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Barroco - Os Períodos da História da Música III - Parte 3


Por Rafael Torres


O Fim da Música Barroca


Tendo existido no período suspeitamente redondo entre 1600 e 1750, a Música Barroca evoluiu e inventou vários formatos musicais, como a Cantata e o Oratório, a Música para Teclado, a Música Orquestral e a Música de Câmera.


Mas o fato é que a maior parte desses formatos não se sedimentou. Como se aquele determinado formato estivesse inacabado. E como se a própria linguagem Barroca não tivesse dado conta de levá-los ao apogeu.


Algum distraído poderia insinuar que não aconteceu nada no Barroco que já não estivesse preparado desde a renascença, e que a história da música progrediria tranquilamente sem ela. Eu explico. A Música Barroca não é o primeiro parágrafo de uma nova era, nem o último da era anterior. Quando se fala em inovação, no Barroco, geralmente é alguma coisa inventada na Renascença. Mas isso é apenas uma confusão. Acontece com todos os períodos da música, das artes, da ciência... A Música Barroca é inevitável como aquelas melodias de Bach, que parecem ter nascido prontas. E ela inventou algo, sim: a grandeza, o que salta aos olhos e que não se pode definir. Isso não é nem um pouco pouco.


Ela foi terminando assim como foi começando. Uma mudança na Itália, outra na Alemanha, uma ideia nova na França. E quando a música olhou para si, já não era mais Barroca.


O Estilo Galante, ou a Música Rococó (veja aqui, perto do final da página) evidenciou a vontade do público de ouvir música mais simples, menos elaborada, sem traje de gala. Talvez, mesmo, em casa - falo da aristocracia. Se olharmos direito, era como se a Música Barroca tivesse dado os primeiros passos na música da modernidade (e, de fato, o foi). O formato Concerto tinha agradado, precisava-se elaborar sobre ele, assim como a Ópera, o Oratório, a Sonata e até mesmo a Suíte, de certo modo.


E, de fato, o que viria a seguir faria com que o Barroco parecesse sempre uma arte gloriosa, espetacular, mas antiga.


Nós atribuímos o ano de 1750 como o fim do Barroco, mas lembrem-se que isso é mais por uma vontade de homenagear Johann Sebastian Bach, que morreu nesse ano, do que uma data precisa. Na verdade, surgiram compositores com características do Classicismo ainda no Barroco, outros continuaram compondo com características Barrocas já em pleno Classicismo. Foi uma transição obviamente gradual.


Mas, de maneira geral, serve. Serve dizer que bem no meio do Século XVIII acabou-se uma escola e outra começou. No próximo capítulo vamos chafurdar a Música Clássica de Joseph Haydn e de Wolfgang Amadeus Mozart, e ver como eles foram os principais compositores a estabelecer a forma sonata, uma maneira de fazer música que perduraria até os dias atuais.


Nicolas Tournier: Le Concert (1630-1635).
Nicolas Tournier: Le Concert (1630-1635).
 

Sobre Apreciação


Uma das maneiras em que mais gosto de escutar Bach é ao Piano. Acontece que as obras não foram escritas para o instrumento. Geralmente eram para Cravo ou Órgão. Se forem para Cravo, é relativamente fácil adaptar, imagino que envolva articulação, dinâmica e dedilhado. Mas se o original for para Órgão, a situação é mais delicada. Especificamente porque ele tem duas mãos a manipular os teclados e os dois pés tocando a pedaleira. A transcrição tem que ser feita por um compositor ou um musicólogo que seja, também, organista, e as notas da pedaleira têm que ser milimetricamente encaixadas nas duas mãos.


Também gosto de transcrições para Violão, e estão surgindo transcrições de cada vez mais obras; e para Orquestra Sinfônica moderna. No começo era um tanto assustador ouvir o compositor que eu havia me acostumado a ouvir tocado por pequenos conjuntos em arranjos grandiloquentes e extravagantes, mas logo me acostumei. Pode até ser uma maneira um tanto charlatã de desfrutar a sua obra, quando temos conjuntos que adotam todo o costume de interpretação musical da época, com orquestras com 6 a 12 músicos (as atuais têm 80), tocando com a articulação, as dinâmicas, a afinação (no Barroco se afinava tudo um semitom abaixo, a música pede um dó, você escuta um si) e instrumentos da época (ou cópias). Mas eu acho tão legítima uma coisa quanto a outra. No Piano, as notas estão todas lá e os músicos geralmente fazem um esforço para usar uma articulação com menos legato, menos variações de dinâmica e, às vezes, sem usar o pedal.


Escutá-lo no Cravo original, e até no Órgão, embora este possa soar estridente, também é uma experiência transcendental. Desde criança fui acostumado a gostar do timbre dos dois instrumentos.


A Música Barroca é complexa, tem várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, usando sempre o Contraponto e sendo, ao mesmo tempo, intimista e extrovertida. Seja como for que você a aprecie, estará trazendo enorme benefício ao cérebro e à mente.


 

Comparativo


Vou explicar novamente o movimento HIP (Historically Informed Performance). A tradução é Performance Historicamente Informada e o nome é problemático, mas foi o melhor que surgiu.


