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Bach - A perfeição da Fantasia Cromática e Fuga

Atualizado: 30 de jan. de 2023

Por Rafael Torres

A Fantasia Cromática e Fuga em Ré Menor, para cravo (ou, hoje em dia, piano), do compositor Barroco Johann Sebastian Bach (1685-1750) tem o número BWV 903, em uma espécie de ordem cronológica não muito rigorosa que vai até o BWV 1.126. A Fantasia foi escrita em Köthen, Alemanha, entre 1717 e 1723, quando ele esteve empregado pelo Príncipe Leopoldo. Seu período em Köthen foi de 1717 a 1723.


Johann Sebastian Bach in 1715
Johann Sebastian Bach em 1715.

O príncipe era um amante de música e tocava vários instrumentos, como cravo e violino. Além do mais, tornou-se amigo do compositor, o que era raro entre realeza e corte. Era Calvinista e Bach também era protestante. A igreja Calvinista pregava a simplicidade, inclusive na música, sendo avessa a grandes e extravagantes obras sacras. Tudo isso, mas, principalmente, o fato de o príncipe gostar de música instrumental, livrou um pouco Bach da obrigação de escrever sempre oratórios e missas grandiosas.


É por isso que, em Köthen, Bach pôde escrever muita música instrumental: Suítes Orquestrais, Os Concertos de Brandemburgo, As Suítes Para Violoncelo, As Partitas e Sonatas para Violino. Dentre as 3 Partitas para Violino, a contém a famosa e transcendental Chaconne em Ré Menor.


O período em Köthen foi relativamente feliz, mas em 1720 a corte tinha viajado para Carlsbad e, quando voltou, o compositor descobriu que sua esposa, Maria Barbara Bach, havia falecido durante sua viagem. Ela, além de tudo, era sua prima em segundo grau. Eles tiveram 7 filhos, dos quais 4 vingaram. Dentre eles, dois se tornaram compositores de imensa importância nos períodos Barroco e Clássico. Foram eles Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788) e Wilhelm Friedmann Bach (1710-1784). Carl Philipp Emanuel, que nós muitas vezes abreviamos para CPE Bach, foi um músico realmente influente, tendo atingido fama muito maior que a de seu pai, em vida. Era admirado por Mozart, Haydn e por praticamente todos os compositores europeus da segunda metade do século XVIII. No Romantismo, século XIX, sua fama decaiu significativamente, enquanto a de seu pai crescia postumamente. Hoje há um renovado interesse pela música de CPE.


Quando Johann Sebastian Bach compunha música coral na corte de Köthen (Cantatas Seculares), o príncipe tinha que contratar cantores das cidades vizinhas. Uma das cantoras era Anna Magdalena Wilcke, uma jovem talentosa e bonita que, em 1721, se tornaria Anna Magdalena Bach. Ela tinha 20 anos, e ele, 36. Viriam a ter 13 filhos (Bach era uma máquina), dos quais 6 vingaram. Dentre eles, Johann Christoph Friedrich Bach (1732-1795) e Johann Christian Bach (1735-1782), tornaram-se compositores prolíficos e bem sucedidos.


Vários fatores fizeram com que terminasse o período de Bach em Köthen:

  1. O príncipe passou a ter que contribuir cada vez mais para o exército da Prússia, diminuindo o orçamento da música;

  2. O príncipe casou, em 1721, com uma certa Frederica Henriette, que não aprovava que ele se relacionasse de maneira amigável com seus servos;

  3. O próprio Bach desejava alçar voos maiores, em um principado de maior notoriedade.

O posto mais importante de sua carreira estava por vir. Em Leipzig ele foi contratado como Thomaskantor da Escola de São Tomás, pertencente à Igreja de São Tomás, posto que ele reteria até o final da sua vida, em 1750. Lá ele compunha uma cantata por domingo, além de prover cantatas nos feriados, e reger. E de treinar o coro. Por pouco ele não precisou ensinar latim, graças aos 4 estagiários que foi autorizado a contratar. Vivia em atrito com seu empregador, o Conselho da Cidade de Leipzig, mas sua carreira realmente melhorou.


