Composto em 1894, o Prélude à l'Après-Midi d'un Faune é uma obra orquestral, espécie de poema sinfônico, de Claude Achille Debussy (1862-1918). Com 10 minutos de duração, ele abriu o caminho para a música moderna. Porque, embora seja, em última instância, tonal, essa tonalidade é ambígua, por vezes escondida.
É certo que ele usa acordes com nomes, o dó maior, o lá menor. Tudo isso. Mas ele não usa cadências normais. Veja, no fragmento abaixo, tocado pela flauta logo no começo da música, começa em dó sustenido e desce até um sol. Em vários momentos da peça esse tema vai se repetir (9 vezes) e sempre os acordes que o acompanham serão variados.
Abaixo, a nossa hr-Sinfonieorchester (a Sinfônica de Frankfurt) sob a regência de Andrés Orozco-Estrada toca o Prélude.
A verdade é que, tonalmente, essa escala cromática não diz nada. Ela não tem base tonal, é como se fosse uma melodia flutuando no ar. Lembremos que, no mesmo ano em que foi composto o prelúdio, foi escrita a 9º Sinfonia de Dvořák, "Do Novo Mundo". Que é a coisa mais tonal do mundo, calcada no Romantismo. Brahms ainda era vivo.
Até a instrumentação faz rupturas. As madeiras são praticamente mais importantes do que as cordas. Estas tocam boa parte da peça com surdina. O clima é de encantamento, como nunca se tinha ouvido antes.
O primeiro tema aparece na flauta, logo no começo, desacompanhada. Aos 3m52s temos, no clarinete, um segundo tema, totalmente derivado do primeiro. Ele vai nos conduzir à seção central, dominada pelas cordas. O próprio clarinete dá a deixa para o terceiro tema, nas madeiras (5m41s). As cordas assumem lindamente, sob incisos das madeiras (6m20s). O que parece com o auge do movimento vai perdendo força e ficando esparso. Um violino solo (7m16s) ainda toca o terceiro tema. Mas logo a flauta traz o primeiro tema (7m28s)e a música segue, meio sem rumo. O oboé participa, o corne inglês, os clarinetes, até que a flauta volta, sob um acorde de trêmulos nas cordas. E, com uma alusão a todos os temas a música vai acabando.
Esse clima, que hoje a gente reconhece de filmes de fantasia e tudo mais, não era conhecido na época. Foi Debussy que inventou. Não inaugurava o modernismo totalmente. Mas dizia ao romantismo que o futuro se chegava.
O título é porque a música se baseia em um poema de Stéphane Mallarmé homônimo, que descreve um fauno passeando no bosque, quando se depara com ninfas e náiades e fica, digamos, excitado. Ele as persegue, sem sucesso (graças a Deus) e acaba dormindo, num doce sonho erótico.
Foi estreada em Paris, em 22 de dezembro de 1894, sob a regência de Gustave Doret. Existem centenas de gravações até agora.
Gravações recomendadas
- Claudio Abbado, com a Filarmônica de Berlim - com a flauta encantada de Emmanuel Pahud, o astro 1º flautista da Filarmônica e uma execução inspirada, além da engenharia de som muito impressionante, é uma versão imprescindível. De 2001.
- Bernard Haitink, com a Orquestra do Concertgebouw, de Amsterdã - de 1986, essa gravação é espetacular. A verdade é que todas as orquestras fazem bem esse Prelúde. Mas as madeiras da Concertgebouw fazem a diferença.
- Ernest Ansermet, com L'Orchestre de la Suisse Romande - à moda antiga, mas com uma boa transferência digital do som analógico de 1957, essa gravação preciosa mostra Ansermet, um gênio da batuta, em seu auge, com sua orquestra suíça.
- Pierre Monteux, com a Sinfônica de Londres - Monteux era o regente francês do começo do século XX. Estreou vários balés de Stravinsky, bem como do próprio Debussy. Trata-se de uma versão de alguém que esteve lá, nos primórdios do modernismo. Essa gravação, de 1961 é obrigatória.
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Beethoven - Sinfonia Nº 6 "Pastoral"
Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique"
Dvořák - Sinfonia Nº 9 "Do Novo Mundo"
Rachmaninoff - Concerto para Piano Nº 2