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DEBUSSY - Os Prelúdios para piano, Vol. 1 - Análise

Atualizado: 21 de dez. de 2021

Compreender Claude Debussy (1862-1918) é muito mais complicado do que parece. Também é muito mais simples do que parece. É como fazer uma jornada cheia de labirintos pra chegar num lugar e, só então, perceber que tinha um atalho. Você, caso não conheça de música clássica, vai ouvir sons e vai achá-los mágicos. Daí vai tentar esmiuçar, compreender, dissecar, só pra depois perceber que a música de Debussy foi feita pra escutar. Escutar atentamente, claro. E então deixar-se levar pelas sensações. Aí está o atalho: a música dele é menos técnica e mais pura mágica. Não que ele seja fraco tecnicamente, sua orquestração e escrita para piano, para qualquer instrumentação, de fato, são perfeitas.

Era um compositor espetacular, conhecedor das velhas formas e um pianista excepcional - Igor Stravinsky conta que ele e Debussy fizeram uma audição privada da sua Sagração da Primavera numa versão de piano a 4 mãos, com Debussy praticamente lendo à primeira vista.


Você só vai entender as intenções desse compositor ao escutá-lo um punhado de vezes. Eu acho que é por isso que as pessoas mais velhas se tornam à música clássica. Elas têm mais paciência. A obra de Debussy é episódica, você tem que apreciar os momentos.


Aliás, vamos entender o (e o ) Livro de Prelúdios como uma coletânea de contos. É só dividir esses contos em parágrafos: meio caminho andado. Ele foi um dos primeiros compositores modernos, saindo do romantismo. Enquanto que no romantismo as músicas são bem descritivas, ainda que apenas de sentimentos, no modernismo elas tendem a ser mais abstratas. É até interessante que Debussy tenha colocado títulos para cada prelúdio. Mas, na partitura, ele coloca o título no fim. Genial! Você deve ler a peça como se não soubesse do que se trata e, então, descobrir.


O que é um prelúdio?


Nesse sentido usado por Debussy, trata-se de peças para piano com durações diversas (2 e pouco a quase 8 minutos) e com forma livre. Ou seja, a peça se desenvolve sem "ter que fazer" nada: ao gosto do compositor. Ele os compôs entre 1909 e 1910.


Johann Sebastian Bach escreveu O Cravo Bem Temperado, com 24 prelúdios e fugas, cada um em uma das tonalidades existentes. Depois compôs outro livro. Isso abriu precedente para que compositores, famosamente Frédéric Chopin, fizessem seus prelúdios. Chopin fez um livro de 24, respeitando a ideia das 24 tonalidades. Debussy fez 2 livros de 12. Mas ele não fez um para cada tonalidade. Os dele são bem livres. Cada um tem um título, que vem de algum poema (Baudelaire) ou simplesmente de uma alusão.


Os Prelúdios (Livro 1)


1 - Danseuses de Delphes (Dançarinos de Delfos)


O primeiro prelúdio é uma música vaga, atmosférica. Parece uma água calma que não se deixa perturbar. São, basicamente, acordes, grandes e cheios em sucessão. E, por cima destes, uma sutil melodia.


2 - Voiles (Véus ou Velas - de barcos)


É mais sobre o vento que sobre as velas (ou véus, ele quis deixar ambíguo). Com simples terças descendentes, na escala hexatônica, em oposição a outra linha de terças, estas em ascensão, ele cria uma música verdadeiramente flutuante, pairante. Uma nota pedal grave mantém a atmosfera misteriosa da peça.


3 - Le vent dans la plaine (O Vento na Planície)


Vento, mais uma vez (e não é a última). Dessa vez ele aparece mais abstrato, numa visão mais enfurecida.


4 - Les sons et les parfums tournent dans l'air du soir (Os Sons e os Perfumes Giram no Ar do Anoitecer)


Precisa de muita sensibilidade, o pianista, nesse prelúdio. Porque ele pode soar monótono ou fora da proposta do livro. Mas, se tocado corretamente, é tão fantástico quanto o título.


5 - Les collines d'Anacapri (As Colinas de Anacapri)


Uma verdadeira peça para estudantes de piano. Explora a expressividade, técnica e noção de estrutura - ela tem momentos divergentes. É brilhante.


6 - Des pas sur la neige (Passos na Neve)


Como você descreveria musicalmente passos na neve? Agora escuta o que Debussy fez. O que ele fez não poderia ser descrito como outra coisa que não passos na neve. Ele é bem lento, traz muitos silêncios. Pra se escutar com muita atenção.


