiente e musical que a de Mussorgsky. Mas a verdade é que todo o arrojo e fineza de orquestração de Rimsky-Korsakov não são suficientes para apagar a interessantíssima versão de Mussorgsky. Esta se mantém como a versão crua, nua e, portanto, com vida própria.
A versão de Rimsky-Korsakov na interpretação da Orquestra Sinfônica de Jerusalém, sob a regência de Dmitry Yablonsky.
Gravações Recomendadas
Versão Original, de 1867 (Poema Sinfônico)
- Esa-Pekka Salonen regendo a Orquestra Filarmônica de Los Angeles - Esta versão, acompanhada de uma das gravações mais selvagens de "A Sagração da Primavera", de Igor Stravinsky e de uma igualmente furiosa Suíte de "O Mandarim Miraculoso", de Béla Bartók, foi a primeira de Salonen como Diretor Musical da Filarmônica de Los Angeles, realizada em 1992. A orquestra já vinha crescendo desde, pelo menos, os anos 70, mas a contratação da jovem estrela finlandesa (com contrato de 1992 a 2009) foi um marco (assim como a de seu sucessor, o igualmente estelar colombiano Gustavo Dudamel, que já está de saída). Torcemos muito para que a próxima regente seja a também finlandesa Susanna Mälkki, uma virtuose que se dedica, especialmente, ao repertório moderno e contemporâneo. O disco inteiro é considerado um primor, seja de intepretação, da interação entre o maestro e a orquestra, seja do ponto de vista do som. Isso porque é considerado um disco audiófilo. Se você o escutar em um bom fone de ouvido, seu coração vai palpitar e você vai se arrepiar. Só não ligue para as duas últimas faixas, que são de Salonen falando bobagens: "The Rite of Spring is kind of a bible..."
- Kirill Karabits, regendo a Orquestra Sinfônica de Bornmouth - A excelente orquestra inglesa, bastante subestimada, talvez por não ser londrina e competir com as 5 grandes da capital inglesa, está fantástica. O entrosamento é absurdo. Karabits exige o máximo que pode da orquestra, com mini e macro crescendos e diminuendos. Sem dúvida, uma das melhores gravações, de 2011.
- Eiji Oue, regendo a Orquestra de Minnesota - Às vezes eu acho que sou o único a louvar o mandato de Eiji Oue na Orquestra de Minnesota. Ela vinha com uma linhagem de regentes superlativa, que incluía, sobretudo, o lendário Antal Doráti, seu mais notável titular. Depois dele, Stanisław Skrowaczewski, Neville Marriner e o holandês Edo de Waart assumiram a orquestra, mas sem o mesmo avassalador sucesso de Doráti. A verdade é que foi durante o posto de Oue que a orquestra passou por seus maiores problemas financeiros. Até a presença de público foi afetada, caindo de uma média de 84% para 69%. Nada culpa do japonesinho, que levou a orquestra em sua primeira excursão pela Europa e pelo Japão e gravou profusamente. Um desses discos é Mephisto & Co., que tem uma temática de terror. Noite no Monte Calvo cabe perfeitamente e está tenebrosa. As cordas de Minnesota estão endiabradas e a variação no nível de dinâmica (forte ou fraco) é enorme. É de 1998.
- Claudio Abbado, regendo a Orquestra Sinfônica de Londres - Outra gravação elétrica. Abbado era um grande mestre regente. Foi um dos primeiros advogados da versão original de Mussorgsky. Aliás, gravou desse compositor o máximo que pôde. Muitos críticos consideram o trabalho de Abbado em Londres o seu melhor (ele também trabalhou com a Sinfônica de Chicago, a Filarmônica de Viena e a Filarmônica de Berlim, sucedendo Herbert von Karajan). Eu, mais fã que crítico gosto de todas as fases. Inclusive a pós-Filarmônica de Berlim, em que ele regeu conjuntos com menos músicos e se aproximou, mas sem exageros, do exercício de performance de música mais antiga adotando práticas da época (apelidado de HIP, leia aqui), visando a obter um som mais próximo do que o compositor teoricamente teria ouvido. Essa gravação é de 1981.
Versão de Rimsky-Korsakov, de 1886 (ele chamou de Fantasia para Orquestra, mas não muda nada, é um Poema Sinfônico)
- Daniel Barenboim, regendo a Orquestra Sinfônica de Chicago - Chegamos à célebre versão de Rimsky-Korsakov. Percebam que, no título, vocês verão (Orch. Rimsky-Korsakov), ou seja, Orquestrada por Rimsky-Korsakov. Mas isso não faz justiça ao trabalho que ele fez. Como falei anteriormente, ele aprumou a orquestração, suavizou certas mudanças bruscas de tema, mexeu na estrutura, no final. Não há dúvida que o seu produto final é mais arrojado. Mas às vezes não queremos arrojado. Queremos a crueza da versão original. Quanto a esta versão, a de 1886, feita por Korsakov, existem dezenas, talvez centenas de gravações. Eu começo com essa aqui, de Barenboim em Chicago, pois é apropriadamente selvagem onde precisa e absolutamente polida onde isso cabe. A orquestra está maravilhosa. É de 1977.
- Charles Dutoit, regendo a Orquestra Filarmônica de Montreal - Nessa gravação de 1987 a Filarmônica de Montreal estava vivendo seu auge, afiadíssima sob a batuta de Dutoit. A gravação, a engenharia de som, é arrepiante. A atmosfera é um pouco menos tensa do que a de Barenboim, por causa da opção do maestro por apresentar a música um pouco mais fragmentada. Mas vale pela performance da Filarmônica de Montreal, um dos momentos mais belos captados em disco.
Sinta-se à vontade para comentar, sugerir sua versão de preferência e tudo mais.
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