A orquestra Barroca já é uma evolução dos Consorts da Renascença (grupos instrumentais, geralmente com instrumentos de uma mesma família). Essa orquestra contava com formações variadas, como sempre seria desde então. Mas podemos falar de uma orquestra base. Ela continha alguns Violinos, em número que podia varia de 4 a 24 (como a orquestra de Jean-Baptiste Lully, Les Vingt-quatre Violons du Roy). Por sinal, o compositor italiano Arcangelo Corelli chegou a trabalhar com 150 músicos ao mesmo tempo. Mas sigamos.


O mesmo Lully foi responsável pela consagração dos Oboés e Flautas (geralmente em pares) na orquestra. Posteriormente, foram adicionados os Fagotes (geralmente 3), Trompetes Naturais e Trompas Naturais (chamados naturais porque não tinham chaves e a mudança entre notas era produzida por variações no sopro - geralmente apareciam em pares). E, além disso, havia o Basso Continuo (Baixo Contínuo): um pequeno grupo, responsável pela harmonia (acordes) que, nem mesmo, lia de uma partitura, mas de uma escrita chamada baixo cifrado. O Basso Continuo podia variar, quanto à instrumentação, contendo alguns desses instrumentos: Cravo, Teorba, Viola da Gamba, Violoncelo, Alaúde e outros. Por fim, algumas peças pediam percussão, geralmente Tímpanos.


Quando o Barroco foi terminando e o Classicismo se apresentando, compositores como Franz Joseph Haydn padronizaram o tamanho e a formação dos conjuntos. A família inteira do Violino foi adotada, ficando: Violinos I, Violinos II (um grupo de Violinos independente do primeiro), Violas, Violoncelos e Contrabaixos; e haviam as Flautas, Oboés, Fagotes, Trompas e, ocasionalmente, Tímpanos, Trombones e Clarinetes ou Basset Horns (esses últimos foram usados por Wolfgang Amadeus Mozart).


Em 1770, nasce, na Alemanha, o compositor Ludwig van Beethoven. Já no século XIX, entrando no Romantismo, ele e outros de sua geração foram sentindo a necessidade de acrescentar ainda mais instrumentos à orquestra. Na sua 6ª Sinfonia, "Pastoral", ele usa 1 Flautim, 2 Flautas, 2 Clarinetes, 2 Oboés, 2 Fagotes, 2 Trompas, 2 Trompetes, 2 Trombones, Tímpanos e a família dos Violinos.


O Romantismo foi adentrando e vieram compositores como o francês Hector Berlioz, que, na sua genial Sinfonia Fantástica (de 1830) introduziu o Corne Inglês (parente intermediário do Oboé e do Fagote), o Clarinete em Mi Bemol, mais agudo, chamado aqui no Brasil de Requinta, os Oficleides (instrumentos de metal que tiveram carreira curta), a Harpa; e ampliou as sessões dos Fagotes, passando a 4, das percussões, pedindo 8 músicos e das cordas, sendo bem específico (não é comum o compositor especificar quantos de cada instrumento de cordas ele quer): 15 Violinos I, 15 Violinos II, 10 Violas, 11 Violoncelos e 9 Contrabaixos.


O que ocorria era que, com a entrada de mais sopros, que são instrumentos que, sozinhos, são capazes de se sobrepor à orquestra, passou-se a necessitar de mais cordas para equilibrar.


No final do século XIX, o austríaco Gustav Mahler já usava, na sua Primeira Sinfonia, "Titan", uma orquestra gigantesca, com 4 Flautas, Flautins, 4 Oboés, Corne Inglês, 3 Clarinetes, Clarinete em Mi Bemol, 3 Fagotes, 7 Trompas, 5 Trompetes, 4 Trombones, Tuba, Tímpanos, Percussão e as cordas (que, por aí, já passavam de 64).


Agora reparem que, nesse tempo todo, a música de Johann Sebastian Bach, de Georg Friedrich Händel, de Haydn e de Mozart continuava sendo tocada pelas orquestras. Quando eram Mozart e Haydn, elas geralmente respeitavam o compositor e mantinham o número de madeiras que eles haviam pedido (mas as cordas permaneciam inflacionadas). Mas quando eram Bach, Händel e outros compositores Barrocos, os maestros, instintivamente, faziam verdadeiras "reorquestrações", dobrando madeiras, tocando com 30 Violinos. Faziam isso porque vinham seguindo uma tradição. Faziam o que o seus antecessores faziam, não por querer adulterar a música que tanto amavam.


Mas alguns exageros, justamente em gravações de Oratórios de Bach e Händel, levaram um grupo de músicos, como os ingleses David Munrow e Christopher Hogwood, o austríaco Nikolaus Harnoncourt e o holandês Gustav Leonhardt (e muuuuuitos outros) a questionar essa abordagem, ou seja, tocar música muito antiga como se toca música moderna, e agiram. Fizeram extensas pesquisas a respeito de como se tocava na época. Exemplificarei com o Violino. No Barroco ele era posicionado mais para baixo, quase no peito do músico; além disso (eles garantiam), não usavam o vibrato a não ser com muita cautela - esse quesito gerou muitas polêmicas, de musicólogos se perguntando a partir de qual momento histórico o vibrato era "permitido" (vibrato é uma técnica que, no Violino, consiste em cambalear o dedo na corda, produzindo um som pulsante - é o que os cantores líricos fazem, ás vezes com uma técnica fenomenal, mas que não me encanta); o arco era totalmente discrepante do atual, sendo menor, de materiais diferentes, segurado menos na ponta... Nas orquestras que cada um fundou, usam-se instrumentos originais da época da música que interpretam, ou, mais comumente, cópias. Hoje, há um verdadeiro mercado para Luthiers (construtores de instrumentos) especializados em instrumentos antigos. O processo de fabricação em si, envolve desde medições precisas e decifração dos materiais de um modelo que tenham à mão, até o uso de esquemas deixados por Luthiers antigos.


