Escutar música clássica é um processo que se aprende fazendo. Três elementos considero essenciais que se preste atenção: a escrita idiomática (para piano, quarteto de cordas, orquestra etc.); os temas (sempre prestar atenção nos dois ou três temas principais do primeiro movimento); a estrutura (forma sonata, rondó, A-B-A etc.).
A Escrita Idiomática
É essencial que você identifique se algo foi bem escrito ou bem traduzido pelo instrumento a que se propõe. Vou dar exemplos:
Repare, abaixo, em como a peça não soaria bem (da maneira em que está) em outros instrumentos. Os arpejos, as oitavas, tudo é escrito com base no movimento natural das mãos no piano.
Na escrita para violoncelo, o compositor tem que saber que notas colocar ao lado das outras. Às vezes não funciona, porque elas têm que estar ao alcance dos 4 (ocasionalmente 5) dedos do instrumentista. É impossível, por exemplo, colocar o mindinho em cima do anelar, concorda? Além disso, para uma peça para instrumento solo funcionar, pelo menos no barroco, ela tem que fazer uma melodia e, ao mesmo tempo, subtender uma harmonia, como é o caso de Bach nessa suíte.
Na escrita para orquestra, o compositor deve se atentar à integração dos instrumentos, bem como às particularidades de escrita de cada um (quanto tempo um flautista toca sem respirar, se o oboé vai aparecer, fazer sumirem os violinos para o clarinete entrar etc.) Debussy faz isso como quem nasceu para orquestrar.
Além disso, na orquestração, há vários efeitos que o compositor pode fazer, como um rasgo nos trombones, uma acentuação no flautim, que transparece sobre a orquestra inteira. Tudo isso exige muito estudo: existem milhares de livros dedicados à arte de orquestrar. Tente ouvir A Sagração da Primavera, de Stravinsky, reparando nesse aspecto.
Os Temas
Aqui, é só questão de atenção. E costume. Você vai aprender que os primeiros minutos dessa música são uma introdução, ou seja, não contêm temas importantes. Apenas aos 2m06s o tema 1 começa a dar sua cara. Mas ele só aparece plenamente aos 2m40s, nas trompas, repetido pelos oboés logo em seguida. Observe como ele se afirma potente aos 3m16s.
O segundo tema aparece no oboé e na flauta aos 3m50s e logo é desenvolvido. O terceiro aparece na flauta, aos 4m56s.
Agora é só reparar no que ele faz com esses temas. Ele vai misturá-los, tocando dois ou os três ao mesmo tempo em instrumentos diferentes; ele pode invertê-los; pode tocar trechos nos contrabaixos... Um mesmo tema pode aparecer suave uma hora e ameaçador em outra.
A Forma
Vou começar com uma forma bem simples: A-B-A. Temos dois temas na parte A e um na parte B. 1º tema (logo quando começa, no violino e, depois, repetido no violoncelo). 2º tema aos 43 segundos no violino, o cello fazendo contracantos. Volta o tema 1 antes da parte B.
Aos 1m35s, o violoncelo traz a parte B, contrastante, dramática, enquanto a outra é extremamente plácida e tranquila. O violino repete, depois a orquestra e voltamos à parte A, aos 2m27s.
Outra coisa que você pode fazer é não se preocupar com nada disso e, simplesmente, se deixar levar pelas melodias. O problema disso é que, em algumas músicas, o mérito não está na beleza das melodias, e sim, em algum desses três aspectos que eu mostrei.
Em uma próxima postagem falarei sobre a forma sonata, o molde mais importante para os compositores dos séculos XVIII até XX.
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