 

A Obra


A Fantasia Cromática e Fuga é única na obra de Bach. Vasta, embora relativamente curta, absolutamente genial e infinita. Um compositor "normal", nos dias de hoje, levaria séculos para escrever algo parecido. Porque, além de exibir uma técnica absurda de escrita, ela tem inspiração. São milhares de notas, mas cada uma tem propósito. Estou dizendo isso porque na primeira parte, a Fantasia, o ouvinte pode se perder no meio de tantos arpejos e corridas.


A obra dura cerca de 11 a 13 minutos. É uma das obras mais improvisativas de Bach para teclado, isto é, tem um caráter de improviso, devido ao fato de a Fantasia não ter um tema em si, e sim, um turbilhão de passagens vertiginosas.


Vale lembrar que existem diversas versões da obra, algumas com diferenças muito significativas. Mas a BWV 903 parece ser aquela em que Bach se satisfez com a forma.


Veja abaixo o pianista Alexis Weissenberg, um dos maiores do século XX, tocando a peça ao piano, em 1971.



A Fantasia Cromática


Essa Fantasia é dividida em três seções. É chamada de Cromática (embora a Fuga seja até mais cromática) porque, embora tenha uma tonalidade, o Ré Menor, a peça conta com muitas divagações harmônicas, muitas vezes se estendendo sobre acordes diminutos em sucessão. Outra sua característica é a de ter passagens rápidas, estilo tocata, completamente monofônicas, ou seja que têm uma linha só, dividida nas duas mãos.


Parte 1: Prelúdio ou Tocata

A peça inicia com uma série de carreiras diatônicas, as primeiras das quais parecem interrompidas. É a parte mais difícil da obra, especialmente ao piano, em que o intérprete precisa tocar todas as notas com a mesma intensidade ou fazendo sutis variações de dinâmica. Em 1m47s temos uma sequência de arpejos, primeiramente de acordes diminutos e, depois, de acordes mais comuns. Os arpejos vão até 2m12s, quando a música se prepara para a parte 2.


Parte 2: Recitativo (2m42s)

Recitativo é um artifício da música cantada. Ópera e Música Sacra o usam. Ele surgiu da necessidade de adiantar o texto. Os compositores pegavam textos imensos que, se fossem musicar da maneira tradicional, a obra ficaria com uma duração exagerada. Então surgiu o Recitativo, que consiste em uma passagem menos musical, quase falada, que cobre muito texto em pouco tempo.


Esse Recitativo instrumental lembra muito os cantados, com suas ornamentações, mas mesmo sendo uma música diferente, ele retém a aura da Parte 1. Aqui temos mais silêncios, como se o compositor tocasse uma escala e interrompesse. Desse modo a música exige muito do intérprete.


Parte 3: Amálgama (3m52s)

Marcado Presto (rápido), começa no compasso 60. Eu chamo de Amálgama porque ele tem características da Parte 1 e da Parte 2. Tem as carreiras da Parte 1 e as ornamentações da Parte 2. Seu caráter geral é mais misterioso e contemplativo. Ou, mais especificamente, como se a música estivesse em dúvida.


O belo Coda é perfeito. Começa aos 5m20s e termina aos 6m50s, finalizando em Ré Maior, graças à terça de picardia.


A Fuga (6m55s)


Eu sempre achei a Fuga mais cromática que a Fantasia. Ela já começa com um pequeno cromarismo (Lá - Si bemol - Si - Dó) e logo outro aparece (Mi - Fá - Fá Sustenido - Sol). Trata-se de uma Fuga tradicional, e, por isso mesmo (já que se trata de JS Bach), excepcional. O compositor tem, o tempo todo, o domínio das três vozes, e o que se ouve é, de fato, uma música, mais do que uma Fuga.