Um caso curioso é o da gravação do clarinetista Anthony Pay e do maestro Christopher Hogwood, com a Academy of Ancient Music, do Concerto para Clarinete, K. 622, de Mozart, em 1990. A partitura pedia notas que o Clarinete não alcançava, graves demais. E ficava estranho, também, no Basset Horn, que é primo dele. Até então, os clarinetistas adaptavam as passagens mais graves, tocando-as uma oitava acima. Até que se descobriu que Mozart havia escrito a música (o manuscrito está perdido) para um instrumento bastante exótico, provável especialidade de seu amigo clarinetista Anton Stadler: o Clarinete Basset. Eles reconstruíram o instrumento, descrevendo o que queriam ao Luthier e gravaram o concerto na sua forma original. (Conste aqui que essa não foi a primeira vez em que isso foi feito. Em 1973, o clarinetista Hans Deinzer e o grupo Collegium Aureum, que toca sem regente, já haviam gravado desse jeito. Eu mencionei a de Pay/Hogwood porque a conheço, e conheço a história, desde criança.)


Vale dizer que isso tudo, refiro-me a tudo que está relacionado a essa nova maneira de interpretar música, gerou muita polêmica. Lembro de ler o seguinte argumento: a banda de Duke Ellington se reuniu, depois de 30 anos sem tocar junta, e o resultado foi estranhíssimo. Os críticos foram quase unânimes. Não tinha nada a ver com o som que eles tiravam, com o mesmo repertório, outrora. Então, como é que alguém pode sequer conceber que vai conseguir atingir a sonoridade de orquestras de 200, 300 anos atrás? E que, ainda por cima, não foram gravadas e não têm testemunhos vivos? isso, para mim, resume o problema. Quanto a gostar ou não do som, geralmente, eu gosto. Mas depende do resultado, do mesmo jeito que com as orquestras modernas. Muito mais importante é que a interpretação traga valor musical.


Nos dias de hoje, as grandes orquestras e os grandes regentes adotam um estilo, digamos, híbrido. Não se cometem mais os excessos dos anos 50 ao se interpretar Música Barroca e Clássica. Aliás, pouco a pouco as orquestras sinfônicas foram criando uma espécie de "inibição". E hoje mal tocam música anterior a Beethoven., relegando-a às orquestras com instrumentos de época. É o lado um pouco triste dessa história toda.


Podemos ser práticos e ver a diferença que há entre a interpretação de uma mesma obra, o famoso Canon e Giga de Johann Pachelbel, com práticas modernas (o primeiro vídeo, com Herbert von Karajan regendo a Orquestra Filarmônica de Berlim) e com parâmetros que simulam a execução da época (o de baixo, com o Musica Antiqua Köln, regido por Reinhard Goebel). Vai se surpreender.



 

Discos Recomendados


Por questões puramente de ditatorial afinidade vou favorecer os discos de música instrumental.


- Johann Sebastian Bach - A Arte da Fuga, interpretada pelo Emerson String Quartet - A Arte da Fuga não especifica sua instrumentação, na partitura, apenas 4 pautas separadas. Já foi gravada ao Órgão, ao Cravo e ao Piano inúmeras vezes cada, orquestra, Quarteto de Flautas Doces, Quarteto de Violões, Quarteto de Cordas e uma infinidade de outras combinações. Obra inacabada, impedida de progredir pela doença, consiste em 14 fugas e 4 Cânons. A versão que escolhi para vocês foi para quarteto de cordas, executada pelo Emerson String Quartet em 2003. É uma obra que, mesmo sendo quase mecânica, resvala em todas as emoções em que você puder pensar, todas as sensações. Há algo na Arte da Fuga. Que nos aprisiona e a todos encanta.


- Johann Sebastian Bach - Variações Goldberg, interpretadas ao Cravo por Pierre Hantaï - As Variações Goldberg são mais daquelas peças que parecem ter vindo prontas. O caderno consiste em 2 Árias (que têm o tema - uma tocada no início, outra no fim) e 30 Variações. Duram quase 1 hora e 20 minutos. Foram escritas para Cravo, mas hoje se ouve mais ao piano. O que pega na peça é sua engenhosidade. Consta que foram compostas por encomenda de um conde que não conseguia dormir. Ele queria que Bach compusesse uma obra para que seu protegido, Johann Gottlieb Goldberg, aluno de Bach, tocasse na antecâmara do seu quarto nas noites insones. Consta, também, que Bach nunca foi tão bem pago em toda sua vida e que o conde ficou apaixonado pelo que ele chamava de "minhas variações". As variações foram gravadas por Rosalyn Tureck, por Glenn Gould, por Lang Lang, por Beatrice Rana, por Wilhelm Kempff, por Joanna McGregor, por João Carlos Martins, por Daniel Barenboim, por Christiane Jaccottet, por Claudio Arrau, por Gustav Leonhardt, por Alexis Weissenberg, e muitos outros, tanto ao Cravo quanto ao Piano. Também foi gravada em arranjos para uma impressionante variedade de instrumentações. Pierre Hantaï é o cravista perfeito, o som de seu Cravo ajustado à perfeição para o som mais suave. Ele gravou as variações 2 vezes. Prefira a última, de 2004.


