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Foto do escritorRafael Torres

Conto entre Parêntesis

Atualizado: 6 de mar. de 2021


Ficava tão frio à noite quanto quente de dia. Era por isso que Jaime e Marcelinha se abraçavam na rede. Eram irmãos apaixonados, no bom sentido. Um sabia tudo do outro, desde os segredos do casamento dele às paqueras dela. Todos já sabiam que ela gostava de meninas. Sabiam desde antes, mas antes ela era nova demais pra saber qualquer coisa. Agora ia com 18, bem menos que Jaime.


- Essa redinha é tão confortável! - ela quase bocejou.


- Também, por 500 reais, tinha que ser um palácio!


Ela riu. Marcelinha era muito bonita, era a mulher mais bonita que já tinha visto.


- Cabe três? - era Maíra.


- Cabem! - Marcela falou e não sabiam se ela concordava ou corrigia Maíra - Principalmente quando a terceira pessoa vem com castanha.


- Pois eu não arrisco, não - Jaime se levantou, ajudando Maíra a deitar. Deu um beijo em cada testa e foi beber suco. Suas duas criaturas preferidas estavam naquela rede. A esposa e a irmã. O que tramavam?


Ainda era começo de noite, mas ele já ia deitar. De alguma forma se pegou pensando no que as duas estariam conversando. Será que a Marcelinha estava contando pra Maíra sobre aquele cidadão grisalho? Jaime não ficara com ciúme, porque sabia que ela gostava de meninas, mas, se fosse o caso, podia ficar rapidinho. Nunca tinha sido ciumento com a irmã, na verdade, fazia um certo esforço pra não ser (mesmo em seu íntimo), mas aquele homem específico o tinha deixado encafifado. Um cara madurão, com um sorriso pilantra. Devia ser mais um estrangeiro se esbaldando em Canoa Quebrada.


Foi pro quarto, que tinha as coisas de que mais gostava. O violão e ar condicionado. E a promessa de Maíra. Agora, a descrição de Maíra, pois era um tipo muito específico de mulher. Era bela, especialmente com raiva. A paleta era o oposto de Jaime e Marcelinha: era morena jambo (sua avó era indígena). Cabelos pretos, no ombro. Olhos negros. Quando a Marcelinha estava aprendendo violão, bem novinha, dizia que aquela música russa se chamava Maíra. Era séria, mas quando sorria a sala toda sorria junto. Toda a família adorava aquela mulher.


Dando um susto nele, a porta abriu e ela entrou, de canga e biquine. No bar vizinho, fechado, mas certamente já juntando gente na varanda, ele ouviu um xote. E era Marcela no triângulo, tinha certeza. A Maíra entrou calada e passou pro banheiro. Dali a pouco saiu só de calcinha, deixando a luz do banheiro acesa, desligou a do quarto. Ela gostava assim. Pena que não tinha televisão. Ele gostava do barulho. Deitaram e Jaime notou que ela não dissera uma palavra desde que entrara.


- Tá tudo bem, Maíra?


- Arrã. Tá, sim.


Ele sabia que ela estava mentindo. Ela não sabia enganar. Faltava-lhe sutileza.


- Agora você me assustou. A Marcelinha falou alguma coisa?


- Talvez.


- É aquele sujeito, não é? Aquele da camisa abotoada até o peito? Aquele.


- Sim, sim.


- Sim, sim o quê?


- Sim, sim, sei quem é.


- Tá, e o que mais?


- Nada, quase nada.


- Eita. Eita, eita, eita. Ela tá apaixonada por aquele canastrão?


- Eu não diria apaixonada. É mais encantada.


Jaime levou as mãos em postura de prece ao rosto, respirou. Então quer dizer que ela era bi? E o fator decisivo pra isso era aquele homem?


- Me conta! Eu juro que não falo pra ela.


- Pensa, Jaime, pensa.


- Pensar o quê?... Que se ela te contou é porque tinha certeza que eu ia acabar sabendo?


- É.


- , pois então eu tô aqui, calmíssimo, esperando que você me conte TUDO, desculpa, tudo que tiver pra contar. - Sua voz quase tremia. Se a Marcelinha estiver grávida eu mato ela, pensou.


- Vish, se acalma, menino. Também não tem nada pra contar. Ele se apresentou pra gente, parece ser uma ótima pessoa. De manhã.


- É uma ótima pessoa de manhã?


- Se apresentou pra gente de manhã. E eu os deixei conversando.


- E aí?


- E aí nada. Ela disse que ele falou que ela era muito bonita e...


- E?...


- Chamou ela pra ir com ele pra Fernando de Noronha. Parece que tem uma pousada lá.


- E ela?


- Nãaao, não... Ela não vai, não.


Então era isso? A Marcelinha queria morar com um sujeito com o dobro, o triplo da idade dela, que acabara de conhecer?


- Calma, Jaime. Ela não disse nada.


- E o que é que você acha?


- Que não. Que ela vai ficar.


- Tem certeza?


- Tenho quase.


Naquela noite não teve sexo. Não tinha clima. Ele estava chateado. Só queria entender o porquê de a Marcelinha sequer considerar largar tudo pra ir viver com aquele sujeito. Amanhã teria uma séria conversa com ela.


Na manhã seguinte acordou bem cedo. Foi procurar a Marcela e não a encontrou na cozinha, na mesa, na rede. Podia ainda estar dormindo. Só que deu 9 horas e ela não saiu, de modo que ele abriu a porta e viu a cama vazia. Vazia, não, tinha o triângulo, e em baixo dele, um bilhete. Naquele momento, Marcela morreu para ele.


"Precisamos fugir do meio-dia

E atender ao chamado da meia-noite"


Continua...


Rafael Torres


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