 

Considerações Finais


A Fantasia Cromática e Fuga BWV 903 é realmente uma peça atípica de Bach. Atípica na construção, na harmonia e na escrita para o cravo. A peça ganhou notoriedade instantânea, sendo objeto de admiração de cravistas e compositores desde que foi composta. Isso não foi comum na trajetória de Bach. Recordemos que ele era conhecido como ótimo cravista, imbatível organista e excelente improvisador, mas seu trabalho como compositor era virtualmente desconhecido - era até considerado antiquado. A partitura só viria a ser publicada em 1802, já no fim do Classicismo e início do Romantismo, pelo editor Franz Anton Hoffmeister.


Nos dias de hoje a peça é gravada por todo cravista que se preze (e por muitos pianistas), além de ser transposta para outros instrumentos, como o violão. Se o mundo acabasse e tudo o que restasse fosse um manuscrito dela como representante da Música Clássica (na verdade, Barroca) a memória da humanidade estaria bem representada.


 

Gravações Recomendadas


- Alexis Weissenberg - O grande pianista búlgaro, o mesmo do vídeo acima, gravou a peça algumas vezes, mas a que encontramos no Spotify é essa, para o selo Erato, de 1972. (Curiosidade: Weissenberg, aos 12 anos, foi preso com a mãe por 3 meses em um campo de concentração na Bulgária, então ocupada pela Alemanha. E lá tinha um acordeon, em que ele ficava tocando Schubert. Um guarda gostou e acabou pondo os dois em um trem. Ainda jogou o acordeon para eles pela janela e desejou boa sorte.) Foi um dos mais técnicos de todos os pianistas. Sua Fantasia Cromática e Fuga é elétrica, extremamente rápida e sem muitos rubatos. Quando ele pega uma frase, ela vai, sem tropeçar e sem atrasar, até a última nota. É uma gravação formidável. Clara e precisa.


- Pierre Hantaï - O cravista francês também demonstra extrema intimidade com a peça. Aqui você conhece a versão original, para cravo. Sua interpretação utiliza aquela que é a ferramenta expressiva mais importante do cravo: os rubatos. Rubato é, por exemplo, quando você toca um começo de frase mais rápido, para desacelerar no fim (ou o oposto). É a minha versão preferida ao cravo. Saiu também pelo selo Erato, sendo a gravação de 1997. Você encontra no disco 2 da coletânea abaixo.


- Nelson Freire - O arrebatador pianista brasileiro gravou um disco só com obras de Bach. O nome do disco é Bach. Nelson também faz muitos rubatos, o que torna sua leitura um pouco mais sentimental, passional. Além disso ele faz variações de dinâmica, o que é impossível no cravo (o cravo tem um mecanismo que só permite que as notas soem com a mesma intensidade). Foi seu antepenúltimo disco, de 2017, antes que ele morresse, em 2021.


- Andor Foldes - Um pianista húngaro não muito lembrado hoje em dia, Foldes era um talento. Sua gravação parece muito com a de Weissenberg ("fria"), mas menos técnica e mais musical. É de 1958 e você encontra na coletânea Wizard of the Keyboard, da Deutsche Grammophon.


- Karl Richter - Organista, cravista e regente alemão da maior importância, Richter era especialista em Bach e Händel. Sua gravação da Fantasia Cromática e Fuga foi a referência por muitos anos. É de 1970. É uma interpretação que beira a perfeição. Perceba que eu falei que, no cravo, você pode tocar a tecla com força ou não, mas a nota sempre terá a mesma intensidade. Mas existe uma maneira de variar entre forte ou fraco. É que o cravo tem 2 (às vezes 3) teclados, um em cima do outro. O de cima é mais fraco, e Richter brinca muito com essas possibilidades.



 

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Algumas postagens importantes

Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia.

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Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info).


Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949.


Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021.


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Música Popular Brasileira


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Parte 1 - História

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