- Johann Sebastian Bach - Sonatas e Partitas para Violino Solo, interpretadas por Julia Fischer - Mais uma obra (com 6 peças) em que esse "minúsculo instrumento" se põe a falar, e acaba falando do infinito. Eu escolhi essa versão porque a prodígio Julia Fischer não pestaneja, não parece que vai arredar o pé por um segundo sequer. Aos 39 anos, já gravou tudo, Música de Câmera, Música Concertante e Música Para Violino Solo. Tinha diversos concorrentes, principalmente Hilary Hahn, Viktoria Mullova e Christian Tetzlaff. Mas Julia tem surreal bom gosto, potência e uma clareza absurda. As 3 Sonatas têm os 4 movimentos típicos de uma sonata barroca. Já as 3 Partitas têm os movimentos clássicos da suíte de dança (mesmo que não sejam para ser dançados), tal como a Alemanda, a Courant, a Gavota, a Sarabanda e a Giga. Uma nobre exceção é a Chaconne da Partita: com 15 minutos, ocupa quase metade da sua suíte. Além disso Julia toca equilibrado entre o Moderno, mas sem excessos, e o Barroco, mas sem as neuras. Disco de 2005.


- Johann Sebastian Bach - Missa em Si Menor, regida por John Eliot Gardiner - Grande Missa, para cantores solistas, coral (aqui, o Monteverdi Choir) e orquestra (English Baroque Soloists), a Missa em Si Menor tem a mesma importância que A Paixão Segundo São Mateus, o Oratório de Natal e o Magnificat em Ré Maior. Estão entre as obras de mais alta significância em toda a história da música. A versão dirigida pelo maestro (e pugilista) John Eliot Gardiner é clara, tanto nas articulações, quanto pelo fato de usar uma orquestra menor (ele utiliza uma orquestra Barroca, com instrumentos da época). É uma gravação discreta, sem vibrato, com andamentos acertados. De 1985.


- Johann Sebastian Bach - As 6 Suítes para Violoncelo Solo, interpretadas por Antônio Meneses - O brasileiro Antônio Meneses é um mago do Violoncelo. Comparei mais de 20 versões e a dele se sobressai ao aglutinar alguns atributos essenciais: é bem microfonada (isso é importantíssimo); conta com uma sonoridade grave, cheia, ligeiramente rouca; e seu Staccato é na medida e os fraseados, milimetricamente dosados. É de 2009. Tenho, ainda, outra gravação favorita. A do violoncelista francês Pierre Fournier, um pouco mais antiga, de 1960, mas igualmente impressionante.


- Georg Friedrich Händel - Oratório Messias, regido por Paul McCreesh - McCreesh, com seu afiadíssimo conjunto, o Gabrieli Consort, extrai a última gota de emoção do Oratório de Händel. Mas tudo discretamente, em tons pastéis. Os solistas cantam com tamanha intimidade que é que é como se conhecessem atalhos, para evocar cada uma dessas emoções. Que possamos desfrutar da música assim, tão crua e, ainda, definitiva, é um privilégio dos tempos. Se tentássemos escutá-la nos anos 60, teríamos uma sucessão de sons ensurdecedores encadeados. Essa obra contém o célebre coro "Hallelujah". O Oratório precisa de 2 CDs: são coros, solos, duetos, recitativos e tudo o que torna a obra grandiosa. Gravação de 1997.


- Georg Friedrich Händel - Concertos Grossos, Op. 6, com a Händel & Haydn Society, regida por Christopher Hogwood - Dentre as obras instrumentais de Händel, destacam-se os Concertos Grossos e, dentre esses, mais ainda, os 12 Concertos do Caderno Op. 6. A obra é formada por 12 concertos para 2 ou 3 Violinos solistas e ripieno (um conjunto com número variável de instrumentos que executam 4 partes, aos quais é adicionado um Cravo). Hogwood tem a vez, aqui, mesmo fora da sua orquestra de praxe (a Händel e Haydn Society eram seu braço nos Estados Unidos), porque rege com confiança, com direção, mas sem perder luz da delicadeza. É de 1993 e, como a maioria aqui, usa instrumentação de época.


- Georg Philipp Telemann - Música Aquática, com o Musica Antiqua Köln regido por Reinhard Goebel - Esse, conheço de cor. O Cravo fluido, os oboés onipresentes e, ao mesmo tempo, dosados, as cordas virtuosísticas e, quando entram, as flautas doces mágicas. É uma verdadeira orquestra barroca. De 1984, o CD agrega uma Suíte de Abertura (chamada "Hamburger Ebb") e mais três Concertos avulsos e bem encaixados. Foi uma das primeiras vezes em que realmente me impressionei com o Movimento HIP.