7 - Ce qu'a vu le vent d'ouest (O Que Viu o Vento do Oeste)


Mais um de vento, dessa vez uma ventania. É certamente a peça mais difícil do grupo - acordes quebrados, oitavas quebradas, passagens velozes -, a escrita é brilhante. Também é a mais pianística.


8 - La fille aux cheveux de lin (A Menina com Cabelo de Linho)


O mais famoso de todos os prelúdios. É muito lindo, tonal, infantil - uma música simples, como as que o compositor fazia no começo de sua carreira.


9 - La sérénade interrompue (A Serenata Interrompida)


Faz as vezes de um scherzo, com notas repetidas e uma alusão rítmica a algum tipo de dança.


10 - La cathédrale engloutie (A Catedral Submersa)


Essa é muito famosa, também. É completamente descritiva. Fala sobre a lenda de Ys, uma cidade que fica no fundo do mar, e de sua catedral, que, em manhãs claras e de águas transparentes, emerge, tocando música com seu suntuoso órgão. Só pra depois submergir novamente. Ninguém faria música mais arrebatadora.


11 - La danse de Puck (A Dança de Puck)


Outra peça com caráter mais leve. Também tem um ritmo forte, não nos acordes, mas na própria melodia. Não sei quem é Puck.


12 - Minstrels (Menestréis)


Também é leve, descrevendo os menestréis medievais que levavam uma mistura de música e teatro ao público.


Gravações Importantes


Debussy gravou alguns em uma técnica de piano roll chamada Welte-Mignon. O pianista grava a sua interpretação, e as dinâmicas, os tempos, os pedais, tudo é transferido para um rolo. E depois eles aplicam essas diretrizes por computador em um piano moderno. É emocionante. Não sei o quão históricas são essas interpretações, mas acho que têm um grande valor.


As gravações "clássicas" de referência são:

Walter Gieseking - Dizem que Debussy queria que o piano fosse tocado como se não tivesse martelos, da maneira menos percussiva possível. Pois bem, os críticos concordam que Gieseking atingiu isso. Pra mim o único problema é o som. Por terem sido gravados nos anos 1953-1955, o som ainda tem muito chiado, e eu sinto que não estou conseguindo escutar tudo que é pra eu escutar.


Arturo Michelangeli - A minha favorita. Parece que cada gesto, cada inflexão dele deu certo em cada prelúdio. Eu não sei explicar, não é só técnico, parece que se está respirando música.


Claudio Arrau - Impressionante. Arrau tem um som cósmico. Aliás, um não, milhões de sons. O chileno é um dos pianistas mais coloridos que já existiram (pianisticamente, porque ele mesmo era normal). E a gravação é boa.


Monique Haas - Excelente versão. Imaginativa, com um perfeito colorido e tecnicamente impecável.


Dentre as mais modernas temos:


Nelson Freire - Nada passa desapercebido pela peneira que é a sensibilidade do Nelson. Ele descobre a hora perfeita de tocar, com a intensidade perfeita... O som também está muito bom. É a gravação moderna mais comentada. Parece mais com Arrau, colorido e imaginativo, do que com Michelangeli, mecânico e preciso, quase matemático.


Vladimir Ashkenazy - Uma abordagem sem exageros. Sem sentimentalismos, aliás, bem pragmática. O primeiro prelúdio é rápido como um jato, parece que ele tá com pressa. Mas tem seus momentos, como os prelúdios Nos. 3 e 7, em que ele demonstra sua técnica arrebatadora. A gravação é boa, mas me parece que o piano não é dos melhores. Posso estar enganado.


Maurizio Pollini - Todo mundo tinha curiosidade de saber como o maior pianista italiano vivo iria tocar esses prelúdios. Ele fez o equilíbrio entre o inspirado e o calculado. Seu Nº 8 é imbatível. Ficou excelente.


Krystian Zimerman - Zimerman é sempre super expressivo. Mas eu digo super mesmo, over. Quando é pra desacelerar, ele desacelera demais; quando é pra crescer, cresce demais etc. Só tem uma coisa. Quando ele acerta é de cair o queixo. Ouçam o prelúdio Nº 10. Além da técnica impecável, ele faz a música soar realmente empolgante.



Versão para Orquestra


A mais famosa versão orquestral, e também a única que eu conheço, foi orquestrada por Colin Matthews e gravada, sobretudo, pela Orquestra Hallé, regida por Mark Elder. As orquestrações são fenomenais. Claro que tem prelúdio que é mais pianístico, mas a maioria se adequou bem à orquestra. Esse disco, da Hallé, é incrível. Eles tocam muito e a maneira com que as peças soam é quase de outro mundo.


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