- Georg Philipp Telemann - 12 Fantasias para Flauta Solo, com Jasmine Choi - O que temos aqui? 12 peças (preenchem um CD) que têm, cada qual, seu caráter. O flautista terá que simular o que seu instrumento não faz: tocar múltiplas e polifônicas vozes. Isso mesmo, o instrumento deverá conseguir, com os recursos da respiração, da articulação e da intensidade do som, criar a ilusão de que a flauta se multiplicou. É o Contraponto Monódico. As Fantasias podem ser apreciadas na Flauta Doce (tente Tommaso Rossi, 2017) ou na Flauta Transversa (recomendo Jasmine Choi, 2015, com sua sonoridade despojada de exagero e interpretação discreta).


- Georg Philipp Telemann - Concertos e Suíte com Flauta Doce, interpretados por Michala Petri, acompanhada pela Academy of Ancient Music, regida por Iona Brown - A linda, brilhante e rica (eu disse rica?) flautista doce dinamarquesa Michala Petri tem uma vasta discografia e um currículo surpreendente. É uma autoridade em Telemann e Vivaldi. Este lindíssimo disco tem concertos para diversas formações. O primeiro é para Flauta Doce, Fagote (com o fagotista alemão Klaus Thunemann) e orquestra; o seguinte é para Flauta Doce, Flauta Transversal e orquestra e, por fim, há uma dramática suíte para Flauta Doce e orquestra. Todos executados com perfeição. Alguns críticos insinuam ver perfeição em excesso (acham Michala ascética, com o que sou obrigado a discordar) mas eu pergunto: existe excesso de perfeição?. É de 1985.


- Domenico Scarlatti - Sonatas Para Teclado, Andrea Molteni ao Piano - Molteni, que é mais esperto que parece, selecionou 18 sonatas completamente diversas das de Hantaï e fez um CD claramente mais leve e suspensivo. Além disso, optou pelo piano, mas utilizando pouquíssimas inflexões. Até mesmo a Sonata em Dó Menor, Op. 126, epicentro do disco, não nos causa angústia ou vontade de fugir pra Hungria. É um disco iluminado. É um rapaz muito talentoso. Seu disco é de 2021.


- François Couperin - Avec le Basse Chiffrée e Les Goûts Réunis, com Mikko Perkola, Aapo Häkkinen e Markku Luolajan-Mikkola - Esse repertório, dividido em 2 livros (Avec le Basse Chiffré e Le Goût Réunis), apresenta a obra de Couperin para (nesse caso) Viola da Gamba Baixo, Cravo e Contrabaixo. Os músicos finlandeses tocam com intensidade invejável, o que poderíamos chamar de paixão. Esses dois cadernos, Couperin os escreveu em seu último ano, 1728, quando já havia perdido seu caro amigo Marin Marais. Talvez daí sintamos as notas de melancolia e profunda reverência. Foi gravado em 2007. Lindíssimo!


- François Couperin - Recital de Cravo, por Pierre Hantaï - Hantaï reuniu, aqui, peças que pouco têm a ver entre si, mas que juntas, revelam muito. Como a desconcertante intuição e o perfeito tino de Couperin para talhar a harmonia, trabalhando acorde por acorde até que o resultado final seja o desejado. Pessoalmente, acho essas músicas extremamente atraentes, mas de um jeito quase assombrado, por vezes. A interpretação de Hantaï é meticulosamente primorosa. Gravado em 2007.


- Jean-Marie Leclair - Musique de Chambre, Obra Tardia para Orquestra, com o Musica Antiqua Köln, regido por Reinhard Goebel - Goebel e o Musica Antiqua Köln estiveram na vanguarda do Movimento HIP (Performance Historicamente Informada). Junto com Nikolaus Harnoncourt e o grupo de David Munrow (o Early Music Consort, que se dedicava à música anterior ao Barroco) mudaram completamente o som erudito dos anos 1960. E, com eles, um repertório novo, colorido e rico como o lado oculto da lua. Esse disco nos apresenta a música mágica de Jean-Marie Leclair. O compositor nasceu em 1687, em Lyon, França. O disco que proponho apresenta uma Abertura, 3 sonatas e a Abertura de um Trio. Tudo executado com o maior rigor, seguindo as novas diretrizes. O Musica Antiqua Köln já se desfez, e Goebel perambula por aí. Mas seu legado jamais será esquecido. De 1979.


- Antonio Vivaldi - As 4 Estações (Concertos para Violino e Cordas), com Janine Jansen e orquestra de solistas - As 4 Estações...! Que curioso agrupado de 4 Concertos para Violino e Orquestra. Quando aplicadas as normas da "Performance Historicamente Informada", restam-nos o Violino Solo; a Orquestra, com 2 Violinos e uma Viola; e o Baixo Contínuo, com Violoncelo, Teorbo e Cravo. Meros 8 músicos. Claro que se pode tocar com bem mais, mas hoje em dia é de bom tom não extrapolar. A interpretação da fabulosa violinista alemã Janine Jansen, que aqui é a solista, e sua turma é embasbacante. Conseguiram trazer novidades a uma obra que já foi engessada, tocada por orquestrinhas infantis e profissionais! Eles injetam uma fartura de acentos, crescendi, diminuendi, cortam as frases onde não esperamos... O resultado é que a música aparece nova, ali, pulsante. Um prodígio, de fato, o que fizeram com as 4 Estações! E é o perfeito exemplo de como ficaram as coisas: os músicos mais novos adotam algumas das práticas do Movimento HIP, mas sem exagero, sem obrigações e sem aquele peso funesto que às vezes eu ouço em, por exemplo, Nikolaus Harnoncourt (apesar disso, o amo demais). O disco é de 2004.


- Antonio Vivaldi - Concertos para Flauta, com Patrick Gallois e a Orpheus Chamber Orchestra, uma das mais prestigiadas orquestras sem regente do mundo - Gallois e a Orquestra tomam uma abordagem bem relaxada. O flautista francês jamais toca forte demais, e a orquestra o acompanha nessa atitude. Os contrastes são dosados. Eles nem usam Cravo! (Para o oposto do que estou falando, com interpretações extrovertidas e exuberantes, encontre os flautistas Jean-Pierre Rampal e Emmanuel Pahud.) É um disco discreto, mas que nessa discrição, nos dá a melhor versão de 6 dos principais Concertos para Flauta do compositor italiano. Não é música fútil, é de primeira categoria. Temos os famosos concertos "La Tempesta di Mare", "La Notte" e "Il Gardelino". Gravado em 1992.


- Georg Muffat e Heirich Ignaz Franz von Biber - Suítes e Sonatas para Orquestra, Nikolaus Harnoncourt regendo o Concentus Musicus de Viena - Se existem discos seminais na história da música, cá há um. Você chega a estranhar, de cara, as harmonias tronchas e insólitas que ouve. Georg Muffat publicava suas músicas em cadernos chamados Florilegia (Florilegium Primum, Florilegium Secundum...). Nesses dois, precisamente, ele teve a ideia de escrever também um tratado sobre a técnica violinística de então. A calhar para os músicos que pretendiam emular, só com essas (e outras, também da época) instruções, o "verdadeiro" som barroco. Não digo que foram bem sucedidos ou que não. Mas uma coisa é certa, criaram um som diferente, muito diferente do das Orquestras Modernas. Agora, é bonito, sim. O disco abre com o Fascículo 8 do Florilegium 2. É uma suprema sonata, chamada "Indissolubilis Amicitia". Como disse, é ousada e soaria moderna mesmo hoje. Em seguida temos um concerto: "Bona Nova", em que os oboés se destacam. E então passamos para as três peças de Bibber: uma sonata; a 8ª sonata do "Fidicinium Sacro-Profanum"; a Sonata "Battalia a 10". Todas peças de compositores maduros e comprometidos em fazer arte no mais alto padrão. O disco é de 1965 e o som é muito bom.


- Jean Gilles - Réquiem, com Philippe Herreweghe regendo solistas, o coro Collegium Vocale Gent e a orquestra Musica Antiqua Köln - Nessa gravação, de 1981, temos o que há de mais precioso na música. A delicadeza. O Réquiem não é nem um pouco dramático, no máximo um pouco resignado. No século XVIII, a morte não era vista como uma tragédia, as pessoas conviviam com ela o tempo todo. A música é linda, para cantores solistas, coro e orquestra. Repare logo no primeiro tenor que entra: não faz vibrato e sua atitude geral é discreta e elegante. O mesmo acontece com os outros cantores, o coro e a orquestra. Todos solenes, falando da inevitável morte. É uma das interpretações mais belas da carreira eminente e quase impecável do maestro francês Philippe Herreweghe, um dos maiores expoentes da Performance Historicamente Informada.


- Jean-Philippe Rameau - Suítes Orquestrais, com Frans Brüggen a reger a Orchestra of the 18th Century - Brüggen é uma lenda do Performance Historicamente Informada tanto quanto Hogwood, Goebel, Harnoncourt e Herreweghe. Aqui eles se debruçaram sobre duas óperas de Rameau: "Acante et Céphise" e "Les Fêtes D'Hébé". Mas não são as óperas que escutamos, são trechos instrumentais catados de cada uma e agrupados em suítes orquestrais. O disco simplesmente prova por que Rameau é um dos compositores barrocos mais importantes. Por se tratar de música derivada de Ópera, a orquestra é maior que o de costume e a interpretação é brilhante. Maravilhoso! Disco de 1998.


- Le Parnasse Français, com música orquestral de Marin Marais, Jean-Féry Rebel, François Couperin e Jean-Marie Leclair - com Reinhard Goebel regendo a Musica Antiqua Köln - Esse é o outro disco seminal de que lhes falava. Desde o início, com baixo ostinato na Sonnerie de Marin Marais, somos tragados a um planeta onde apenas lá tal música é possível. Depois temos o expressivo "Le Tombeau de Monsieur Lully", de Jean-Féry Rebel, a carismática Sonata "La Sultane", de François Couperin, uma Abertura de Jean-Marie Leclair (dividida em três faixas, no disco). Depois de uma peça de Michel Blavet, temos o maravilhoso "Concerto Comique" Nº 25, de Michel Corrette, peça de encantadora sagacidade. O disco é um passeio pelo barroco francês, mais que qualquer outro. De 1978.


- Dietrich Buxtehude - Membra Jesu Nostri, com coro, solistas e Andoni Sierra a reger o Conductus Ensemble - Essa pungente e ambiciosa obra de arte une 7 cantatas dedicadas aos membros e órgãos (sim, falo de partes do corpo, mesmo) de Jesus na cruz. Mas que isso não venha lhe dissuadir: a obra toda dura não mais que 1 hora. A interpretação é fabulosa e os cantores são da mais alta estirpe. De 2019.


- Arcangelo Corelli - Concerti Grossi, Op. 6, com Federico Maria Sardelli a reger a orquestra Modo Antiquo - Os 12 Concertos Grossos que compõem este fantástico CD estão entre os mais importantes da história da música, ladeados pelos Op. 3 e Op. 6 de Händel. São orquestrados para (concertino, que são os instrumentos principais, os solistas: Violino I, Violino II e Violoncelo); (ripieno, instrumentos de acompanhamento: um conjunto de cordas) e Baixo Contínuo (a parte dos acordes, para a qual se pode selecionar a instrumentação). A interpretação é assertiva, confiante e brilhante. A gravação, com masterização suave, é de 1998.


- Girolamo Frescobaldi - Obras para Cravo, por Enrico Baiano - A peças (para Cravo ou Órgão, e eu optei por uma gravação ao Cravo) de Frescobaldi têm elevado caráter improvisativo, e isto quer dizer que as frases e escalas se tornam abundantes, enquanto a estrutura não é, na concepção, tão elaborada. É das obras mais importantes da literatura de instrumentos de teclado. A gravação de Enrico Baiano é mais que clara, é didática. O disco é de 2002.


- José Maurício Nunes Garcia - Réquiem, por coro (o Morgan State College Choir), solistas e orquestra, a Filarmônica de Helsinque regidos por Paul Freeman - O belíssimo Réquiem do padre e compositor carioca Nunes Garcia é de 1799. Começa manso, até lembra um pouco Mozart (às vezes, um bocado). É uma partitura muito inspirada, que ganhou dos Finlandeses essa interpretação muito refinada. A execução da peça dura cerca de 36 minutos. É música de beleza transcendental que recebeu uma interpretação de luxo. Não falo isso simplesmente porque é uma orquestra europeia, mas vocês precisam saber como essa música é negligenciada no nosso país, salvo por honrosos esforços individuais. A gravação é de 1975, mas o som é muito bom.


- Johann Pachelbel - Obras de Câmara, incluindo o Cânon e Giga, com o London Baroque Players, dirigido por Charles Medlam - Disco todo instrumental, vai chamar a atenção pela 10ª e última faixa, o Canon e Giga do compositor, também conhecida como Canon de Pachelbel. Mas os encorajo fortemente a escutar o disco todo, que dura 1h15m. Quanto ao Canon, foi uma concessão que fiz por vocês, para que pudessem ter um sopro de familiaridade em uma discografia tão densa. De 1995.


- Giuseppe Tartini - Obras para Violino Solo, incluindo a Sonata "Devil's Trill", por Andrew Manze - O prato principal deste álbum é a Sonata para Violino em Sol Menor, conhecida como "Devil's Trill", ou "Trinado do Diabo", que pode ser tocada pelo Violino desacompanhado ou com um instrumento acompanhante. A peça tem história: o compositor e violinista italiano (na verdade, da República de Veneza) Giuseppe Tartini recebe, em sonho, a visita do diabo. Este se oferece para lhe dar uma aula. Ao cabo desta, Tartini lhe estende seu violino, a fim de testar as habilidades do cão. Pois o diabo toca com tanta volúpia, paixão e fogo que deixa Tartini sem fôlego. Ele acorda e se põe imediatamente a anotar a música com que sonhou. E a apelida de Trinado do Diabo. Este ocorrido foi habilmente adaptado e recontado em Cordel pelo nosso cordelista Eduardo Macedo (Cordel: O Rabequeiro do Brejo e o Trinado do Diabo). Escolhi a interpretação de Andrew Manze, pois este escolhe tocar com as diretrizes usadas no Barroco (lembram?: uso quase nulo do vibrato, utilização de Violino da época, com cordas de tripa de bode e um modo de tocar completamente peculiar para quem é acostumado ao Violino Moderno). O britânico Manze, que também é regente e já foi diretor da Academy of Ancient Music, após Christopher Hogwood, entrega uma interpretação quase perfeita, sem acompanhamento e que, ao mesmo tempo nos expõe as qualidades e limitações sonoras do Violino Barroco. É a sua segunda gravação da peça, feita em 1997 (a outra, em 1980). O Trinado do Diabo, que contém tantos trinados quanto qualquer outra peça da época, dura cerca de 15 minutos e tem três movimentos. O álbum acompanha outras obras do autor, como as Variações Sobre Uma Gavota, do Opus 5 de Corelli (Deu para entender? São variações de Tartini sobre uma Gavota de Corelli) e a Pastoral para Violino em Scordatura. Violino em Scordatura era uma técnica muito comum entre os virtuoses do Barroco. E também, assombrosa, de doer a cabeça só de pensar. Consiste em afinar uma ou mais, das 4 cordas do Violino, em notas que não são as habituais Mi-Lá-Ré-Sol. Pode ficar, por exemplo, Mi-Sol-Mi-Sol. E o músico, acostumado a achar seu dozinho lá na corda , tem que reprogramar todo seu cérebro, neurônios e sistema nervoso central para poder redefinir onde fica cada nota. Eles faziam isso não por masoquismo, mas porque, quando em Scordatura, novas possibilidades melódicas se revelam no instrumento e fica fácil sair do lugar comum. Fazemos isso no Violão, também, agora, a Viola Caipira é a rainha da Scordatura. Ela não tem uma afinação padrão, e o violeiro tem que se acostumar com várias afinações (que têm apelidos: Cebolão em Ré, em Mi, Rio-Abaixo, Rio-Acima, Boiadeira etc.). Só lembrando que a versão de Andrew Manze da Sonata "O Trinado do Diabo" é sem acompanhamento e, embora seja raro ouvir assim, é, provavelmente, a mais autêntico, pois nenhum manuscrito de Tartini contém qualquer tipo de acompanhamento.


- Marin Marais - Les Voix Humaines, peças para Viola da Gamba e Cravo, com Hille Perl à Gamba e e Lee Santana ao Teorbo - Um álbum quase New Age, mas é barroquíssimo e centrado na obra do compositor francês Marin Marais (1656-1728), um aprendiz de Jean-Baptiste Lully que compôs pouca música vocal. Sua paixão era a Viola da Gamba, que hoje é um instrumento de corda histórico, tendo sido, ainda no Barroco, superado pela família dos Violinos. O repertório é fascinante e a virtuose alemã Hille Perl é uma das mais magníficas executantes e defensoras da Viola da Gamba. O disco foi gravado em 2008 e os dois instrumentistas usam vários modelos da família das Violas da Gamba, o Alaúde e o Teorbo (uma espécie de Alaúde com uma extensão para cordas graves). É imperdível, aposto que você vai adorar músicas como "La Badinage" e "Le Labyrinthe".


- Gregorio Allegri - Música Sacra, inclusive o Miserere, por The Choir of the King's College London, regido por David Trendell - Você conhece, não conhece? Essa história aqui? Vou resumir: em 1638 o compositor proto-barroco italiano Gregorio Allegri compõe seu Miserere, que é basicamente a transformação em música de um Salmo Bíblico (o de número 51, salvo engano), para coro. Foi composto a pedido do Papa Urbano VIII pra ser cantado exclusivamente na Capela Sistina durante a Semana Santa. A música não saía de lá. Muito tempo depois, Allegri já no túmulo, a Capela é visitada por um jovem de 14 anos chamado Wolfgang Amadeus Mozart, acompanhado por seu pai Leopold. Wolfgang escuta a música uma vez (tudo bem, depois ele retorna para conferir) e a anotou inteira. Compreenda, são 9 vozes, ou 9 melodias simultâneas, a escrita é repleta de armadilhas, notas vizinhas, dissonâncias e dura 14 minutos! Agora repita: "Jamais deverei subestimar Wolfgang Amadeus Mozart!". A música de Gregório Allegri é divina e esse disco, todo coral e graciosamente cantado pelo Coro do King's College de Londres, dirigido pelo excelente David Trendell, contém muitas provas disso ("Missa Mectulo Meo" e "Missa Christus Resurgens", por exemplo). A obra de Allegri se situa na saída da Renasença e entrada do Barroco. É de 2012.


- Henry Purcell - A Purcell Songbook, cantado por Emma Kirkby - A voz de Emma Kirkby é um patrimônio não só da Inglaterra, mas da humanidade. Já foi dito por aqui que eu não gosto de música cantada. Foi dito também que, no Barroco, cantava-se completamente diferente, com mais discrição, menos gritos, berros e, principalmente, menos vibrato. Dá até pra saber exatamente que nota o cantor quer alcançar. Bom, Dame Emma Kirkby parece ter sido transportada de para . Sua voz tem, digamos, prerrogativas especiais. Suspeito que ela tenha feito um implante do mais porteño Doce de Leite em suas cordas vocais. Enfim, assim como a Mônica Salmaso, ela canta suave, manso e com a certeza de que a pura beleza de seu timbre haverá de encantar. O repertório desse disco contém, sobretudo, Árias de Óperas do inglês Henry Purcell. Kirkby é acompanhada por formações diversas, como Christopher Hogwood, ao Cravo, Anthony Rooley, ao Alaúde ou ao Teorbo e até por uma pequena orquestra. Trata-se, excepcionalmente (para nós), de uma coletânea da cantora. Não deixe de conferir essa gigantesca soprano e este repertório especial. O disco é de 1983.


- Louis Couperin - Suítes para Cravo, por Alan Curtis - Louis Couperin era um músico talentoso, que despontava em Paris como cravista, organista e gambista. Mas morreu muito cedo, aos 35 anos. Era tio do muito mais famoso, nos dias de hoje, François Couperin (veja acima). Eu trago esse disco porque ele é a mais peculiar das joias. O cravista estadunidense Alan Curtis, um estudioso da Música Barroca, gravou o disco inteiro em um Cravo afinado em um sistema anterior à adoção do Temperamento Igual, afinação que usamos até hoje. Eu pincelei sobre isso na Parte 1 do nosso mergulho no Barroco, mas não quis me aprofundar porque ficaria técnico demais. Pois bem, o Temperamento Igual divide a oitava em 12 partes iguais, em que, quanto mais se vai subindo, aplica-se uma razão matemática para determinar a próxima nota. O sistema que Curtis usava mantinha as terças puras. Mas basta saber que, para o nosso ouvido, o disco de Couperin soa completamente desafinado. Não está! Apenas está usando um sistema de afinação mais rústico. Quando você se acostuma, vê que é muito interessante. Talvez seja o disco Barroco mais Barroco que eu recomendei aqui. É que Curtis queria ser "radicalmente autêntico". Conseguiu. Disco de 1976.


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